Calabresa não é pepperoni e frango frito não é galeto

Paulo Rebêlo | junho.2020


Queria ganhar um real para cada vez que fui enrolado descaradamente no maravilhoso universo da gastronomia gourmet.

Nesta quarentena, tentei comprar três tipos diferentes de hambúrguer caseiro para congelar. Um mais pomposo que o outro. E um pior do que o outro.

Parece que basta você adicionar o nome ‘Angus’ em qualquer carne de quinta categoria e tudo se resolve num passe de mágica digno da multiplicação dos pães de Jesus. Queria ver se aqueles pães eram integrais, sem glúten e com adição de cereais em grãos selecionados.

A gourmetização da culinária é a desgraça de todo gordinho. A gente não sabe fazer, mas a gente sabe comer.

No mercado público ao lado de casa, seu Zé frita um hambúrguer cuja carne tem procedência provavelmente alienígena, mas custa 5 reais, vem completo de fábrica e o pão francês é sempre novinho do dia. É supimpa.

Até outro dia, o único Angus que eu conhecia era o plural de angú.

Vamos desenhar para entender –

Toda vez que sou enrolado, eu lembro que séculos atrás uma moça muito bonita disse que eu tinha cara de desenho animado.

Custei a acreditar, mas o tempo mostrou que ela realmente gostava de desenho animado.

Mas até hoje não consigo entender que tipo de elogio (?) foi aquele. Talvez tenha sido uma forma educada de dizer que tenho cara de abestalhado.

Às vezes a gente silencia, se faz de doido, se faz de burro, apenas para não se transformar no Michael Douglas de 1993 com uma submetralhadora no McDonald’s. Querendo saber por que o Big Mac não é igual à foto do cartaz?

Parte do mundo às vezes confunde educação com abestalhamento.

E é justamente na hora de comer que esse abestalhamento me deixa em fúria.

Se um restaurante coloca uma placa dizendo que vende galeto, eu entro e espero comer um galeto e não um frango frito. Mas eles me servem frango frito e querem me doutrinar dizendo que é a mesma coisa de galeto.

Para onde olho, vejo pizzarias que cortam calabresa e jogam pimenta por cima para nos dizer que é pepperoni.

Meu filho, se pepperoni fosse calabresa com molho safado de pimenta, o nome da pizza seria calabresa com pimenta e não pepperoni. E ainda assim estaria errado, porque molho de pimenta não é pimenta.

Depois da pizza, peço café sem açúcar e vem um adoçante junto. Porque além de abestalhado, devo ser abigobal: acabou de comer uma pizza grande sozinho, mas vai fazer dieta tomando adoçante no café?

Tem também o bobó de camarão que não leva camarão, o feijão verde que é feijão comum pintado de verde, o sanduíche de picanha que é bife de pescoço, a canja sem galinha, a feijoada sem paio, o bolinho de carne sem carne e a lista só não é maior do que a circunferência da minha pança gourmetizada.

Talvez os abestalhados do planeta devessem se erguer do sofá (devagar) e dar o troco: toda vez que alguém servir frango frito no lugar do galeto, a gente paga com dinheiro de mentirinha do Banco Imobiliário.

Se reclamarem, a gente faz cara de abestalhado (ou seja, a nossa) e diz que o dinheiro é de verdade, sim, que é verdade esse bilete.

Cilada –

Nunca tive coragem de perguntar qual era o desenho animado que aquela moça lembrava quando olhava para mim. Os anos passaram e nunca toquei no assunto.

Não exatamente por medo da resposta, era mais por medo de que ela não lembrasse do elogio troncho que fez. Ia perder o encanto e eu ficaria sem argumento para esta crônica que guardei por tantos anos.

Na época, queria ter sido menos abestalhado e respondido que perto dela eu parecia o Roger Rabbit de 1988 diante da Jessica.


Foto em destaque:

AfriCola e a melhor pizza de três queijos até hoje.
Berlim, Alemanha. Janeiro de 2014.
Fujifilm x100 | 23mm | 1/60 | f/5.6 | ISO 400


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