Paulo Rebêlo
Revista Backstage
junho 2003
Talvez seja resultado de minha rabugice excessiva. Fato é que existe uma luz amarela a qual sempre acende, na minha consciência, quando alguém chega para dizer que determinada situação é certa ou errada, que tal iniciativa é errada ou certa.
Não é discurso ideológico. Quando alguém chega para dizer que uma determinada atitude é errada, primeiro é bom saber o motivo. Por que? Como? Caso o argumento seja convincente, conversamos. E durante a conversa, podemos debater, argumentar e contra-argumentar. Baixar a cabeça e consentir é que não dá.
Agora, caso tenha sido uma verdade universal dita pelo seu guru, orientador religioso, técnico pessoal de informática ou seja lá quem seja, é melhor pegar a reta e não perder tempo. O grande contra-senso da música na internet é a batalha que a indústria trava com o psicológico dos ingênuos sobre o que é certo e errado. E recebe todo apoio das esferas interessadas.
É um paradoxo conhecido por todos. O que é certo para mim, pode não ser para você. E o que é errado para você hoje, pode não ser amanhã. Quantos anos você tinha há vinte anos e quantas coisas você queria fazer e não podia? E quantas dessas coisas hoje você vê pessoas com a sua mesma idade da época fazendo, às vezes até mais novas?
O lengalenga dos direitos autorais – como está sendo promovido hoje – é estéril e inócuo. Chega um lado da indústria e impõe que eu não posso copiar para meu computador o CD que eu comprei na loja. Pior, que não posso escutar no computador, preciso ter um aparelho de som “adequado”.
Comprei e paguei o valor do produto estipulado pelo mercado. Só que meu drive de CD-ROM quebrou e agora não posso mais ouvir as músicas porque a indústria diz que é errado escutar no computador ou copiar para o disco rígido? Parece paida. Mais sobre esse assunto, vide a coluna de fevereiro sob o título de O Limbo entre a Ilegalidade e a Imoralidade.
E AGORA, JOSÉ? – Outro lado da indústria chega e diz que, para uso pessoal, posso copiar o CD para meu computador, sem problemas. Ótimo. Então estou conectado à internet, conversando com um amiga, cujo nome fictício é Ambrósia Firmina, carinhosamente apelidada de Ambrosina. Ela, assim como eu, é fã de jazz.
Até então, Ambrosina não conhecia esse jazz meio contemporâneo, cantado suavemente, cujas divas atendem pelo nome de Diana Krall, Norah Jones e outras musas. Ambrosina é muito correta e puritana, não aceitou que eu mandasse um MP3 por email para ela conhecer a bela voz de Norah Jones, só para aguçar os ouvidos.
Dei a dica, ela confiou, foi na loja de CDs mais próxima e comprou álbuns das duas. Achou a Krall um pouco melosa, mas gostou dos álbuns antigos. A Norah, ela só gostou de três músicas no CD inteiro, mas não reclamou. Ambrosina, como toda mulher inteligente (redundância?) enxerga coisas que homens geralmente não enxergam quando o assunto são elas. Ela garante que gosto de todas as músicas da Norah Jones, simplesmente, porque a Norah é muito parecida com uma ex-namorada, até no jeito. Ambrosina garante que matou a charada da minha tara pela Norah, mas eu negarei até o fim da próxima página.
Ao procurar me redimir, sugeri outra cantora de jazz contemporâneo: Lisa Ekdahl. A perspicaz Ambrosina nunca havia ouvido falar, o que é perfeitamente compreensível ao levar em consideração que Lisa Ekdahl é sueca, não está no circuitão comercial e, diferentemente de uma Diana Krall, não pode ser chamada de cantora apenas de jazz. Também é considerada, na Suécia, uma cantora pop. São poucos os admiradores de jazz que não se apaixonam pela voz da Lisa Ekdahl depois que a conhecem.
Ambrosina não quis receber um MP3 que fiz na hora em que conversávamos, para não ocorrer o mesmo que aconteceu com a Norah Jones. Foi na loja comprar. Não achou. Procurou em outra e nada. Quem sabe ela pudesse encontrar em uma grande loja de CDs, mas aquelas duas ali do bairro não deram conta do recado. E agora, José? Digo, e agora, Ambrosina?
Com muito peso na consciência, Ambrósia Firmina aceitou um arquivo digital enviado por mim, para que ela pudesse conhecer a diva. Ela pede desculpas à indústria fonográfica e implora que eu use este espaço para deixar claro, à patrulha ideológica, que ela não é uma criminosa e promete nunca mais repetir essa atitude errada, ilegal e imoral que é baixar músicas na internet sem comprar o CD. Pedido atendido, Ambrosina.
UM PESO, DUAS MEDIDAS – Tem muita gente falando sobre o que vem a ser ilegal ou não. A indústria fonográfica começa a ir atrás de pessoas físicas (vide coluna anterior), os consumidores olham de banda, as universidades instalam bloqueios nos computadores para evitar a troca de arquivos. Associações e entidades emplacam matérias em jornais, sempre com o mesmo discurso, sobre quanto as nações perdem com pirataria, quantos sites de MP3 são fechados por mês e assim por diante. Então, dizem que programas como Kazaa, Morpheus e outros, fomentam a pirataria. Oras, se fomentam a pirataria, são prejudiciais à indústria. São ilegais, se depender de determinadas associações, já com processos judiciais em trâmite.
Tudo muito bonito e maravilhoso, mas tem um porém. Se as ferramentas do tipo Kazaa e outros programas são ilegais, então não é ilegal também ajudar a divulgá-las e incentivar usuários e clientes ao download? É como dizer que cocaína é ilegal e ao mesmo tempo não prestar atenção a um outdoor onde se lê sobre um tipo mais puro e refinado, já no mercado para quem quiser usar.
Esse [outro] paradoxo ocorre entre os usuários de internet, a indústria e o universo midiático. Outro dia, todos os sites que se intitulam “especializados” anunciaram o lançamento do Piolet, um novo e “pioneiro” programa de compartilhamento P2P para baixar músicas, filmes e outros arquivos. Exatamente assim, “músicas, filmes e outros arquivos”, conforme as descrições de portais brasileiros e sites sobre tecnologia e informática.
Sai uma versão nova do Kazaa e do Morpheus, a indústria não tem nem como pensar, pois no mesmo segundo as manchetes pipocam em todos os portais. Com notas e revisões dos editores, recomendações dos usuários, dicas de uso e, até mesmo, sugestões para pegar uma versão sem propagandas e sem banners. Nas matérias, há de se mostrar os benefícios da nova versão: downloads mais rápidos, servidores estáveis, mais segurança para seus downloads ilegais e mais privacidade para sua atitude imoral.
Então, o que irá acontecer? A indústria irá processar os jornais e revistas que divulgam o lançamento da nova versão do programa pirata? Pirata, sim – ao menos na definição da indústria fonográfica, basta procurar se informar sobre o conteúdo dos processos na Justiça americana. Ou será que a indústria vai processar, também, os jornalistas que são pagos, como profissão, para noticiar esses lançamentos? E aí voltamos à estaca zero: é um debate necessário, porém, estéril e inócuo aos moldes que vem sendo conduzido hoje.
Para quem chegou até aqui e está em dúvida sobre a charada da Ambrosina, digamos apenas que ela esteja um pouco certa e um pouco errada. Afinal, o que é certo ou errado? A Norah Jones não se parece por completo com a ex- que a Ambrosina conheceu. Acho que as vozes são diferentes.