Paulo Rebêlo Terra Magazine 08.fevereiro.2012 link Às vezes, tudo que a gente precisa na vida é um torresmo e um quartinho de pinga. Durante uma das épocas em que eu chegava do trabalho de madrugada, todos os dias, o único lugar para encontrar um prato de feijão com macarrão era um boteco bem derrubado na esquina de casa. Havia vários outros lugares interessantes por perto, mas aquele era o mais barato e o único com televisão onde a gente conseguia ver a imagem e ouvir o som. Um lugar onde engraxates, flanelinhas, vigilantes e outros trabalhadores da madrugada se encontravam para juntar as moedas e dividir uma garrafa de pinga antes de ir para casa. Não somente pelo preço, mas sobretudo porque ali os clientes, garçons e donos eram todos iguais. Sem frescuras e sem olhares enviesados. Eventualmente, quando era jogo do Corinthians, o dono (fanático) liberava de graça duas cervejas ruins para cada um dos frequentadores assíduos. Geralmente Antarctica Subzero, Brahma Fresh ou Nova Schin. A festa estava montada. A dor de cabeça também. De madrugada, sem Jornal da Globo ou jogos de futebol, um senhor sempre descia a rua com a mesma roupa, a mesma mala preta quase rasgada e
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Paulo Rebêlo 08.março.2011 Terra Magazine Nunca sei até onde vale a pena conhecer pessoas interessantes. Fico sempre no limite entre o interesse e o arrependimento. Porque elas sempre vão conseguir (mesmo sem querer) fazer com que você queira conversar mais, saber mais, olhar mais, admirar mais. Problema é que o nosso querer “mais” pode gerar duzentas interpretações diferentes. E aí corremos o risco de perder uma grande amizade ou uma grande paixão por causa de uma má interpretação. Começamos a nos contentar com menos. Cada vez menos. E menos tempo ao lado dessas pessoas significa menos histórias para conhecer, menos experiências para compartilhar, menos cafés para tomar, menos restaurantes para escolher, menos lugares para visitar e bem menos cervejas e copos de uísque para esquentar toda essa frieza da cidade grande. É difícil reconhecer quando somos nós com medo de dar um passo adiante ou quando são elas com medo de permitir esse passo. Veja como é curioso: em geral, por causa de frustrações passadas e nem sempre devidamente enterradas, às vezes basta um elogio mais efusivo ou um abraço mais apertado para transformar duas pessoas inteligentes em dois bobinhos prontos para fugir. Uma das (poucas) desvantagens de conhecer muita
Paulo Rebêlo 23.novembro.2010 Terra Magazine Invejo as pessoas de memória fraca. E desconfio que elas sejam mais felizes. Antigamente, minha memória avantajada era motivo de orgulho. Hoje é um pouco maldição. Pode ter sido alguma pancada na cabeça. Antes dos três anos de idade, não lembro de absolutamente nada. Parece-me normal. O que me parece pouco normal é lembrar, dos três anos em diante, até da posição onde ficavam os brinquedos do primeiro colégio onde estudei, o Abelhinha, em Santarém, no Pará. E de todos os outros. E de todos os amigos. E dos sonhos deles, das frustrações e das alegrias também. E de tantos detalhes de diálogos, atividades, argumentos e até paisagens de um monte de gente que, às vezes, só vi uma vez na vida. Os anos passam e a gente não esquece de (quase) ninguém, querendo saber por onde estão e por que deixamos eles sumirem do mapa sem deixar um telefone, um endereço, um pombo correio. A gente se muda pela décima quinta vez na vida e, em vez de malas com roupas, objetos e compras, trazemos apenas o peso da lembrança de pessoas interessantes e bons amigos que ficam para trás. Amaldiçoados sejam eles. Porque nós já somos. E