O mundo gira, os anos passam, o buraco de ozônio aumenta e as pessoas continuam a acreditar em discursos seculares sem propósito algum.
Vamos nos separar, mas vamos continuar amigos, diz a fulana para as colegas na academia de ginástica. Por mais que você acredite neste discurso, no fundo sabe ser humanamente impossível gostar muito de alguém e vê-la nos braços de outra pessoa e ainda ser aquele amigo para as horas de angústia ou alegria.
É balela do tipo premium.
Convívio civilizado não é amizade. E às vezes é pura necessidade quando há filhos na equação.
Ex-namorados podem ser amantes, nunca amigos. Se forem, na prática é porque nunca sentiram nada realmente comovente ou foi só um passatempo ou namorico de adolescência.
Em geral, um dos dois sempre vai gostar mais do que o outro. E não vai engolir essa de amizade depois que a gente vai embora. Até tentam, mas não leva muito tempo para um dos lados pedir penico e sumir do mapa. A gente conhece outras pessoas, se apaixona novamente, casa e tem filhos, se separa, casa de novo, mas ninguém fica amigo de ninguém.
Se nem Albert Einsten conseguiu decifrar os mistérios matemáticos do tempo, os casais acham que vão conseguir a proeza quando pedem “um tempo”. Metade das vezes, se você pede um tempo é porque está de olho em outra pessoa e quer ter a certeza que vai dar certo com ele (ou ela), nunca é para refletir coisa alguma. Na outra metade das vezes, é um jeito relativamente sincero de dizer que aquilo não vai dar certo em tempo algum.
Em uma pequena parcela das situações, os casais voltam a se encontrar depois do tal tempo. E até tentam se reconciliar. E funciona até o dia em que você descobre que o tempo serviu para um dos lados dormir com 37 pessoas diferentes que vão se transformar em 37 fantasmas iguais.
Mas os dois melhores discursos são mesmo o da fidelidade e o do ex-marido.
Quando uma mulher compromissada vira para você e faz questão de dizer que é “super fiel”, pode pedir a conta do jantar e ir para o motel. É batata.
Se alguém lhe diz que nunca fez “isso” antes, é porque já pulou mais cercas do que as ovelhinhas carnudas de Abrãao no Velho Testamento.
Fidelidade nunca foi um registro em cartório. Se alguém precisa dizer com todas as letras, é melhor você aceitar – ou aproveitar! – porque é exatamente o inverso.
E se a pessoa na sua frente falar mal do ex-marido ou ex-esposa, esqueça. É tesão enrustido, no mínimo. Perceba como todo ex-marido é cafajeste, cachorro, egoísta, não vale um centavo. E toda ex-mulher é louca, surtada, ignorante e ruim de cama.
O mais lógico seria a gente perguntar: e você precisou casar com ele para descobrir?
Nada, foi preciso mesmo casar e ter filhos para descobrir a verdadeira face do mal, do carcará, do anhangá-tinhoso, do cão chupando manga, do belzebu disfarçado de ex-marido.
Mas a gente mantém a civilidade e concorda, faz até coro e dá apoio, principalmente se a divorciada for bonita. Mesmo quando a gente acha que em boca fechada não entra mosquito. Vai que no futuro sobra uma casquinha para você, né?
Não tem jeito, nem assim, todos vão continuar falando mal do ex para todos os novos pretendentes, como se fosse um atestado de interesse por você.
Os discursos são realmente infáliveis e a lista é extensa. Tem o tal do “foi só um beijo”, tem aquele “somos apenas bons amigos”, além do imbatível “foi apenas uma vez” ou “não significou nada”. Geralmente não significa nada mesmo, o problema é definir o grau de intensidade do “nada” para você e para ela.
Às vezes a gente gosta tanto de alguém que ainda acredita nessas pequenas mentiras mesmo quando não acreditamos nem no começo. É o tal do bem maior. Ou do medo de perder, sem entender que às vezes a perda é o nosso maior ganho.
O problema do discurso não são as palavras em si, é a necessidade que as pessoas têm de querer empurrar essas mentiras verdadeiras goela abaixo. Dos outros. É como uma verdade universal oriunda de uma sinceridade que simplesmente não existe.
No dia que a gente aprender a dar menos valor às palavras e mais valor às atitudes, quando uma pessoa abrir a boca para soltar um discurso infálivel você pode voltar para casa com a consciência tranquila por ter ido embora antes de ouvir o resto da história.
Evidente, seria um mundo inalcançável quando as mulheres vão parar de fazer questão de mostrar às amigas o namorado novo, mesmo sem gostar dele. Até esse dia, resta-nos a complacência de ouvir um clássico “não sinto mais nada por você” e ver nos olhos dela que bastaria o som do primeiro pingo de chuva no chão para ela jogar tudo para o alto e entrar no primeiro táxi com você rumo ao desconhecido.
Porque discurso sincero de verdade é aquele que a gente não responde falando. Muito menos escrevendo.
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5 comments On Discursos sinceros
Bem Rebêlo, acho que é a primeira vez que estamos totalmente de acordo quanto a um determinado assunto!:P eheheh.Li o teu texto e achei do princípio ao fim o mais real possível.A pura da verdade.
Fica bem!!!
Seu texto expressa muito bem, em especial, a sociedade brasileira, passional, na qual, em geral, falar em ser amigo de ex soa quase como mentira… mas, sabe, nem todo mundo é tão passional e possessivo! Ex só importa quando a história ficou mal resolvida, caso contrário não incomoda de forma alguma com quem ele esteja. Você pode conversar com ele, sair pra beber com o casal, receber os filhos dele na sua casa, torcer pela felicidade dele, afinal, por pior que o relacionamento tenha sido, você passou a conhecê-lo de perto, a saber quais são seus sonhos mais caros e medos profundos e entendeu de onde vem tudo aquilo que você não suporta nele e que a fez querer a separação. Acabou o amor, fica o carinho e só. Claro que em muitos casos é só uma convivência civilizada mesmo, e que bom que seja isso pelo menos! Somos seres racionais, só precisamos exercitar o uso do bom senso. Já chega de gente se atirando de prédio com filho no colo por não aceitar se separar e partilhar a guarda de um filho que não é seu nem dele, é do mundo.
Já a questão da fidelidade… bom, para mim, não se pode ser fiel a um outro alguém… o âmago da fidelidade é ser fiel aos seus próprios princípios, àquilo que você acredita e defende (com palavras também ou não). E acredite as pessoas são diferentes! Algumas são fiéis à manipulação e ao comportamento infantilizado do dizer “não” insinuando o “sim”, outras são fiéis à se relacionarem com várias pessoas e a não se comprometerem com nenhuma, outras são fiéis a manter uma relação a qualquer custo, mesmo que seja o de perder a dignidade. Mas há também, pessoas são fiéis a sua opção de se relacionarem com quem amam e só, não por moralismos baratos, mas porque isso para elas é o que há de melhor. Há casos também, em que o discurso da “fidelidade” é apenas uma ação diplomática pra não estraçalhar o ego do outro(a). Pra não ter que dizer claramente: Eu não sinto ou quero qualquer coisa com você!. A rejeição para alguns é tremendamente amarga, melhor evitar a fúria ou angustia que poderia ser evocada.
Concordo plenamente, as ações falam mais do que as palavras… mas isso é uma peculiaridade bastante feminina… a gente A-D-O-R-A ouvir (ou ler) um “eu te amo, querida” aqui e acolá, mesmo que nas entrelinhas. Como dizia Aurélio, a gente precisa dar oportunidade às palavras!
So lembro o jeito pocessivo de ser da cada um. assim quem quer deixar o outro expeirmentar outros amores
quanto ao discurso eu sou -super fiel- hehehehe passei 03 meses como amante.
eu vejo minhas ex- princesas nos bracos dos marmanjos e axo ate melhor, pois assim nem vem discutir relacao, agora se for p tomar uma que seja.
Paulo, excelente a leitura que fiz. Realidade pura que muitos disfarçam para não assumir o que pensam…
Bjos querido e muito sucesso.
E por falar em tempo…
Quanto tempo, hein! E bom ler de novo suas rabugices! E notarmos que o tempo passa e os temas mudam. Talvez agora realmente sejamos adultos, com problemas de adultos. Casamento, filhos…sei exatamente como é, agora que sou uma senhora de família com filho pequeno. A alguns anos toda a minha preocupação era pra onde íamos ( a turma toda) viajar no feriado, ou ainda se aquele carinha que conheci no barzinho na sexta iria ligar. Lógico que podemos incluir também a preocupação em trabalhar mais pra ganhar mais dinheiro pra poder bancar as viagens e as saídas. Mas tudo é diversão. E aí olho pra minha vida hoje e consigo ver que cresci. Pois é, sou adulta (enfim!). Minha vida corre entre fraldas pra trocar, administrar uma clínica, pagar impostos e fazer pudim pra agradar o maridinho quando chegar cansado… E sabe de uma coisa? Adoro isso! Sabe, quando se é criança, a gente sonha com o futuro e molda de acordo com os seus desejos. Eu sempre cresci afirmando como eu queria a minha vida. Lembro de chegar em casa e dizer pra minha irmã que odiava o trânsito infernal de Belém, que um dia ia morar numa cidade que eu não pegasse engarrafamento e tivesse praia a menos de uma hora de distância da minha casa. Hoje, onde eu moro, se eu quiser ir a uma praia linda e limpa em 30 minutos chego lá, e não é qualquer uma, é só a praia eleita a mais bonita do mundo (Alter-do-chão). Isso é que é vida! Tudo bem que eu acordo 3 vezes na noite pra dar de mamar e vez por outra minha roupa está azeda de vômito de bebê, mas foi assim que eu quis! Exatamente como eu pedi! E isso é tudo de bom.
Um abraço virtual.
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