Paulo Rebêlo // fevereiro.2007
Janeiro é quando as pessoas costumam fazer aquelas listas inúteis de prioridades. É sempre a mesma coisa, em fevereiro a gente nem lembra mais da lista e no final do ano não fizemos metade do que imaginamos. E no próximo ano, o ciclo se repete e, num piscar de olhos, uma década se passa e a gente ainda não escreveu aquele livro, não plantou aquela árvore e não fez aquele filho. (oficialmente)
Em vez de perder cinco minutos pensando sobre nossos feitos e desfeitos, poderíamos perder cinco minutos refletindo sobre os feitos e desfeitos das outras pessoas na nossa vida e fazer uma lista de prioridades contra elas. É que depois de alguns anos, a gente olha para trás e percebe que, afinal, aquelas burguesas e patricinhas não eram tão burguesas e patricinhas assim. Hoje, quem sabe, tenham se transformado em donas-de-casa.
BALDE DE ÁGUA FRIA –
Sempre tive azar com chuveiros elétricos. Sempre queimavam e faltava-me habilidade mental para trocar a resistência. Resultado é que por vários meses não havia chuveiro elétrico, era banho gelado mesmo. Até resolver consertar para, dois meses depois, a resistência queimar novamente. Enchia o saco e ficava sem água quente até por seis meses ou mais.
Para homem, que toma banho rápido e pode fazer uns pós-de-chinelo (eu fazia três…) antes de entrar no chuveiro, água fria não é um martírio tão grande em uma cidade tropical. Mas sempre fiquei pensando como deve ser ruim para as pequenas burguesas – que usam xampú, condicionador, creminhos, sabonetes líquidos e outros bagulhos – tomarem banho gelado logo cedo pela manhã.
Uma delas tinha a infelicidade de trabalhar às 6h. Quando a criatura virava a noite de arrego no cafofo, o despertador tocava às 5h e ela olhava para mim (que devia estar roncando feito um trator) e falava: “nem eu sei como ainda tenho coragem de dormir aqui, sabendo que você não vai consertar esse chuveiro, vou ter que tomar banho gelado às 5h enquanto você só vai acordar às 10h, só vai tomar banho de meio-dia, depois de almoçar naquele botequim imundo antes de pensar em começar a trabalhar para pagar o fiado naquele outro bar fedorento, mas uma maldita resistência de chuveiro elétrico você não compra…”
Eu até entendia a revolta da criatura, mas sempre achava que ela não ia mais ter paciência para voltar. Então, terminava nunca comprando uma resistência nova para o chuveiro e economizava na conta de energia no final do mês.
ESPORTE PREFERIDO –
Algumas mulheres têm como esporte preferido o ato de reclamar. Reclamam de tudo. Algumas dizem para os namorados: “sua casa vive cheia de poeira, você guarda esses jornais velhos na sala, no armário e até no quarto, parece um velho, e você sabe que sou alérgica a poeira, sempre que chego aqui vivo espirrando”.
Novamente, eu ficava me perguntando por que elas nunca se candidatam a fazer uma faxina, arrumar (e catalogar) meus jornais velhos ou, mais prático ainda, custear uma faxineira para fazer o serviço? Tem gente que acha que dinheiro cai do céu ou nasce em árvore. E é o que sempre digo: minha filha, se vaca voasse, chovia leite.
Certa feita, a luz do banheiro queimou. Queimou várias vezes, aliás. Não sei o motivo de sempre queimar no banheiro. Acostumei a usar o recinto no escuro e também passava meses sem trocar a lâmpada. Era uma economia na conta e, de quebra, ainda estava treinando minhas habilidades ninjas na escuridão, como fazer a barba sem luz. De noite, bastava deixar a porta aberta que dava para tomar banho numa boa com o reflexo da luz da cozinha. Fiquei até feliz, pois percebi que não sou tão míope quanto imaginava.
Evidente que as reclamações não tardaram a aparecer: “as necessidades das mulheres no banheiro não são iguais a dos homens, é uma droga ficar aí dentro com a porta fechada, no escuro total… olha, sabe de uma coisa, só volto aqui quando você consertar essa lâmpada.” Diziam.
Eu ficava calado, matutando com meus botões e me perguntando por que elas nunca chegam trazendo uma lâmpada nova? Melhor ainda, vai lá e troca. Segunda-feira tem mais.
PARTE 2/2
As mulheres reclamam que os homens só pensam em sexo, afirmação com a qual não concordamos, porque também pensamos em cerveja e futebol na TV.
Depois de refletir sobre os últimos dez anos na crônica anterior, a gente chega à conclusão de que as pessoas precisam ter prioridades na vida. E por que dez anos? Porque em um certo ponto desta década, não lembro exatamente quando, decidi que eventualmente sexo teria que dividir espaço com a mesa de bar na tal lista de prioridades. Assim, ninguém pode dizer que só pensamos naquilo, até porque as pequenas burguesas dos bares não bebem, apenas fingem que bebem, o que diminui em 90% nossa atenção a elas.
O problema é que a maioria das mulheres não consegue conviver em harmonia com essa realidade de prioridades. Elas até dizem que conseguem no início, mas depois reclamam, reclamam, reclamam. No entanto, o mais curioso não é a reclamação em si, mas a correlação que já conseguiram fazer com assuntos completamente diferentes – sem o menor sexo, ops, quero dizer, nexo aparente.
Certa feita, uma pequena burguesa assumiu: “às vezes você me deixa no meio da madrugada sozinha na sua casa porque um amigo seu levou chifre (de novo) e precisa beber e conversar com alguém, aí você vai para o bar e só volta de madrugada com bafo de cerveja, quase na mesma hora que estou saindo para trabalhar de barriga vazia porque sua geladeira só tem coca-cola light e sem gás, latinha de cerveja, garrafa de rum, licor, resto de comida estragada do China da 48 e aqueles malditos biscoitos integrais que eu detesto e nunca entendi por que diabos você acha que são saudáveis. Custava fazer feira? Custava? Uma vez na vida, pelo menos?”
E assim, de repente, o sexo e o nexo perdido da madrugada deixam de ser prioridades para elas também. As pequenas burguesas adoram reclamar da casa dos outros, sempre reclamam da falta de comida na geladeira. É fácil reclamar quando você não tem que pagar pela feira e fazer todo o esforço envolvido no processo de ir e voltar do supermercado.
E eu fico matutando o que custaria também se, antes de chegarem ao nosso feudo, elas humildemente parassem no mercadinho para comprar ao menos um lanche, esses sanduíches prontos de microondas, enfim, até mesmo uma bolacha Cream Cracker sem manteiga, qualquer coisa que faça elas pararem de reclamar de manhã cedo quando você está no auge da ressaca. E eu até me considerava um pequeno burguês por ter microondas em casa…
Na mesa de bar, todos iguais. No fundo do copo, nem tanto –
Se os economistas dizem que em economia não existe almoço grátis, os garçons dizem que no bar não existe café-com-leite. Mulheres que sabem (e gostam) de beber são cada vez mais difíceis de achar. Quando encontro uma, nem sequer me importo se é bonita ou feia, gorda ou magra, ela se torna simplesmente um ser iluminado e santo.
As papudinhas estão em notória extinção, infelizmente. As pequenas burguesas só pensam em academias, grifes, ir para balada aos 20 e casar antes de chegar aos 30. Quando sentam na mesa de bar resolvem pedir uma…. caipirosca. É ultrajante. Um disparate à falta de cabelos em nossa crescente careca. Por isso me orgulho tanto de algumas companheiras de copo que entendem a verdade etílica universal: na mesa de bar, somos todos iguais. Desde que você não peça uma caipirosca ou qualquer dessas bebidas coloridinhas e ridículas que parecem ki-suco.
Uma das pequenas burguesas, certa vez, virou para mim na mesa de bar e disse: “cara, você tem preconceito contra mulher que não bebe, contra mulher que bebe caipirosca, contra mulher fresca, contra mulher que ainda mora com os pais, contra mulher que não lê jornal, contra mulher que tem carteira de motorista e não consegue subir ladeira, enfim, o que diabos estou fazendo aqui tomando uma cerveja com você, me explica, sinceramente?”
Sinceramente, eu também queria saber. Mas, nessas horas é melhor nem pensar no assunto porque a cerveja estava esquentando rápido enquanto ela tagarelava. Quando reclamam dos meus preconceitos etílicos (e elas sempre reclamam), a resposta é simples. “Acho que preconceito é para ser exercido, mas detesto gente preconceituosa, não estou entendendo porque você está tendo preconceito comigo somente porque estou a exercer meus preconceitos de forma livre e democrática. Acho que você está sendo preconceituosa com os meus preconceitos, isso revela um preconceito ainda maior e preconceito é uma coisa muito feia…”. Ela pediu outra cerveja e jurou que aprenderia a beber, só para não ouvir isso outra vez.
Para terminar a nossa lista de prioridades para o ano de 2007, que só vai começar mesmo depois do Carnaval como sempre, deveríamos todos começar pela mesa de bar. Afinal, é na mesa de bar que todo início de ano a gente relembra as pequenas burguesas que passaram e as grandes afeições que ficaram. Porque depois que todas passam, no fundo do copo sempre resta apenas uma lembrança que não se afoga. Até que a cerveja acaba, a luz se apaga e você se adapta. Lembranças de burguesas, agora só na base do fiado e que seja assinado com lápis grafite, para apagar com a espuma que cai do copo.