Paulo Rebêlo | junho 2023
Moço, então é assim que se faz pipoca de cinema?
Parece que é, porque eu também nunca tinha visto tão de perto uma máquina dessas. Eu já pensava gordo e perguntei aos produtores quanto custava a geringonça, pois queria levar uma para casa. Não souberam responder.
A pipoqueira fazia parte do imenso inventário de máquinas e acessórios daquele mesmo projeto de levar cinema nacional às cidades nas margens do Rio São Francisco, em março de 2008.
Contexto —
Por coincidência, essas fotos são no mesmo município de Jatobá, sertão de Pernambuco (vide Fotomemórias #001), porque nas outras cidades as imagens não ficaram boas na hora da pipoca. Por culpa minha, quer dizer, por inexperiência e falta de habilidade em fotografar no escuro.
Fazer pipoca na hora do filme, e distribuir de graça para a população, foi outra ideia incrível (e emocionante) dos produtores desse projeto. Tão simples e tão barato, extremamente impactante no somatório da experiência toda. Difícil dizer o que brilhava mais: o telão inflável ou os olhos da gurizada feliz com aquela máquina mágica. Moço, quanto é a pipoca? É de graça, guri, é de graça. Traga a vasilha.
A foto —
Talvez por causa de um pouco (bem pouco) de experiência que eu tive manuseando e digitalizando filmes analógicos 35mm nas câmeras manuais, desde o início da fotografia digital que gosto de trabalhar com arquivos brutos (RAW), os quais se chamavam antigamente de “negativo digital”.
Hoje ninguém lembra mais dessa expressão, chega a ser um termo engraçado. Com o arquivo bruto / negativo digital, todas as informações de luz e cor ficam armazenadas no arquivo, na verdade cada pixel capturado pelo sensor da câmera, cada minúsculo pedaço de visibilidade, mesmo que você não enxergue ou nunca vá usar, mesmo que você faça a imagem original em preto-e-branco, tudo vai ser gravado no arquivo bruto final. Esse arquivo sempre será várias vezes maior do que aquele JPG que sai da câmera, embora com a tecnologia de hoje (2020 em diante) esse debate seja quase infinito.
Sempre considerei uma obrigação profissional fotografar no bruto e, muitas vezes, era esse hábito que salvava a pauta e garantia a publicação de uma fotografia “não muito ruim”, mesmo quando as condições não permitiam. Graças a isso, consegui gerar a exata mesma foto em cores, o que evidentemente causou bem mais impacto na hora de publicar no jornal. Essa foto foi publicada três ou quatro vezes, fora umas duas vezes que usei nas crônicas do livro 100 amores. Gosto muito dessa foto.
Memórias —
Hoje é até um saudosismo besta, meio juvenil, mas na época tive uma dificuldade enorme para conseguir fazer essas imagens na hora da pipoca. Sempre tive (tenho) preguiça para fotografar à noite, então obviamente a falta de prática me fazia ter pouca experiência e quase nenhuma habilidade em subverter as condições negativas da escuridão. Fora isso, devo considerar que apesar de todo o heroísmo da minha câmera guerreira Sony a100 naquele ano de 2008, o sensor da bichinha fugia da escuridão igual eu fujo de uma salada.
A sensibilidade máxima de luz daquela Sony era ISO 3200 e, claro, a fotografia ficava um lixo porque esse limite já era irreal e profissionalmente impraticável. Com metade disso (ISO 1600) já ficava ruim, daí dá para imaginar a bronca. Lembro de um grande amigo que me ensinou muito sobre luz e fotografia na virada do século, Assis Lima, ele sempre falava (fala) que por mais que a gente estude iluminação, só vai entender mesmo como funciona depois de praticar muito em condições adversas de luz.
De novo, parece uma besteira enorme hoje em dia, não só pelo nível de refinamento dos sensores das câmeras digitais dos últimos dez anos, mas também porque certamente qualquer fotógrafo profissional (o que não é meu caso) tiraria essa imagem de letra, aproveitando a luz que sai da pipoqueira e fazendo um enquadramento interessante.
Mesmo que em 2008 eu já tivesse um bom número de anos fotografando e publicando, acho que foi somente a partir dessa pipoqueira que consegui colocar em prática, de verdade, o que eu “achava que entendia” sobre luz e fotografia noturna. Foi sorte, porque só fui ver o resultado das imagens no dia seguinte. Quando baixei os arquivos do cartão de memória, fiquei tão feliz por ter conseguido registrar esses momentos — que nunca iriam se repetir — que me senti o verdadeiro Sebastião Doce.
Não obstante, continuo com muita preguiça de fotografar à noite.
Essas e outras fotografias desse dia, em alta resolução, estão aqui no arquivão fotográfico.