Tem gente com medo de palhaço, tem gente com medo de anão e tem gente com medo do bicho-papão. Eu tenho medo de velhinhas simpáticas. Muito medo.
Posts in "Crônicas"
Respostas invisíveis para perguntas audíveis
Gosto mais de responder do que de perguntar. Porque perguntar exige um desprendimento que não tenho. Uma pergunta costuma exigir uma resposta, enquanto a resposta não exige nada. Nem mesmo que você acredite nela. A resposta se encerra.
A timidez me salvou do Quirguistão
A esposa de Satã não queria tomar café, queria tomar cerveja. Eu sabia disso, estava escrito na testa dela, mas acima daquela testa maravilhosa de pele de veludo também tinha uma placa imaginária em neon violeta luminoso me dizendo: é cilada, bino.
Quando a esposa de Satã me acordou
Os seguranças da universidade sempre me achavam, pontualmente às 22h00, geralmente cochilando no sofá. Quando começaram a me chamar pelo nome, desconfiei se estava dormindo demais na biblioteca. Até o dia em que uma criatura do mal, talvez uma psicopata soviética, ou a verdadeira esposa de Satã, resolveu me acordar para penhorar minha alma com café.
O mundo seria melhor com mais máscaras de bichinhos
Fico mais tranquilo sabendo que outros seres humanos não estão me reconhecendo e vão pensar duas vezes antes de perguntar “que oração” no meio da rua. Mas veja você, podemos também inverter essa lógica. Descobri que as máscaras de bichinhos são uma maravilha para ser bem atendido nos lugares, sem precisar conversar e sem precisar demonstrar simpatia.
A tecnologia vai salvar a vida dos netos que não terei
Meus avós eram crianças e o Brasil era o país do futuro, eu cresci lendo a mesma coisa e você provavelmente também, hoje estamos todos pareados na amizade com a foice da Morte e continuamos ouvindo que somos o país do futuro, a diferença agora é ter a certeza que esse futuro não é nosso presente porque nunca foi nem o nosso passado. Resta-me acreditar que seja o futuro dos netos que não vou ter.
Uma xícara de afeto
Revirei a casa inteira. Abri as caixas de papelão. Empurrei o sofá. Abri as mochilas. Olhei dentro do armário de roupa. Ela tinha levado até a xicrinha. Quando até as formalidades se dissipam, que esperança ainda pode restar para o afeto de uma xícara?
A Morte quer xeque-mate, mas eu só tenho cheques sem fundo
Quando Dona Morte me fizer uma visita, ela vai sentar no meu sofá, tomar minha cerveja, comer meu miojo, abrir minhas latas de sardinha, jogar meu Playstation e ignorar meu tabuleiro de xadrez.
Quando me senti um Totoro de estimação na Coréia
Quando pisei na Coréia do Sul, em 2005, demorou a cair a ficha. Porque sem querer era um sonho de criança sendo realizado: conhecer a Ásia. Mas nunca imaginei que iria me sentir um Totoro de estimação.
Minha existência é um bolovo
Cascavilhei o meu cabeção em busca da primeira memória da minha vida. Tento abrir meus diretórios mentais à procura do que passei a admitir como a memória zero: uma lembrança imagética, consistente e contextualizada que defina a nossa existência cognitiva. Minha memória zero só aparece aos três ou quatro anos de idade e se resume a um bolovo.
Os corações do Gato Garçom
O rádio estava ligado e alguém pediu para aumentar o volume. O locutor havia dado a notícia mais cedo e agora trazia mais detalhes. Naquela manhã de domingo de Carnaval, faleceu o Gato Garçom da Calabresa.
Tua vida é doce, mas o meu café é amargo
Quando eu paro de manhã cedo para tomar café em qualquer padaria de bairro em São Paulo, essa pujança econômica se reduz a pó e parece que aterrisei de Marte no meu disco voador só porque pedi um café sem açúcar.