As crianças de Brasília

Paulo Rebêlo Revista MeiaUm – ed. 4 – junho.2011 * ilustração por Claudia Dias Quando coloquei os pés em Brasília pela primeira vez – lá se vão quase 25 anos – pensei comigo mesmo: as crianças daqui devem ser muito felizes. Senti uma inveja retardatária. Os anos passam e, durante todas minhas viagens a trabalho para cá, sempre carreguei o mesmo pensamento. Crescer em Brasília deveria ser o paraíso. Contudo, por estar sempre a trabalho, não tinha tempo para nada. Muito menos para observar se as crianças daqui eram mesmo felizes. Hoje, morando no Plano Piloto pela segunda vez, não sei dizer se elas são mais felizes do que as outras crianças. Agora, com tempo para observar mais de perto, sempre me pergunto: onde estão as crianças de Brasília? Não as vejo em lugar algum. Olho para tanto espaço livre e não as encontro.

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Despedidas de um homem casado

Terra Magazine – abril.2010 Não parece, mas toda mudança me parte o coração. Seja de bairro, cidade ou país. Seja em lugares onde morei cinco anos, cinco meses ou até mesmo cinco semanas, como já aconteceu certa vez. Do dia em que cortaram meu umbigo gordo até hoje, são 14 mudanças de CEP. Com exceção de uma, na qual ainda era muito guri, lembro de todas as outras 13 como se fosse hoje. Por mais desregrados que tentemos ser, sempre sobra saudade por abandonar as poucas raízes que a gente deixa pelo caminho. E me pergunto se vamos voltar a nos encontrar um dia, nem que seja para um café com bolo de bacia na padaria. É o garçom no bar da esquina que já se considera um amigo e fala dos problemas domésticos, pede conselhos e sempre lhe consegue um pedaço extra de bife sem cobrar nada. É o porteiro que está sempre dormindo quando você chega bêbado e fica no meio da rua, esperando ele acordar e abrir o portão, como se nada tivesse acontecido. É o zelador evangélico que lhe acha um devasso. A secretária que abre um sorriso largo quando lhe vê, por causa do bombom de cupuaçu.

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Os novos donzelos

Terra Magazine – abril.2010 Dia desses, pediram minha opinião profissional sobre uma dúvida muito complexa: como ganhar dinheiro fazendo um site de mulheres sem sacanagem? Não tem mistério. É só colocar sacanagem. Vai chover de mané com cartão de crédito. Porque de todas as mazelas que o computador nos trouxe, poucas superam o surgimento desta nova classe de donzelos conectados. Eles conseguem até telefone de garota de programa pela internet, veja que maravilha. Lógico, somente depois de conferir fotos em alta resolução que elas enviam por e-mail pelo notebook baratinho da Positivo que elas ganharam de presente de um cliente. Tudo muito higiênico e seguro, sem perigo de esbarrar em cafetão. Lascívia delivery. Com desconto e cartão infidelidade. De passagem por São Paulo no feriadão, me escondo daquela chuva interminável debaixo da marquise na Augusta. Enquanto espero o táxi anfíbio, duas moças conversam em polvorosa. A jovem donzela lamentava o fim do namoro. Não foi por ter pego o cônjuge na cama deles com uma sirigaita qualquer, como acontecia antes. Até porque hoje ninguém mais sabe o que é sirigaita. Ela abriu o computador do donzelo e o site mais acessado era um tal de Bitch Maps. Fez as malas do coitado e chutou-lhe a bunda.

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O monstro do Lago Paranoá

Paulo Rebêlo Terra Magazine 23.março.2011 Voltar a nadar foi uma das decisões mais acertadas que tive nos últimos tempos, se não fosse pelas crianças. Dos outros. Por não ter horário fixo e chegar em qualquer horário, imaginei que poderia dar minhas braçadas em paz, sem distrações e sem concorrer com ninguém. A mocinha da secretaria tentou me alertar sobre elas, mas foi em vão. No primeiro dia da coincidência de horários, fui fazer meu alongamento normalmente, mas agora estava diante de todo aquele barulho infernal típico de quando várias crianças estão na piscina brincando. Fiquei com vontade de jogar ácido muriático na água, mas depois pensei melhor e deu até pena. Não das crianças, mas dos pais. Naquele estabelecimento, aparentemente só tocam dois CDs: um da Ivete Sangalo (Ao Vivo em Salvador) e outro de uma compilação bate-estaca dos “Baladeiros de Goiânia”. Está escrito na capa do CD, tive que ir lá conferir para ter certeza que não estava delirando. Fui cobrar um desconto na mensalidade (por insalubridade e sanidade mental) e as professorinhas de maiô entrando na bunda me acharam um tiozinho muito engraçadinho, como se tivesse contado uma piada. Se eu soltasse uma piadinha de verdade sobre o

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Anormais

A ciência tem muito a aprender com o carnaval brasileiro. Durante os dias de folia, a sociedade se divide (por conta própria) em pessoas normais que vão brincar carnaval ou aproveitar o feriadão viajando; e as pessoas anormais que ficam em casa e trabalham sem ninguém pedir ou querem fugir da esbórnia momesca. Poderia ser simples assim, mas não é. Fulano passa o ano inteiro sedentário, não sobe sequer um andar de escada quando falta luz no edifício (melhor esperar fumando na portaria) e, durante o carnaval, o mesmo ser humano dorme apenas quatro horas por dia e passa cinco dias subindo e descendo ladeira, pulando atrás de trio-elétrico por oito horas seguidas, não faz nenhuma refeição decente e vive apenas comendo batata frita e coxinha de aquário. No dia seguinte a criatura está inteirinha da silva, zero bala, já acorda fantasiada, gritando e pulando igual ao boneco Chucky do Brinquedo Assassino, aparentemente entalado de pilhas alcalinas e metanol nas entranhas. Como isso pode ser normal? A televisão já produziu o Hulk – era um cientista antes do acidente no laboratório – mas até hoje a nossa ciência não descobriu de onde essas pessoas normais, que brincam carnaval, tiram tanta energia do nada. Agora

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