O selvagem da bicicleta

Conheço um rol de tiozinhos que até hoje choram por dentro quando escutam a música Born to be wild. Aos incautos, é um heavy metal de 1967, sucesso dos canadenses do Steppenwolf. Mexe com os brios de todas as gerações desde então. As de ontem, choram pela liberdade pela qual tanto esperaram conseguir um dia. E as de hoje choram pela liberdade que nunca tiveram na vida. Quando toca a música, eles pensam em jogar tudo para o alto, subir numa motoca e pegar a estrada. Sem rumo e sem expectativa. É quando o interfone toca e interrompe o delírio. É o entregador da farmácia trazendo o remédio para a febre das crianças. Ou para o seu colesterol que atingiu o Everest de novo. A cada dia que passa, fazer uma mochila e pegar a estrada, apenas pelo prazer de não saber o que encontrar, tornou-se um elixir impossível para as pessoas normais. Disponível apenas para selvagens. O por quê, ninguém sabe. Ou sabem e não querem admitir. Verdade, não temos a Harley Davidson do Peter Fonda e do Dennis Hopper. Nem somos selvagens feito o Mickey Rourke em cima daquela moto envenenada de Rumble Fish. Mas não precisa. A gente pode

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Despedidas de um homem casado

Terra Magazine – abril.2010 Não parece, mas toda mudança me parte o coração. Seja de bairro, cidade ou país. Seja em lugares onde morei cinco anos, cinco meses ou até mesmo cinco semanas, como já aconteceu certa vez. Do dia em que cortaram meu umbigo gordo até hoje, são 14 mudanças de CEP. Com exceção de uma, na qual ainda era muito guri, lembro de todas as outras 13 como se fosse hoje. Por mais desregrados que tentemos ser, sempre sobra saudade por abandonar as poucas raízes que a gente deixa pelo caminho. E me pergunto se vamos voltar a nos encontrar um dia, nem que seja para um café com bolo de bacia na padaria. É o garçom no bar da esquina que já se considera um amigo e fala dos problemas domésticos, pede conselhos e sempre lhe consegue um pedaço extra de bife sem cobrar nada. É o porteiro que está sempre dormindo quando você chega bêbado e fica no meio da rua, esperando ele acordar e abrir o portão, como se nada tivesse acontecido. É o zelador evangélico que lhe acha um devasso. A secretária que abre um sorriso largo quando lhe vê, por causa do bombom de cupuaçu.

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Os novos donzelos

Terra Magazine – abril.2010 Dia desses, pediram minha opinião profissional sobre uma dúvida muito complexa: como ganhar dinheiro fazendo um site de mulheres sem sacanagem? Não tem mistério. É só colocar sacanagem. Vai chover de mané com cartão de crédito. Porque de todas as mazelas que o computador nos trouxe, poucas superam o surgimento desta nova classe de donzelos conectados. Eles conseguem até telefone de garota de programa pela internet, veja que maravilha. Lógico, somente depois de conferir fotos em alta resolução que elas enviam por e-mail pelo notebook baratinho da Positivo que elas ganharam de presente de um cliente. Tudo muito higiênico e seguro, sem perigo de esbarrar em cafetão. Lascívia delivery. Com desconto e cartão infidelidade. De passagem por São Paulo no feriadão, me escondo daquela chuva interminável debaixo da marquise na Augusta. Enquanto espero o táxi anfíbio, duas moças conversam em polvorosa. A jovem donzela lamentava o fim do namoro. Não foi por ter pego o cônjuge na cama deles com uma sirigaita qualquer, como acontecia antes. Até porque hoje ninguém mais sabe o que é sirigaita. Ela abriu o computador do donzelo e o site mais acessado era um tal de Bitch Maps. Fez as malas do coitado e chutou-lhe a bunda.

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A dívida feminina

Paulo Rebêlo 08.março.2010 Terra Magazine link Não sei a quem devo mais: às mulheres que um dia passaram pela minha vida ou ao Banco do Brasil. A diferença é que, um dia, talvez eu consiga quitar minha dívida com o banco. Com as mulheres, vamos morrer em débito. Com elas aprendemos a amar e a trair. E que às vezes amar é trair. E trair nem sempre é exatamente falta de amar. Mas, na vida de um bruto, o maior legado das mulheres é ensinar que amar também é deixar ir embora. Porque mais difícil do que ir embora do presente, é ir embora do seu futuro. E ninguém sabe fazer isso tão bem quanto elas. Somem como fumaça e montam uma nova vida como um passe de mágica. Enquanto o seu único abracadabra são noites insones a esperar que ela bata na porta de madrugada. Demora muito, às vezes uma vida inteira, até você aprender que não se trata somente de deixar ir embora. Trata-se, principalmente, de deixá-la ir embora e torcer para que ela tenha toda a felicidade que você sempre quis dar e não conseguiu. Não importa se por incompetência, inércia, conformismo ou pouca fé. Ela iria embora independente das causas. Até

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Pôquer de um homem só

Se o homem nasce só e morre só – como pregava Aristóteles – então por que as pessoas vivem com medo de viver só? Todo santo dia a gente escuta os homens reclamando que não aguentam mais as esposas e as mulheres que não encontram mais maridos. Enquanto uns têm de medo de largar o osso, outros esquecem de viver porque passam a vida inteira esperando o osso sagrado cair do céu. Em ocasiões assim, sempre imagino Aristóteles, Nietzsche e Milan Kundera numa mesa de pôquer do além. Queria ser apenas o dealer. Distribuo as cartas e recolho os argumentos em forma de apostas. Ou apostas em forma de argumentos. A aposta é simples: de Aristóteles (384 a.C – 322 a.C) a Kundera (1929 – ), quem é capaz de encontrar alguém que viva a vida sem querer encontrar outro alguém para não ficar sozinho no mundo? Porque quando sete bilhões de pessoas no planeta nascem programadas para viver em função desta única busca durante toda sua existência, talvez seja a hora de pedir parada, pagar a conta e se enforcar com o fio dental. Dobremos a aposta. De Aristóteles para cá, se durante todo esse tempo a vida inteira das pessoas se resume

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