Recolhimento de recorrências

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
março 2004

Enquanto todo mundo se cansa de ler matérias sobre os prejuízos bilionários que o MP3 causa à indústria fonográfica, sem nenhum questionamento além do que vem escrito nos releases para imprensa, tem muita gente descansando e rindo à toa com as mesmas galinhas de ovos de ouro que perduram desde sempre. Durante o ano passado, gastamos a paciência do leitor com algumas colunas sobre o jabá nas rádios. Vejamos agora um enfoque sobre a arrecadação dos direitos autorais. Justamente o tal do copyright que as gravadoras tanto batalham para colocar na mídia.

A incongruência é que, ao mesmo tempo em que a tal crise fonográfica progride, a arrecadação dos direitos autorais só cresce. De acordo com dados recentes do Escritório Central de Arrecadação de Direitos (Ecad), o recolhimento no Brasil subiu 18,6% de 2002 para 2003. A crise das gravadoras, cujas dimensões são intercontinentais, representa uma perda de 38% em faturamento e 56% em perda real acumulada, de acordo com dados oficiais. Estimativa da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD) indica a pirataria como dona de 59% do mercado de disco no país.

E em meio a tudo isso, há o notório crescimento de 55% do recolhimento de direitos autorais, entre 1997 e 2002. O recolhimento ocorre em conseqüência de várias ocasiões como, por exemplo, a música tocada em rádios, em eventos públicos, na televisão e durante shows. Até aquelas músicas que tocam em academias de ginástica, sempre uma discussão polêmica, são passíveis de recolhimento pelo Ecad, que é uma entidade privada nascida em 1973 por lei federal.

Uma reportagem mais ou menos recente da Folha de S. Paulo, de Pedro Alexandre Sanches, revela que quem faturou mais no primeiro semestre de 2003 foram os grandes da MPB, com décadas de estrada. O primeiro lugar de mais execuções em rádio é do rei Roberto Carlos, seguido de Djavan, Caetano Veloso, Erasmo Carlos e Chico Buarque. E para desespero dos amantes da MPB, em sexto lugar vem Jorge Vercilo, à frente até de Gilberto Gil.

A grande questão na ladainha crise das gravadoras e recolhimento de direitos autorais é sobre a extensa camada cinzenta entre o lucro real dos artistas e o crescimento na arrecadação dos direitos. Difícil encontrar artista que afirma sentir no bolso esse aumento acumulado de 55%. Em entrevista à Folha de S. Paulo, o sambista Nei Lopes dá uma definição sobre o Ecad: “é o chamado mal necessário, como um necrotério ou um presídio. Já pensou se essas coisas não existissem?”. Abrindo meu baú de arquivos, vejo que o Ecad já foi mote de uma CPI nos anos 90. A entidade costuma alegar que a maioria das acusações e reclamações é fruto de desinformação por parte dos artistas. Talvez.

O problema é que, para os artistas de modo geral, os procedimentos do Ecad costumam ser tão nebulosos quanto o das gravadoras. Estas, sempre alegam o mesmo: o CD custa na faixa de R$ 30 porque os custos de produção, divulgação, marketing e tudo mais são muito altos; e quem banca é a gravadora. É difícil entender essa lógica de econômica avançada quando a gente vê cantores do gabarito de Caetano Veloso dizendo em alto e bom som que ganha R$ 2,00 por cada CD vendido- vide colunas anteriores aqui na Backstage.

RECLAMAÇÃO EM CICLO – O paulista César Augusto, nono colocado no ranking do Ecad em recolhimento de direitos autorais, é um anônimo muito mais conhecido do que você imagina. É autor de umas 700 músicas tocadas por Zezé di Camargo & Luciano, Leonardo, Roberta Miranda, Gian & Giovanni, Bruno & Marrone e mais um caminhão inteiro de duplas sertanejas. Ainda em entrevista à Folha de S. Paulo, o compositor revela que nos últimos dez anos ele nunca saiu das primeiras posições do Ecad. “Para receber uma média de R$ 13 mil a R$ 15 mil por mês em direitos autorais. Acho que é muito, muito, muito abaixo do que deveria ser”, garante. O recebimento abaixo do esperado nunca foi novidade, nem há dez anos, muito menos agora. E parece não haver luz no fim do túnel.

Informações do Ecad revelam que o órgão dispõe de 600 funcionários e 300 fiscais terceirizados. Os critérios que definem a distribuição dos direitos autorais são “complexos”, mas seguidos com “rigor”. As emissoras de rádio enviam planilhas com suas programações musicais mas, de acordo com a entidade, a inadimplência obriga que funcionários do Ecad fiquem na escuta das rádios. Na televisão, não é muito diferente. São anotados os segundos que uma música é executada, em background na cena de novela ou programa. O autor da música, supostamente, recebe o proporcional aos segundos que a música ficou no ar. E assim por diante. Depois de muitos cálculos e somas (em bares com música ao vivo, shows etc), retira-se o percentual de cada autor, editor, intérprete etc, e o montante é distribuído.

INVESTIMENTO ONLINE – No início deste ano, durante a 38º edição do Mercado Internacional do Disco e da Edição Musical (Midem) na França, a bola da vez nas discussões foi o óbvio: artistas precisam criar sites próprios para a venda de músicas. Uma sugestão muito discutida, mas pouco aplicada. Neste ponto, o Brasil ganha destaque, com muitas bandas independentes realizando não apenas a venda, mas também colocando as faixas em MP3 para demonstração ou até download completo.

Peter Gabriel e Brian Eno lançaram o manifesto União Magnífica do Download Digital Artístico (Mudda). Esse nome piegas sugere que os artistas vendam músicas pela internet de forma independente ou através de negociação direta com lojas online. Durante o evento, a Coca-Cola lançou a loja online de música em www.mycokemusic.com – venda de álbuns a partir de US$ 7,97 para quem mora na Europa. Traduzindo: ainda está longe de acharem o caminho do meio.