Lembro de madrugadas insones quando pensava: o que eu faria se ela batesse à porta agora, às três horas da manhã? Pura retórica. O que consome a gente não é saber o que vamos fazer na hora, pois isso a gente sabe melhor do que ninguém. É saber o que vamos fazer depois.
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Paulo Rebêlo | 18.janeiro.2012 — Quando ela perguntava se iria demorar muito para nos vermos, eu não sabia o que responder. Não entendia a importância de uma data aleatória se estávamos sempre juntos mesmo estando longe. O dia sempre chegava, geralmente mais cedo do que tarde. Quando ela perguntava o que iríamos fazer daqui a um ano, eu não sabia o que responder. Não entendia a expectativa, já que estava mais ansioso em ver se os olhos dela iriam brilhar de felicidade com a sobremesa do restaurante naquela noite. Quando ela perguntava quando iríamos fazer aquela viagem, eu não sabia o que responder. Não entendia a urgência, já que todo ano tem férias. E havia tantas férias pela frente. Quando ela perguntava quando iríamos juntar as trouxas no mesmo armário, eu não sabia o que responder. Não entendia como ia funcionar a logística, pois em casa não tinha nem armário. E a cama era apenas um colchonete no chão frio. Quando ela perguntava quando poderíamos ter um cachorro grande e peludo, eu não sabia o que responder. Não entendia a pressa, pois a média de vida de um cão é de apenas 12 a 15 anos. Teríamos tempo para ver nascer e
Paulo Rebêlo 21.set.2010 Terra Magazine link A maior crueldade que uma mulher impõe a um homem é mostrar que não se recupera o que se deixou escapar. Marca o início de uma longa jornada de lembranças enviesadas e memórias chamuscadas sobre uma vida que poderia ter sido e não foi. Antigamente, a gente recebia o convite do casamento pelos Correios. Em geral, endereçado aos pais. Ficava sabendo pelos amigos em comum. Lia em letras miúdas no jornal. Com sorte, saberíamos anos depois. Com azar, o filho dela seria colega de classe da sua filha. Hoje, tem gente mais preocupada com o status no Facebook do que com a benção do padre e o carimbo do cartório. Em vez de saber anos depois, você descobre anos antes. Que ela já se foi. Que ela planeja ir embora. Que ela se vai. Que não pretende voltar. Os amigos em comum talvez nem existam mais. Tornaram-se desnecessários. Você a lê indo embora aos poucos. Até o dia em que ela se casa e você percebe que ela nunca se foi, você que ficou parado enquanto os anos passavam para ela. E sua única esperança recai em aderir às crendices tolas de vidas passadas ou
Paulo Rebêlo | setembro.2009 Ela pode ser linda a ponto de a gente ficar horas em silêncio olhando para aquelas curvas e cheirando aquela pele. Mesmo assim, é difícil admirar uma mulher infeliz. Não sabemos exatamente o porquê, mas hoje para onde olhamos parece só haver mulheres infelizes ou à espera de uma vida de novela. E a gente nem se parece com o Zé Mayer. Quando estão sozinhas, é uma infelicidade imensa porque estão sozinhas. Se jogam nas baladas, nos shows, nos cursos de todos os tipos, aulas de dança, ligam para amigas que nem lembravam mais (mas que conhecem muita gente) e assim passam os dias como se o escolhido da Matrix da vida delas fosse aparecer sempre hoje. E o azar dela é sempre a sorte de um zé ruela. Sim, porque sempre há um zé ruela de plantão. E o primeiro que aparece e liga no dia seguinte se transforma no dono da chave do seu coração da noite para o dia, a solução de todos os problemas tabajara. O desastre vindouro é amplamente conhecido de todas as mulheres do mundo, mas elas adoram um zé ruela. O tempo passa e, entre tantos zé ruelas espalhados pela cidade, não