Paulo Rebêlo | 30.nov.2011 *** Não me importaria se, ao chegar em casa cansado do expediente, três mulheres de vestidos floridos e cabelos vermelhos estivessem me esperando. Uma para coçar a barba, outra para coçar o bucho e a terceira para os serviços gerais. O problema é que, quando a gente chega de viagem, queremos distância de toda a lascívia. Real ou imaginária. Mesmo que sejam vinte mulheres lindas de vestidos de botão e unhas grandes. Porque não importa quantos aeroportos a gente conheça ou quantas vezes já tenhamos feito a mesma viagem ou roteiro. Todo desembarque é um ato solitário que enfraquece até a mais sólida das solidões. Não faz diferença se é um voo de 45 minutos ou 14 horas de trem. O desembarque deixa qualquer um meio perdido e, em todos os lugares, me parece a mesma tristeza de sempre com aquelas pessoas alteradas e apressadas para ir embora. Talvez por isso ninguém consiga explicar direito a pequena grande alegria de você se enfiar no meio daquela multidão e encontrar uma pessoa que lhe espera. Dar um abraço em silêncio e um cheiro prolongado. Para enfim sair andando calmamente. Quem sabe essa pessoa nem goste mais tanto assim
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Paulo Rebêlo Terra Magazine * 19.abril.2011 Talvez uma meia dúzia dessas mulheres fantasmas eu nunca mais encontre na vida, sequer sei se ainda estão vivas diante de sumiços repentinos. Uma outra meia dúzia de fantasmas desapareceu conscientemente, por um motivo ou outro, cada uma com suas razões nem sempre racionais ou explicáveis. Ou simplesmente porque casaram e acham melhor evitar certos encontros. Em comum, a todas elas, é claro que gostaria de encontrá-las uma vez mais. Não para prosseguir com histórias de um passado tão distante, mas apenas para agradecer o quanto elas nos ensinaram, independentemente do tempo de convívio. Uma das fantasmas mais doces que conheci, decerto, desapareceu do mesmo jeito que surgiu – do nada, feito aparição – e assim instalou-se na minha memória até hoje. Ela era piloto em São Paulo, fato que achei exótico e curioso por si só. Tão linda a ponto de me deixar encabulado todas as vezes em que nos encontramos, fosse para tomar um café depois do expediente ou matar a fome nas padarias 24h da paulicéia desvairada. Por tantas vezes me peguei pensando por que ela perderia tempo, noites assim, com um barrigudinho que mal conhecera, que estava sempre de passagem e, ainda
Paulo Rebêlo 08.março.2011 Terra Magazine Nunca sei até onde vale a pena conhecer pessoas interessantes. Fico sempre no limite entre o interesse e o arrependimento. Porque elas sempre vão conseguir (mesmo sem querer) fazer com que você queira conversar mais, saber mais, olhar mais, admirar mais. Problema é que o nosso querer “mais” pode gerar duzentas interpretações diferentes. E aí corremos o risco de perder uma grande amizade ou uma grande paixão por causa de uma má interpretação. Começamos a nos contentar com menos. Cada vez menos. E menos tempo ao lado dessas pessoas significa menos histórias para conhecer, menos experiências para compartilhar, menos cafés para tomar, menos restaurantes para escolher, menos lugares para visitar e bem menos cervejas e copos de uísque para esquentar toda essa frieza da cidade grande. É difícil reconhecer quando somos nós com medo de dar um passo adiante ou quando são elas com medo de permitir esse passo. Veja como é curioso: em geral, por causa de frustrações passadas e nem sempre devidamente enterradas, às vezes basta um elogio mais efusivo ou um abraço mais apertado para transformar duas pessoas inteligentes em dois bobinhos prontos para fugir. Uma das (poucas) desvantagens de conhecer muita
Paulo Rebêlo Terra Magazine * 08.fevereiro.2011 Eu aceito – e entendo – quando ninguém do hemisfério norte acredita que sou brasileiro. Com a benção do futebol e das globelezas, os estereótipos de 500 anos seguem firmes e fortes por mais 500. Só nunca vou aceitar – e nem entender – como o Brasil tem metade da população de cor branca e, a esta altura do campeonato, já com meus primeiros fios brancos da barba à paisana, eu ainda precise explicar que não sou gringo. Jogue-me no pelourinho ou na praia. Em qualquer ponto turístico. Até no Piscinão de Ramos. Se eu não fosse tão baixinho e buchudinho, sairia no tapa com o primeiro cidadão que tenta me vender uma rede fuleira por duzentos reais ou um acarajé seboso por cinco euros. Quase nunca vou à praia. Pelo mesmo motivo que não como caranguejo. Não é alergia, é apenas preguiça. De me explicar pela milionésima vez e de bater o martelinho mil vezes. Quando vou a qualquer praia, basta puxar meu Sundown fator 50 ou tirar minha camisa de botão. Parece uma sirene do Samu, o vendedor vem correndo em minha direção. Para oferecer uma caipirinha. Aparentemente, vendedor de praia não percebe
Conheço um rol de tiozinhos que até hoje choram por dentro quando escutam a música Born to be wild. Aos incautos, é um heavy metal de 1967, sucesso dos canadenses do Steppenwolf. Mexe com os brios de todas as gerações desde então. As de ontem, choram pela liberdade pela qual tanto esperaram conseguir um dia. E as de hoje choram pela liberdade que nunca tiveram na vida. Quando toca a música, eles pensam em jogar tudo para o alto, subir numa motoca e pegar a estrada. Sem rumo e sem expectativa. É quando o interfone toca e interrompe o delírio. É o entregador da farmácia trazendo o remédio para a febre das crianças. Ou para o seu colesterol que atingiu o Everest de novo. A cada dia que passa, fazer uma mochila e pegar a estrada, apenas pelo prazer de não saber o que encontrar, tornou-se um elixir impossível para as pessoas normais. Disponível apenas para selvagens. O por quê, ninguém sabe. Ou sabem e não querem admitir. Verdade, não temos a Harley Davidson do Peter Fonda e do Dennis Hopper. Nem somos selvagens feito o Mickey Rourke em cima daquela moto envenenada de Rumble Fish. Mas não precisa. A gente pode
Terra Magazine – abril.2010 Não parece, mas toda mudança me parte o coração. Seja de bairro, cidade ou país. Seja em lugares onde morei cinco anos, cinco meses ou até mesmo cinco semanas, como já aconteceu certa vez. Do dia em que cortaram meu umbigo gordo até hoje, são 14 mudanças de CEP. Com exceção de uma, na qual ainda era muito guri, lembro de todas as outras 13 como se fosse hoje. Por mais desregrados que tentemos ser, sempre sobra saudade por abandonar as poucas raízes que a gente deixa pelo caminho. E me pergunto se vamos voltar a nos encontrar um dia, nem que seja para um café com bolo de bacia na padaria. É o garçom no bar da esquina que já se considera um amigo e fala dos problemas domésticos, pede conselhos e sempre lhe consegue um pedaço extra de bife sem cobrar nada. É o porteiro que está sempre dormindo quando você chega bêbado e fica no meio da rua, esperando ele acordar e abrir o portão, como se nada tivesse acontecido. É o zelador evangélico que lhe acha um devasso. A secretária que abre um sorriso largo quando lhe vê, por causa do bombom de cupuaçu.