Desembarques

Paulo Rebêlo | 30.nov.2011

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Não me importaria se, ao chegar em casa cansado do expediente, três mulheres de vestidos floridos e cabelos vermelhos estivessem me esperando. Uma para coçar a barba, outra para coçar o bucho e a terceira para os serviços gerais.

O problema é que, quando a gente chega de viagem, queremos distância de toda a lascívia. Real ou imaginária. Mesmo que sejam vinte mulheres lindas de vestidos de botão e unhas grandes.

Porque não importa quantos aeroportos a gente conheça ou quantas vezes já tenhamos feito a mesma viagem ou roteiro. Todo desembarque é um ato solitário que enfraquece até a mais sólida das solidões.

Não faz diferença se é um voo de 45 minutos ou 14 horas de trem. O desembarque deixa qualquer um meio perdido e, em todos os lugares, me parece a mesma tristeza de sempre com aquelas pessoas alteradas e apressadas para ir embora.

Talvez por isso ninguém consiga explicar direito a pequena grande alegria de você se enfiar no meio daquela multidão e encontrar uma pessoa que lhe espera. Dar um abraço em silêncio e um cheiro prolongado. Para enfim sair andando calmamente.

Quem sabe essa pessoa nem goste mais tanto assim de você, talvez não signifique nada de fato. Não obstante, se desloca até os nossos distantes aeroportos, caros estacionamentos, longas filas de espera e corriqueiros atrasos de voo.

Tudo isso por um desembarque que só dura vinte minutos. Todo esse processo que poderia ser resumido de um jeito tão mais simples e objetivo (olha quem fala) que é esperar dentro do carro, do lado de fora do aeroporto, com o motor ligado, a porta aberta e o GPS já programado para lhe deixar no hotel.

Mas talvez a pessoa que lhe espere não pense assim, tão objetivamente. E esteja ali porque para ela significa mais do que a sua pequena grande alegria.

E durante aqueles poucos passos que separam a porta do desembarque e o abraço daquela mulher, você não sabe direito para onde olhar porque é impossível não pensar que ela também estava ali sozinha no meio daquela multidão de famílias saudosas. Talvez pensando mil coisas ruins e sofrendo de mil memórias que gostaria de esquecer. Esperando a porta de vidro se abrir e com a respiração acelerada até conseguir encontrar, no meio da manada, aqueles últimos fios de cabelo de uma careca que ela consegue identificar de longe.

Por vezes o desembarque lhe mostra que a solidão parece ser maior de quem estava do lado de fora, muito mais sozinha do que todas as outras pessoas com suas micaretas baianas de faixas e bandeiras. Muito mais sozinha do que você puerilmente supõe quando desembarca sem rumo e sem endereço fixo.

Porque afinal o desembarque é apenas um lado desse momento todo, daqui a alguns dias chega a hora e a euforia do próximo embarque. E como todos os outros embarques de todos os outros anos e de todos os outros aeroportos e outras rodoviárias, a gente vai embora enquanto a multidão fica.

E ela novamente se vê sozinha no meio de tudo aquilo, agora também na sala de embarque, perdida como se nunca fosse sair do aeroporto, mas pior ainda, sem conexão e sem escalas para se sentir mais próxima de tudo que ela sente. Tendo que abraçar apenas a ponta de esperança que o voo seja cancelado por algum motivo, que a porta de vidro se abra e a gente desembarque de volta.

Não que ela tenha dúvidas se haverá outro desembarque, pois ela tem a falível certeza que você vai continuar assim. Desembarcando na vida dos outros. Mas sobretudo porque ela sabe que o próximo desembarque pode não ser mais o mesmo. Para você e, principalmente, para ela.

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* link original no Terra Magazine

(c) Paulo Rebêlo

A grande sacanagem francesa

Aquele tal de futuro

Honesta gravata

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