Eu pedi a conta, ela não veio, sei que vai chegar, não sei como vou pagar.

Pedi a conta, ela não veio - Paulo Rebêlo

A maioria das pessoas da minha geração queria morar sozinha para ter liberdade. Eu queria morar sozinho para comer pizza e hambúrguer todo dia. E coca-cola. Litros de coca-cola. Talvez a conta metabólica chegue aos 50, talvez amanhã ou talvez quando sair o resultado da próxima endoscopia, que pelos meus cálculos será a décima-quinta. A conta pode chegar parcelada, mas também pode chegar de uma vez só, me atropelando feito uma Scania desgovernada, passando por cima de tudo igual a uma jamanta sem freio.

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A batata da verdade

Paulo Rebêlo Terra Magazine – 07-dez-2010 Pelo tamanho e diâmetro da canela, a gente sabe com precisão quase científica se as pernas de uma mulher são bonitas. Pela dobrinha do braço, é possível identificar a consistência das costas e do tronco inteiro. Pelos dedos da mão, a gente sempre acerta a margem da idade, mesmo com cirurgia plástica. E acredite: apenas ao observar os ombros de uma mulher, é possível saber se ela tem o bumbum bonito. Independente da roupa. É uma arte. Cada vez mais esquecida, pois parece que temos cada vez menos tempo para admirar de verdade as pessoas. Dos dedos do pé à raíz dos cabelos. Analisar cada centímetro, sentir cada cheiro e identificar cada ângulo de olhar que sempre vai expressar um sentimento diferente. Talvez porque hoje ninguém precise observar mais nada diante das microssaias, dos decotes até o umbigo e dos biquinis invisíveis. A sutileza das curvas escafedeu-se. Mas ainda resta outra frente nada sutil. Esqueça a batata da perna e observe a batata que ela come durante as refeições. Uma mulher fresca, por exemplo, nunca vai sentar com você no mercado público para comer rabada, mão de vaca, patinho com feijão. As inseguras nunca experimentaram,

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Pax Spiritus

Acho que nunca vi um filme da Lindsay Lohan e não escuto a menor graça na Amy Winehouse. Mas tenho simpatia pelas duas, só por causa da mobilização mundial em relação ao que elas bebem da vida. Da sua bisavó à netinha de cinco anos, sempre vão condenar a coitada da Winehouse por não ter limites. Na minha religião, o céu é o limite. E as pessoas deixam as outras pessoas beberem em paz. Se você quer fazer sua Despedida em Las Vegas bebendo até morrer, vá em frente e não prejudique ninguém. Eu até pago as primeiras rodadas, só para manter distante a família de olho na herança, os amigos que nunca estavam lá quando você realmente precisava e as revistas de fofoca que todo mundo diz que não lê, mas decora página a página. É uma paranóia parecida com aquele pessoal que às 10h da manhã olha para a garrafa de uísque e não tem coragem de descer uma dose porque acha feio ou socialmente errado beber pela manhã. Tomo uma cerveja de trigo quando acordo às 11h ou um suco de laranja com cinco dias de atraso? Qual dos dois tem mais vitaminas? E no domingo, esquento

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O homem das mulheres

Alguns homens nascem virados para a lua, outros para a mesa de bar. Desde muito jovem, nunca entendi como era possível existir homens os quais as mulheres sempre corriam atrás, enlouquecidas, como se eles fossem a última coca-cola no deserto ou a bala que matou Kennedy. Eles não precisam falar nada, não são os mais bonitos e nem os mais inteligentes. Apenas nasceram virados para lua ou com o gene do Zé Mayer. Para os demais mortais, nós, restava apenas um pouco de inveja. Afinal, mulheres lindas são sempre mulheres lindas, por mais bem casado que você esteja e por mais linda que seja a sua fofinha. Esses caras abençoados conquistam as mulheres mais lindas sem o menor esforço. Tanto faz se eles são advogados ricos ou bandidos, com ou sem redundância. Elas parecem não se importar. E o que dá mais raiva é que eles nem precisam fingir que gostam de teatro, artes plásticas e comédias românticas. Nossa única vantagem é que não precisamos mais do que três doses de uísque para transformar em alívio toda a inveja universal. Você senta ao lado de um homem das mulheres para, antes da terceira dose, perceber como é tecnicamente impossível estabelecer um diálogo concatenado, minimamente

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Garçom

Nosso relacionamento com a instituição chamada garçom sempre foi uma eterna incompreensão para a maioria das mulheres. Elas não entendem quando a gente passa meses fora e, na volta, queremos reencontrar nossos garçons e nossos bares de outrora. Separações abruptas sempre são um processo doloroso. Delas e dos nossos bares e garçons preferidos. Quando a bateria do celular descarrega e você fica incomunicável, ela não compreende quando você liga do orelhão, no dia seguinte, pedindo para vir lhe buscar na casa da garçom. Porque atire a primeira pedra quem nunca perdeu o ônibus bacurau ou bebeu o dinheiro da passagem de volta. Às vezes o relógio atrasa e a gente perde a hora. O jeito é dormir no bar, nem sempre por vontade própria. Na falta de uma mulher-ambulância, é o garçom quem nos hospeda fraternalmente. Se você tiver sorte, a esposa dele ainda lhe esquenta um pão com manteiga antes de ir embora. E depois das primeiras pedras atiradas, você conhece a família do garçom e descobre como os sofás alheios podem ser confortáveis diante das circunstâncias certas. O garçom não é o nosso “empregado que serve à mesa em restaurantes”, como define pai Aurélio. A gente conversa, fala das novidades

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Envelhecendo na cidade

Se a gente não acompanha uma cidade em seu próprio ritmo, nada será como antes. É como um casal que se divorcia pedacinho por pedacinho, a cada dia, a cada detalhe renegado.

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