O mundo seria melhor com mais máscaras de bichinhos

Paulo Rebêlo | junho 2021


Por que as pessoas não levam relógio para a praia?

Sempre me fiz essa pergunta nas 34 vezes que me perguntam “que oração” durante minhas caminhadas na areia.

Muita gente quer parar de usar máscaras. Eu só queria uma desculpa para continuar, mesmo depois que o planeta inteiro esteja vacinado.

As máscaras deixam a gente um pouco invisível em lugares públicos.

Sim, sou uma dessas pessoas que se sentem mais tranquilas e menos ansiosas sabendo que outros seres humanos não estão me reconhecendo e vão pensar duas vezes antes de perguntar “que oração” no meio da rua.

O pessoal leva telefone, isopor, bola, sombrinha, cadeira, sanduíche e panela com comida para praia, mas aparentemente esperam um gordinho passar para perguntar as horas.

A máscara não protege os ouvidos, mas com ela posso fazer de conta que não ouvi. Deve ser por isso que todo mundo baixa a máscara quando vai mandar áudio no Whatsapp. Não tem o menor sentido e faz todo sentido.

Se eu estiver de máscara e óculos escuros, me sinto o próprio Liam Neeson na pele do Darkman de 1990. Irreconhecível e impiedoso. As pessoas nem olham e ainda se afastam com medo.

Posso adicionar um fone de ouvido ao meu kit covid, inclusive já funcionava antes da pandemia. Experimente entrar no Uber com headphone, preferencialmente dos grandes. Os motoristas não puxam conversa. É incrível. O meu geralmente está desligado e eu fico lendo no iPad, mas tenho que lembrar de balançar um pouco a cabeça de vez em quando para simular que tem música tocando.

A máscara ajuda a esconder minha cara de desenho animado e me deixa livre de explicações para minha cerveja às 9h da manhã com caldinho de mocotó no Pátio de Santa Cruz. Não preciso fingir que estou ouvindo, não preciso forçar um sorriso para parecer simpático.

E se olharem muito, posso simplesmente começar a tossir.

Mas veja você, podemos também inverter essa lógica.

Descobri que as máscaras de bichinhos são uma maravilha para a gente ser bem atendido nos lugares, sem precisar conversar e sem precisar demonstrar simpatia. Porque a máscara de bichinho é a simpatia em pessoa.

As atendentes na padaria e as garçonetes no bar acham fofinho e ficam curiosas. E até as pedras no fundo do mar sabem que a curiosidade feminina atua como as preliminares do interesse.

Talvez elas achem que a máscara seja presente dos filhos, sem desconfiar o quanto eu detesto criança. Ou talvez seja apenas engraçado e ridículo um tiozinho comprando pão e mini coxinha com máscara de bichinho.

De certo modo, a máscara de bichinho parece com a honesta gravata que escrevi em 2011. As portas se abrem. E às vezes não apenas as portas.

Meu único arrependimento é ter levado quase um ano para descobrir as máscaras de bichinhos. Durante toda a primeira fase da pandemia, usei minhas máscaras pretas e sem graça para combinar com minhas camisas também pretas e sem graça.

Quis o destino (leia-se: o trabalho) que eu fosse passar três meses morando no interior em plena pandemia por causa das eleições. E foi ali que me apresentaram às máscaras de bichinhos da Feira da Sulanca.

A padaria perto de casa parecia outro lugar. As mesmas atendentes sorriam mais. O misto quente veio maior. O café estava novinho.

E assim fui testando o poder sociológico dos bichinhos estampados nas máscaras. Em outros lugares e em outras cidades. Eles conseguem transformar uma pessoa ruim e desinteressada num coroa de boa na lagoa.

Talvez as máscaras de bichinhos não protejam tão bem do coronavírus, mas me protegem de mim mesmo.

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