Câmara // Vereadores analisam revisão de lei que envolve muitos interesses econômicos
Série // Leia também a primeira, segunda e terceira parte sobre o novo plano diretor
Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 23.abril.2008
Verdadeiros cemitérios urbanos. É assim que a arquiteta e urbanista Suely Leal define os espaços adquiridos pelas imobiliárias e construtoras para, em seguida, caírem no abandono à espera de novas edificações ou, simplesmente, como reserva estratégica para eventuais mudanças nas leis municipais. O mais grave, contudo, é que o atual debate político sobre um novo Plano Diretor para o Recife não inclui e nem prevê revisões sobre a lei de uso e ocupação do solo, a qual permite situações como a foto ao lado.
Desde o último domingo, o Diario tem abordado a cada dia um novo assunto sobre a revisão do Plano Diretor do Recife, o conjunto de diretrizes que planeja a cidade. Se a questão pudesse ser tratada apenas pelo viés de mercado, talvez houvesse menos para se preocupar. No entanto, locações abandonadas e sem fiscalização são chamarizes para doenças e insegurança. Em uma das áreas mais nobres de Boa Viagem, já próxima ao shopping, um condomínio de 21 casas tem quase a metade delasem completo abandono.
De acordo com moradores do local, os lotes sem uso foram comprados por imobiliárias que tentam adquirir todo o condomínio para levantar um edifício. Como nem todos os donos concordaram com a oferta, há várias casas abandonadas e sem o menor cuidado para a saúde pública – e sem punição ou fiscalização por parte da prefeitura. O Diario conferiu pelo menos três lotes, onde a sujeira reinava e as piscinas estavam cheias (água parada) e sem manutenção. Ou seja, um convite à proliferação da dengue, em plena época em que a doença é combatida em campanhas por todo o Brasil. E também usada como bandeira política em discursos, a começar pelos próprios vereadores em plenário, que irão realizar no dia 30 de abril a segunda e última audiência pública sobre a revisão do Plano Diretor.
Regulamentação – Vinculada à UFPE e também moradora do condomínio em questão, a arquiteta Suely Leal lembra que o caso é apenas um dos inúmeros exemplos na cidade. “A ausência de regulamentação de uma nova lei do uso dosolo, além dos demais instrumentos normativos, levará a uma corrida ainda maior (das imobiliárias) para estocar projetos. Tudo isso dará origem a novos cemitérios urbanos e um tempo de ‘desova’ de pelo menos cinco anos”, alerta. Em termos práticos, o que ocorre é a compra desenfreada de lotes e a aprovação de projetos de edificações, junto à prefeitura, antes que seja feita – ou sondada – qualquer alteração nas diretrizes que regem às construções.
No caso, se houver alguma mudança no futuro, não haverá efeito retroativo e os edifícios continuam a ser erguidos. Movimentos sociais revelam outro resultado: a maior parte da verticalização desenfreada, sobretudo em bairros nobres como Boa Viagem e Casa Forte, é fruto dessa prática. O presidente da Ademi em Pernambuco, Eduardo Carvalho, discorda que a estratégia seja adotada. E embora concorde que o novo Plano Diretor seja bastante precário por não abordar a lei de uso e ocupação do solo, ele alerta: mais restrições às imobiliárias terá um efeito inverso: o aumento de preços nos imóveis.