Paulo Rebêlo – [email protected]
As férias escolares já não são como antes. A viagem para o interior deu lugar a passeios quase diários nas fortalezas dos shoppings; o futebol no meio da rua mudou-se para o videogame com joystick; o corre-corre com amigos foi trocado pelas competições em lan houses escuras e fechadas. E aquele tempo em que a garotada ficava de bobeira, sem nada para fazer nas férias (e geralmente “pintava o sete”) agora é preenchido com as maravilhas da Internet. Ainda tem a praia, mas como ninguém pode mais tomar banho por causa dos constantes ataques dos tubarões, o que sobra mesmo são as inúmeras possibilidades de interação na Web, consumindo horas e horas em atividades as quais, muitas vezes, ninguém imagina que possam resultar em conseqüências mais sérias. Blogs, fotologs e Orkut também são responsáveis por brigas, intrigas, ciúmes e até ameaças entre internautas. Há casos complicados, em que pessoas chegam a ser ameaçadas e sofrem com ofensas anônimas pela Rede.
Internautas deparam-se com visitas indesejáveis
Usuários de blogs e fotologs sofrem até ameaças
A recifense Vanessa Figueiroa poderia facilmente se perder na multidão virtual, como uma usuária qualquer que gosta de publicar fotos e comentários em blogs — a exemplo de milhares de brasileiros. Adepta ao fenomêno do fotolog, um serviço no qual usuários publicam fotos e imagens em sites específicos para que outras pessoas vejam e comentem, ela recebeu e-mail de um rapaz dizendo-se apaixonado. O anônimo continou enviando mensagens, apesar das respostas de Vanessa dizendo que já tinha namorado, pedindo para parar com as insistências.
O problema é que o rapaz conseguiu o endereço postal, telefone e várias outras informações pessoais da blogueira. “Resolvi ignorar, pois sou usuária antiga e sei que essa é a melhor saída. Mas, depois comecei a receber fotos minhas digitalizadas, em lugares públicos, tudo fotografado sem eu saber. Ele disse que gostava de ter alguém me vigiando para que nada de mal me acontecesse. Depois de um tempo, chegou a me chantagear para que eu acabasse meu relacionamento,” relembra Vanessa.
O admirador secreto ainda passou vários trotes durante a madrugada e vários outros tipos de perseguição, levando Vanessa a pensar em contratar um detetive particular. “Depois conclui que sociopatas estão espalhados em todo lugar, a Internet apenas facilita a ação pelo anonimato. Continuo publicando fotos pessoais no fotolog, recebo comentários degradantes de algumas pessoas, mas os elogios chegam em maior número, daqueles que me admiram ou me acham bonita. Acho isso gratificante, então continuo”, explica.
Quem resolveu não continuar foi a estudante Ariana Couto, 20. Ela nunca imaginou que publicar fotos pessoais na Internet pudesse render tantos desentendimentos. Há três meses, alguém deixou um comentário pouco gentil [sobre ela] no blog do namorado, gerando uma crise de ciúmes. “Deixavam comentários sinistros no fotolog. Comecei a ficar com receio, pois sempre coloquei fotos minhas nos lugares onde costumava ir. Achei perigoso,” pondera. “Nesse meio virtual, todo mundo se conhece, mesmo sendo por trás da tela do computador… me senti invadida,” completa Ariana, que atualmente publica apenas imagens aleatórias no fotolog, como capas de CDs e desenhos. “Essas coisas são perigosas, você fica sabendo tudo da vida das pessoas”, diz.
Mensagens de anônimos em comentários de blogs e Orkut também são fontes de dor de cabeça, não apenas para os jovens, mas para qualquer pessoa que resolva expor idéias e opiniões na Internet. Para os psicólogos, a Internet é um lugar onde as pessoas mostram o melhor e o pior de si, um espaço onde se sentem à vontade para “falar” sem medir conseqüências.
A psicóloga Ivelise Fortim, também adepta de fotologs, explica que uma pessoa controlada no trabalho pode não ser assim na vida familiar, por exemplo. “Nível intelectual e instrução não implicam necessariamente em controle emocional.Creio que a Internet serve como uma brecha onde se pode expressar emoções inadequadas, até porque as pessoas costumam não considerar porque dizem ah, é virtual, não é real…”, comenta.
“Há quem goste de se exibir ou olhar”
Intrigas e ciúmes na Internet: seriam frutos das novas tecnologias, cada vez mais acessíveis? Para a psicóloga Luciana Ruffo, as novidades de hoje não diferem muito do que se fazia antigamente. “Os recados (testemonial) do Orkut me lembram de algo comum durante a adolescência, só que nos diários e agendas das meninas para manifestar carinho e se ter uma recordação dos amigos. Ou mesmo bilhetinhos anônimos onde se declarava atração por alguém…”, recorda. A diferença, segundo a psicóloga, é que a abrangência desses novos diários não se restringe ao pequeno mundo cotidiano de grupos, mas a um universo exponencialmente maior. E, sendo assim, as conseqüências também tendem a aumentar.
Fato é que não adianta correr. A Internet faz cada vez mais parte da vida das pessoas e, como sempre, os jovens são os primeiros a assimilar e dominar as novidades.
Luize Lacerda, 20, estuda Relações Internacionais na universidade; mas terminou se dando mal nas relações pessoais por causa de fotos publicadas em fotolog. Internauta há oito anos, foi pega de surpresa quando começou a ler recados estranhos sobre ela no blog de outra pessoa. “Internet é muito bom, mas… tem seus efeitos colaterais. Perda do contato pessoal, por exemplo. As pessoas desaprendem a lidar com as outras. Às vezes, a Internet é quase uma semeadora da discórdia,” lamenta.
Para quem está preocupado com as fotos que publica, Luize dá a dica: “postar fotos que mostrem metade do rosto e olhares para o nada, atraem comentários e, conseqüentemente, popularidade… mas cuidado com fotos não-convencionais, como selinhos em amigas.
Sempre há pessoas que gostam de se exibir e outras de olhar”, explica Luciana Ruffo, que também faz parte do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUC-SP. O conselho do Núcleo para os jovens é simples: moderação e bom senso. Para os pais, a dica é procurar conhecer melhor o universo virtual, fazer parte do cotidiano dos filhos, auxiliá-los no crescimento e ser cuidadoso na escolha das informações.