Panda anarquista

Professor se fantasia de urso e vira sensação em protestos no Canadá

Paulo Rebêlo, colaboração de Montréal
Folha de S. Paulo – 05/junho/2013


O canadense Julien Villeneuve vive uma vida dupla. Professor de filosofia, ele se “transforma” num urso panda durante os protestos que pedem mais investimentos e menos cortes na educação do Canadá –causando comoção a ponto de se tornar o “mascote” extraoficial desses atos.

Screen Shot 2013-06-05 at 16.26.09O professor ficou conhecido como Anarcopanda –apelido surgido a partir dele próprio, que se considera um “anarcopacifista”. Dentro da fantasia, Villeneuve tenta abraçar estudantes e policiais durante as manifestações.

Suas aparições na mídia em meio aos protestos, que chegaram a reunir 500 mil pessoas em Montréal no ano passado, ajudaram a chamar a atenção de governo e sociedade para a violência policial.

Trata-se de um problema que muita gente nem sequer imagina existir no Canadá, país reconhecido mundialmente pelo alto padrão econômico e social –é o 11º no Índice de Desenvolvimento Humano da ONU, em que o Brasil ocupa a 85ª posição.

“A repressão policial ganhou proporções insanas: gás de pimenta, cassetetes, balas de borracha”, diz o professor em entrevista à Folha.

Ele conta que, em 2012, os estudantes de Québec, província canadense onde fica Montréal começaram a protestar contra a alta abusiva das mensalidades e a pedir educação superior gratuita, inexistente no país.

“É uma luta justa e necessária. Comecei a pensar o que eu, como professor, poderia fazer para me juntar a eles. Foi quando tive a ideia do panda, para tentar passar uma mensagem pacífica contra a violência que estava ocorrendo.”

FANTASIA BARATA

Villeneuve afirma que não há nenhuma “simbologia ou mensagem subliminar” no fato de ele ter escolhido um panda. “Foi simplesmente a fantasia mais barata que encontrei na internet. Comprei no eBay da China por US$ 200 e chegou em duas semanas.”

“Antes do panda, eu e outros professores participamos de dezenas de protestos, em uma tentativa ingênua de fazer com que a polícia não fosse violenta com os alunos. Não adiantou nada. A ideia do Anarcopanda é também oferecer proteção física contra as pancadas, funcionando como barreira de proteção entre a polícia e os estudantes”, diz.

O professor alega, porém, que a ideia de se fantasiar de panda não é uma piada. “Reconheço que um urso panda tentando abraçar um policial pode parecer engraçado, mas não é um ato de irreverência contra o sistema. Não criei um personagem. Quem está ali nos protestos sou eu.”

Villeneuve relata que, mesmo depois de a sua identidade ter se tornado de conhecimento público, ele continuou a dar aulas e sempre teve apoio dos colegas, de outros professores e de estudantes.

“O problema é que a imprensa prestou mais atenção na fantasia do que na causa. A maioria das reportagens foi feita por gente que nem estava nos protestos, não viu o que a gente viu em termos de brutalidade”, afirma ele.

LUGARES ESTRATÉGICOS

Multado duas vezes e preso em uma das manifestações, o professor, que também já teve a sua fantasia apreendida, não crê que o Anarcopanda esteja em risco de extinção.

“Eles podem apreender a fantasia quantas vezes quiserem. Tenho cinco iguais escondidas em lugares estratégicos da cidade, pois assim consigo chegar aos protestos já fantasiado”, revela ele.

No Canadá, ninguém pode ser preso só por protestar –mas, segundo Villeneuve, a Prefeitura de Montréal fez uso de uma lei municipal que proíbe o uso de máscaras em demonstrações públicas e considerou uma manifestação ilegal porque a organização não divulgou o seu percurso com 24 horas de antecedência.

“Cada multa custou US$ 637. Paguei com doações, que também ajudaram a comprar mais fantasias de panda vindas da China”, conta ele.

O professor nega que também haja violência por parte dos estudantes (“a polícia já chega batendo”) e diz que os protestos são de interesse de toda a sociedade canadense.

“A situação social está saindo de controle e o país não quer olhar. A luta contra a alta das mensalidades é só parte do problema”, afirma.

“Não entendo a noção de que só os estudantes devem protestar por educação de qualidade e gratuita. É uma questão de interesse de toda a sociedade. Ou deveria ser.”

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