E quem é mesmo João da Costa?

RECIFE 2008 // Filho de um ex-prefeito e ex-vereador de Angelim, secretário foi escolhido oficialmente por João Paulo como candidato a prefeito

César Rocha e Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 27.jan.2008

João da Costa, candidato PT 2008Natural de Angelim, a 214 km do litoral, no agreste meridional de Pernambuco, quer ser prefeito do Recife. Xodó do atual prefeito João Paulo Lima e Silva, ele não fala em um projeto meramente pessoal de chegar à prefeitura. Transparece um certo messianismo em seus discursos e fala de um projeto coletivo, nacional, de milhares de militantes. João da Costa Bezerra Filho, 47 anos, poderia ter sido mais um herdeiro de um ciclo político familiar que perdura até os dias de hoje. Em vez disso, logo cedo se desvinculou da política de direita praticada pelo pai e escolheu a militância esquerdista, ao sair de Angelim e migrar para o Recife em busca de estudos e ideais coletivos.

Há mais de vinte anos acompanhando João Paulo, a impressão generalizada na seara política de Pernambuco é de desconhecimento da figura de João da Costa. Sempre atuando nos bastidores, ele é preferência irredutível do prefeito, contrariando os interesses do próprio PT e não raramente virando motivo de piada entre os adversários políticos. Mesmo agora, enquanto pré-candidato para uma das prefeituras mais importantes do Brasil, João da Costa não sai da cola do seu mentor. Por onde passa, é fácil ouvir reclamações de que mal fala com as pessoas, raramente as cumprimenta. O Diario foi até Angelim, onde João da Costa nasceu em 6 de novembro de 1960. Amigos de infância e familiares guardam histórias curiosas deste militante de bastidor que acredita na vitória durante as eleições deste ano.

Janja e os seus primeiros passos

João da Costa é seu parente? Meio sem jeito, ela sorri ao ouvir o nome do sobrinho de uma maneira tão formal. Conhecido apenas como Joãozinho por toda Angelim, Dolores da Costa Bezerra só quer falar de Janja. “É assim que a gente o chama desde pequeno”, revela, enquanto mostra a casa do avô na Rua São João, onde Janja deu seus primeiros passos, tempos depois de um difícil parto caseiro realizado na casa dos pais, João da Costa Bezerra e Naer Salgueiro Bezerra.

O Diario foi procurar, junto a familiares e amigos de João da Costa, em Angelim, a causa de uma das principais reclamações até mesmo dos aliados políticos: o jeito sisudo, quase taciturno, do pré-candidato. Entre a família, é quase um consenso que o jeito “pouco carismático” é fruto de uma timidez muito grande, supostamente herdada da família da mãe. “O pai era um político muito festeiro, ativo, falava com todo mundo. A mãe era mais recatada. Janja herdou isso dela, é muito fechado”, explica Dolores. Morando no Recife, a tia Malvina da Costa Bezerra vai mais além. Para ela, as raízes “humildes” de João da Costa, “sempre ligado ao povo pobre”, não o fizeram ser um político-padrão, carismático.

Liberdade para militar no PT

A tia Ivonete Bezerra lembra, de forma ainda vívida, os anos escolares de João da Costa Filho. Além de ter sido professora de matemática do pré-candidato, a tia foi diretora da escola municipal Azarias Salgado, onde João da Costa estudou na infância. Ela garante que o jeito caladão e disciplinado vem desde a época de colégio. “Ele chorava quando tirava nota 9,5. Era um aluno tão aplicado que quase só tirava dez, se dedicava demais aos estudos”, lembra Ivonete, enfatizando o lado emotivo de Costa. “Ele perdeu a mãe muito novo [de atropelamento, no Recife] e, apesar de ter nascido saudável, teve um parto muito complicado. Mas desde muito jovem mostrava sinais que ia seguir a carreira política”, relembra.

Com o álbum de família em mãos, a tia Dolores Bezerra lembra de outros detalhes, desde o batismo e primeira-comunhão na Igreja Matriz São José de Angelim, até a formatura na 8ª série, pouco antes de João da Costa vir para o Recife dar continuidade aos estudos. “O pai foi quem mais deu apoio, fez questão que o filho seguisse suas próprias ideologias e sempre respeitou muito as escolhas de Janja. Ele já saiu daqui com outra mentalidade política, no Recife amadureceu ainda mais”, opina.

Político, pai não o viu deputado

Segundo as tias de João da Costa, ao terminar o ginásio ele já mostrava que não iria seguir a tendência política do pai, que em Angelim foi vereador, prefeito, presidente da Câmara Municipal. O próprio João da Costa Bezerra, o pai, costumava dizer que o filho poderia ter obtido sucesso muito mais cedo na carreira. Afinal, já era vereador quando o filho tinha apenas seis anos, em 1966. Toda a família sempre militou na direita, desde a época da Arena – que depois tornou-se PDS, em seguida PFL. Não chegou a usar a denominação atual, Democratas (DEM), adotada em 2007. João da Costa Bezerra faleceu em 2003. “Eles eram muito ligados, Janja ainda chora sempre quando vem em Angelim e lembra do pai”, confessa a tia Ivonete.

O que poderia ter se transformado em discórdia familiar é lembrado como gesto de carinho entre pai e filho. “O pai sempre respeitou as opções de Janja. Incentivou que fosse buscar o que achava certo, tomar as rédeas da carreira”, garante Ivonete. João da Costa Bezerra, o pai, não viu a reeleição de João Paulo (com João da Costa nos bastidores), nem o filho conquistar mandato de deputado estadual como terceiro mais votado em Pernambuco (65.240 votos) e campeão no Recife (42.998).

Muito pão amassado na 6 de junho

João da Costa era bom de bola na juventude? De ombros recolhidos, envergonhado, o padeiro Valdeci Joaquim da Silva faz o sinal universal de “mais ou menos” com as mãos. Ele é o mesmo padeiro que batia pelada com João da Costa Filho, colega de classe e de trabalho. Na padaria 6 de Junho, a qual já foi propriedade do pai, João da Costa ajudava a fazer pão, embalava, calculava, entregava. Valdeci permanece até hoje em Angelim, no mesmo ofício. Lembra de João da Costa como um colega “disciplinado, trabalhador”, mas não exatamente um bom jogador de futebol e nem de muitos amigos. A padaria, atualmente em outro endereço, ainda faz parte da família. A dona, Tereza Ferreira Bomfim, é a viúva de segundo casamento do pai.

O atual prefeito de Angelim, Samuel Salgado, é filiado ao PT mas não é do grupo de apoio de João Paulo e João da Costa. Faz parte da Unidade na Luta, de Humberto Costa. O prefeito reconhece uma rixa política entre ele e a família de João da Costa, mas torce em ver “um filho de Angelim” em um cargo tãoimportante como prefeito da capital. No caso, seria o segundo filho de Angelim, porque o primeiro foi o deputado João Calado, há muitos anos, aliado da família de João da Costa.

O xodó e a primeira namorada

João da Costa tem um irmão de apenas seis anos de idade. João Miguel da Costa é irmão por parte do pai, filho do segundo casamento com Tereza Ferreira Bomfim . Em 2003, quando o pai faleceu, João Miguel tinha apenas um ano e meio de idade. Hoje, a padaria é de propriedade de Tereza. “Vai se chamar padaria Santa Tereza”, explica. João Miguel da Costa é o xodó da família em Angelim. Embora quase não tenha voltado a Angelim depois de se mudar para Recife, a tia lembra que a fogueira de São João era acesa, todos os anos, por João da Costa Filho e o pai.

E no meio das conversas com o Diario em Angelim, a mesma tia interrompe e aponta para uma funcionária da prefeitura. “Vocês deviam perguntar a ela. Ela, sim, sabe muito mais do que a gente”, garante, com um sorriso maroto. Por ali passava a primeira namorada de João da Costa Filho, da época de ginásio. Marineide pede para não ser fotografada, é só elogios ao pré-candidato e enfatiza: “Ele é tudo de bom, é só o que eu posso dizer”. Ela muda de assunto, dizque “faz tanto tempo, a gente era muito jovem”. Para a população de Angelim, contudo, é só conversa. “Ela guarda todos os recortes de jornal onde aparece o nome de Joãozinho”, admite uma tia.

Duas décadas com João Paulo

Em Angelim, toda a família de João de Costa é historicamente de direita. De acordo com a população local, são duas famílias a ditar os nortes políticos da cidade: os Calado e os Salgado. O prefeito, Samuel Salgado, atualmente é do PT mas não é visto com bons olhos pela família de João da Costa. Não por fazer parte da Unidade na Luta, de Humberto Costa, mas talvez por ter ganho uma eleição disputada pelo pai de João da Costa. “Eu era um menino, tinha trinta e poucos anos, ganhei a eleição contra João da Costa Bezerra e acho que a família nunca engoliu direito”, pondera o prefeito. Os familiares preferem não comentar sobre o episódio, mas todos seguem as diretrizes da família Calado. Apesar do paradoxo político e da tendência de direita, as tias de João da Costa fizeram campanha para ele na última eleição, quando foi eleito deputado estadual. “Todo mundo na cidade estranhou, nos viram com camisa vermelha e com a bandeira do PT, mas Janja é a única exceção”, esclarece a tia Dolores Bezerra.

Embora seja o nome preferido do prefeito João Paulo à sucessão, para aliados e adversários políticos a imagem é que João da Costa não tem se esforçado nem um pouco para mudar sua abordagem e aquele ar de poucos amigos. O secretário de planejamento participativo é do tipo que chega e não fala com ninguém, reclamam pessoas próximas ou que já trabalharam na pasta. A advertência é visível. Na última quinta-feira (24), durante a inauguração do segundo quilômetro da nova orla de Boa Viagem, o secretário João da Costa passava sem falar com ninguém, enquanto à frente o prefeito João Paulo era só sorrisos e gestos aos trabalhadores presentes no local.

Adolescente, João da Costa veio estudar no Recife em 1978, para terminar o segundo grau. Em seguida, mal entrou na Universidade Federal, já estava no Diretório Acadêmico de Administração como dirigente. Em dois meses, assumia a direção do Diretório Central do Estudantes da UFPE, substituindo a chapa então comandada por Humberto Costa, futuro (e presente) adversário no PT. João da Costa foi também um dos primeiros a se filiar ao Partido dos Trabalhadores, no início dos anos 80. Em 1983, decidiu mudar de carreira, abandonar Administração e estudar Agronomia.

Militante sem diploma

Naquele ano de 1983, a mudança de opção profissional fez João da Costa se transferir para a Universidade Rural, também no Recife, onde assumiu a presidência do Diretório Acadêmico (DA) de Agronomia, depois do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Rural, cujo secretário-geral era seu hoje colega na equipe de João Paulo, o secretário Múcio Magalhães. João da Costa nem conseguiu concluir o curso. Em 1988, o então líder sindical João Paulo Lima e Silva foi eleito primeiro vereador petista do Recife.

João da Costa integrava a executiva estadual do PT e foi parar na primeira direção da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1988. Foi escalado pela direção para trabalhar com João Paulo, por causa da importância daquele primeiro mandato do “Peão”, como era conhecido o atual prefeito do Recife, João Paulo. Em 1990, João Paulo se elegia deputado estadual, abrindo um novo ciclo histórico para o PT em Pernambuco. João Paulo ainda tentou ser prefeito de Jaboatão dos Guararapes, em 1992, sem sucesso.

João da Costa sempre foi assessor e coordenador-geral das campanhas dele, até que em 1994 o Peão é eleito deputado estadual mais votado no Estado. Em 1996, ficou em 3º lugar ao disputar a prefeitura do Recife, depois novamente o deputado mais votado em 1998, para, enfim, tornar-se prefeito em 2000 com a vitória em cima de Roberto Magalhães.

Em 2001, João Paulo o convidou para gerir a Secretaria de Orçamento Participativo, pasta que João da Costa se orgulha de ter comandado com investimentos da ordem de R$ 300 milhões em obras apontadas pela população local nas plenárias das regiões administrativas do Recife. João da Costa é casado com Marília Bezerra e tem um filho, João Victor, de seis anos.