A prefeitura com um só sobrenome

Agreste // Em Iati, a 286 quilômetros do Recife, a família Tenório está no poder há mais de 40 anos

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 31.agosto.2008

Iati – Disputas entre famílias pelo poder político de pequenos municípios no interior. Cenário comum, porém, a 286 km da capital e já próximo a Garanhuns, Iati concentra um único sobrenome pelo qual se governa a cidade há mais de quatro décadas. A família Tenório é tão presente na cidade a ponto de os próprios integrantes concorrerem entre si, com direito a agressões verbais e denúncias.

Dos 43 candidatos a vereador, 11 são Tenório. A Câmara conta com cinco vereadores Tenório eleitos em 2004, de um total de nove parlamentares. O atual prefeito, Hernani Tenório, tenta fazer o sucessor Alexandre Tenório (PP). Hernani é sobrinho de Luis Tenório, ex-prefeito e o líder político ­- de fato – do município. E Alexandre é filho de Luis, ainda hoje chamado de “prefeito” por todos na cidade, embora ocupe o cargo de Secretário de Administração. A coligação conta com PTB e PR.

Em todo o território de Iati, ninguém esconde a impressão de que o papel de Hernani Tenório nos últimos quatro anos é meramente simbólico, pois o pai Luis Tenório é quem decide os rumos da cidade. De forma tímida, a oposição aos Tenório surge até mesmo entre os familiares dissidentes. O nome real do candidato Mané de Odete (PSB), opositor de Alexandre Tenório nesta eleição municipal, é Manoel Tenório Alves. Ele conta com o apoio declarado do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e parte da população que se arrisca a assumir a simpatia. Sua coligação inclui o PT e o PTN. O prefeiturável Tonho da Lula (PSDB) é o terceiro concorrente.

A vendedora Simone Tenório da Silva, 23, é um exemplo da dissidência. Reclama da qualidade da água – como quase toda a população – e da gestão municipal, mas teme represálias. O agricultor Averaldo Ferreira de Carvalho, 32, também residindo no centro, faz coro: “Depois que a água vai para o balde, no outro dia está completamente amarela e o balde sujo, ninguém entende. Pagamos a taxa (R$ 15,80) e ainda é preciso comprar água de fora”.

A conta de água mostrada pelos moradores de Iati não é da Compesa, sequer possui qualquer referência formal. Na cidade, quem cria coragem para reclamar das condições, acusa os Tenório de serem os verdadeiros donos da tal empresa, fazendo uso das ameaças de cortar o fornecimento caso não sejam eleitos.

Procurado pela reportagem, o atual prefeito, Hernani Tenório, disse, por meio de funcionários da prefeitura, não pode atender a equipe – mesmo estando na cidade e sendo localizado pelo Diario. Em seguida, disse ter viajado a Maceió, depois para Recife e nunca retornou as ligações e recados deixados com funcionários e em sua caixa postal.

Os Tenório não parecem preocupados com a eleição. Contam com o apoio declarado e irrestrito ­- inclusive, em propagandas espalhadas pela cidade – dos deputados Inocêncio Oliveira, Alberto Feitosa, Eduardo Porto e até de Romário Dias, ex-presidente da Assembléia Legislativa.

Em Santa Rosa, distrito de Iati, Aparecida da Conceição, 22, reclama da militância de Mané de Odete, adversário dos Tenório. Referindo-se a Luis Tenório, e não ao prefeito Hernani, ela diz que “o prefeito é homem de verdade e é quem manda água para as comunidades rurais, de graça”. Nos povoados, a água não é cobrada, mas é irregular. Enquanto há lugares onde chega com razoável qualidade, em outros não serve para lavar roupa ou tomar banho.

Um município de obras inacabadas

Obras inacabadas e a ausência de mínimas condições de saúde. Quem deveria ter acesso a água, não tem. Quem conseguiu construir um simples banheiro, não pode usá-lo por falta de esgotamento sanitário. De todos os municípios cujas contas públicas foram fiscalizadas pela Controladora Geral da União (CGU) por sorteio, poucos chamam tanta atenção quanto Iati.

Há quase dois anos, os técnicos da CGU detectaram diversas irregularidades, com impacto direto nos 17,7 mil habitantes. É a verba do Ministério da Saúde, porém, que mais chamou a atenção da fiscalização. São 245 páginas de um minucioso relatório sobre o mau uso da verba pública e a não aplicação dos recursos.

Em Iati, poucos acreditam em qualquer tipo de mudança. A maior parte dos eleitores da família Tenório discorda que a gestão municipal não trabalhe. “Apenas não terminaram as obras, mas pelo menos elas começaram”, dizem, quase em uníssono.

O apoio não é incondicional e faz parte de uma realidade exatamente idêntica em centenas de municípios nordestinos. Averba chega aos cofres públicos, mas nem sempre sai. E quando sai, não há transparência sobre onde se aplica. Os (poucos) resultados são vistos apenas meses antes de uma eleição. José Inaldo, da coordenação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Iati, ironiza as constatações da CGU. “As denúncias nunca deixaram de existir, mas até hoje não se mudou nada nesta cidade”, reclama.

Inaldo tem motivos de sobra para o ceticismo. Há oito anos, um juiz da Comarca de Águas Belas determinou o afastamento do então prefeito Luis Tenório, acatando ação civil pública por improbidade administrativa requerida pelo Ministério Público. A decisão foi tomada depois da constatação do Tribunal de Contas de Pernambuco (TCE-PE), por meio do núcleo de engenharia, de que das obras citadas no processo, uma parte fora iniciada e não concluída; e outras sequer foram iniciadas, mesmo com a comprovação da liberação integral dos recursos federais. Há oito anos.

Água – Não é a ausência de água o maior problema de Iati; mas a qualidade dela. O agricultor Elias Eugênio da Silva, 36, faz questão de mostrar um balde com “gasolina importada”. É a água, recém-tirada do tanque de 30 mil litros no povoado de Lagoa do Forno, em Iati. “A maioria do pessoal aqui usa para beber, mas lá em casa a gente apenas usa para lavar roupa e cozinhar”, antecipa-se em explicar, apontando para o irmão, Cícero Eugênio, 35. “Ele só faz coar para tirar as palhas e bebe desse jeito mesmo, os filhos vivem doente”, explica.

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