Eu pedi a conta, ela não veio, sei que vai chegar, não sei como vou pagar.

Pedi a conta, ela não veio - Paulo Rebêlo

A maioria das pessoas da minha geração queria morar sozinha para ter liberdade. Eu queria morar sozinho para comer pizza e hambúrguer todo dia. E coca-cola. Litros de coca-cola. Talvez a conta metabólica chegue aos 50, talvez amanhã ou talvez quando sair o resultado da próxima endoscopia, que pelos meus cálculos será a décima-quinta. A conta pode chegar parcelada, mas também pode chegar de uma vez só, me atropelando feito uma Scania desgovernada, passando por cima de tudo igual a uma jamanta sem freio.

leia mais

Para curar a insônia

Paulo Rebêlo // Terra Magazine // 08.jun.2011 Curei-me da insônia. Só resta descobrir como aconteceu. Não cuspi dentro do pires para jogar na foz do rio Tapajós, como as rezadeiras da minha terra costumam sugerir. Não paguei promessa, não fiz catimbó, macumba, vodu e nem dancei axé. Não acendi vela para santos ou diabos. Não tomei remédio, não pisei em consultório médico. Depois de oito anos abraçados à insônia, há um ano que não a encontro. Eu deveria estar feliz por conseguir cumprir compromissos pela manhã e, deus nos acuda, dormir antes de o sol nascer. Tanto tempo juntos, vira uma coisa amiga-amante. Não importa o cansaço, o sofá ou a cama. Ela sempre espera. Para aparecer quando você menos espera. Talvez a cura da insônia seja isso. O sentimento. A gente aprende a gostar. Com ela, escrevi as melhores crônicas. Editei os melhores textos. Assisti aos melhores filmes. Bebi os melhores uísques. Fumei os melhores charutos. Conversei com os melhores garçons. Conheci os melhores maltrapilhos na calada da noite. Com ela, fui promíscuo. Dividi a insônia com gente feito George Benson, Chet Baker, Coltrane, Miles Davis, Stanley Jordan. Uma grande suruba. E depois que conheci o som da Lisa Ekdahl,

leia mais

Gringo é a mãe

Paulo Rebêlo Terra Magazine * 08.fevereiro.2011 Eu aceito – e entendo – quando ninguém do hemisfério norte acredita que sou brasileiro. Com a benção do futebol e das globelezas, os estereótipos de 500 anos seguem firmes e fortes por mais 500. Só nunca vou aceitar – e nem entender – como o Brasil tem metade da população de cor branca e, a esta altura do campeonato, já com meus primeiros fios brancos da barba à paisana, eu ainda precise explicar que não sou gringo. Jogue-me no pelourinho ou na praia. Em qualquer ponto turístico. Até no Piscinão de Ramos. Se eu não fosse tão baixinho e buchudinho, sairia no tapa com o primeiro cidadão que tenta me vender uma rede fuleira por duzentos reais ou um acarajé seboso por cinco euros. Quase nunca vou à praia. Pelo mesmo motivo que não como caranguejo. Não é alergia, é apenas preguiça. De me explicar pela milionésima vez e de bater o martelinho mil vezes. Quando vou a qualquer praia, basta puxar meu Sundown fator 50 ou tirar minha camisa de botão. Parece uma sirene do Samu, o vendedor vem correndo em minha direção. Para oferecer uma caipirinha. Aparentemente, vendedor de praia não percebe

leia mais

A batata da verdade

Paulo Rebêlo Terra Magazine – 07-dez-2010 Pelo tamanho e diâmetro da canela, a gente sabe com precisão quase científica se as pernas de uma mulher são bonitas. Pela dobrinha do braço, é possível identificar a consistência das costas e do tronco inteiro. Pelos dedos da mão, a gente sempre acerta a margem da idade, mesmo com cirurgia plástica. E acredite: apenas ao observar os ombros de uma mulher, é possível saber se ela tem o bumbum bonito. Independente da roupa. É uma arte. Cada vez mais esquecida, pois parece que temos cada vez menos tempo para admirar de verdade as pessoas. Dos dedos do pé à raíz dos cabelos. Analisar cada centímetro, sentir cada cheiro e identificar cada ângulo de olhar que sempre vai expressar um sentimento diferente. Talvez porque hoje ninguém precise observar mais nada diante das microssaias, dos decotes até o umbigo e dos biquinis invisíveis. A sutileza das curvas escafedeu-se. Mas ainda resta outra frente nada sutil. Esqueça a batata da perna e observe a batata que ela come durante as refeições. Uma mulher fresca, por exemplo, nunca vai sentar com você no mercado público para comer rabada, mão de vaca, patinho com feijão. As inseguras nunca experimentaram,

leia mais

O homem das mulheres

Alguns homens nascem virados para a lua, outros para a mesa de bar. Desde muito jovem, nunca entendi como era possível existir homens os quais as mulheres sempre corriam atrás, enlouquecidas, como se eles fossem a última coca-cola no deserto ou a bala que matou Kennedy. Eles não precisam falar nada, não são os mais bonitos e nem os mais inteligentes. Apenas nasceram virados para lua ou com o gene do Zé Mayer. Para os demais mortais, nós, restava apenas um pouco de inveja. Afinal, mulheres lindas são sempre mulheres lindas, por mais bem casado que você esteja e por mais linda que seja a sua fofinha. Esses caras abençoados conquistam as mulheres mais lindas sem o menor esforço. Tanto faz se eles são advogados ricos ou bandidos, com ou sem redundância. Elas parecem não se importar. E o que dá mais raiva é que eles nem precisam fingir que gostam de teatro, artes plásticas e comédias românticas. Nossa única vantagem é que não precisamos mais do que três doses de uísque para transformar em alívio toda a inveja universal. Você senta ao lado de um homem das mulheres para, antes da terceira dose, perceber como é tecnicamente impossível estabelecer um diálogo concatenado, minimamente

leia mais

Calcinhas de janeiro

Paulo Rebêlo Terra Magazine 12.dezembro.2009 O melhor do Natal é que acaba logo e a gente já pode pensar onde vai acordar de ressaca, talvez após uma injeção de glicose, no primeiro dia do ano. Quando os fogos aparecem no céu, geralmente já estou dormindo. Porque meu réveillon começa ao meio-dia. É injusto esperar por doze horas para começar a farra enquanto japoneses, australianos e tanta gente bacana já está comemorando a passagem de ano antes da gente. Esse negócio de esperar um determinado horário para abrir a primeira garrafa sempre me intrigou. É quase maquiavélico. No entanto, nada é mais intrigante do que a cor da calcinha delas. Não a cor em si, mas a importância que tantas mulheres dão à cor da calcinha do réveillon. Conheço mulheres burras e mulheres inteligentes, mulheres surtadas e mulheres equilibradas, mas poucos dias antes do réveillon todas elas se juntam feito zumbi na loja de lingerie e entram em discussões homéricas sobre a cor da calcinha para a “hora da virada”. Ainda mais intrigante é o enorme contingente de mulheres de todas as idades que realmente levam a sério essa história toda. Virar (o ano) de calcinha vermelha vai ajudar a trazer muita farra

leia mais

Site Footer

Sliding Sidebar

Arquivão