Viagra da folha em branco

Paulo Rebêlo // agosto.2007

Não há nada mais ridículo do que a chamada síndrome da folha em branco. Pura enrolação, serve para preencher o tabelado espaço no jornal quando grandes escritores e consagrados cronistas ficam sem assunto – um eufemismo para preguiça ou ressaca do uísque falsificado de ontem. Então, escrevem sobre a falta de assunto até preencher os centímetros restantes.
Em inúmeras oportunidades, fala-se sobre a síndrome. É quando você olha para aquele papel dentro da máquina de datilografar, hoje a tela branca de fundo no Word, mas não consegue pensar sequer numa idéia para escrever aos leitores que, numa equação de seis graus de separação, são aqueles que pagam para você ruminar sobre a presente falta de assunto e corrente fase de medo da folha em branco.

Outros usam o argumento da ‘falta de inspiração’. Como se fosse preciso inspiração para pagar o aluguel, as contas de água, luz e telefone, para comprar o café-com-pão-manteiga-não. Balela. Quem precisa de inspiração é tuberculoso e aspirador de pó.

Se um jornalista chega para o chefe e diz que não pode escrever a reportagem por não estar inspirado, aquela sem dúvida será a última respiração dele. Se eu chego para minha gerente do banco e digo que não posso quitar a fatura do cartão porque estou sem inspiração para escrever, ela vai me dizer que o banco também não tem inspiração para filantropia.

Mas, quando um grande escritor ou um cronista consagrado não manda a coluna para o jornal sob alegações de estar sem inspiração, não tem problema. Talvez, até telefonem para ele e perguntem se precisa de algo, tipo uma garrafa nova de uísque importado, um charuto cubano, uma mulher com todos os dentes e sem bite-bite, enfim, um agrado qualquer.

Na semana seguinte, a criatura inspirada (e expirada) vai comentar sobre os e-mails e cartas de leitores preocupados com o sumiço. E na semana posterior, o arataca vai falar sobre as agruras de um cronista quando fica sem assunto. Na terceira semana, vai culpar a síndrome da folha em branco que já acometeu – supostamente – os maiores escritores da história. Não segundo eles, obviamente, mas segundo os preguiçosos que não sabem mais o quê escrever.

E quanto a você, que precisa escrever não apenas por necessidade financeira, mas também por necessidade psicológica, resta apenas usar estratégias belicistas de incentivo. Uma espécie de viagra da pseudo-literatura.

Há diferentes meios. A mais óbvia é pegar todas aquelas contas atrasadas e pendurar com fita isolante nas bordas do monitor. Assim, você não consegue se concentrar em mais nada e começa a escrever frases, quase no modo automático, ciente de que síndrome da folha em branco é pura frescura, invenção de gente preguiçosa.

Tão eficiente quanto, outra estratégia é pedir para a baranga da sua namorada, ou esposa, colocar uma roupa sexy e lhe esperar no quarto com a luz acesa. Depois de dez minutos, ao entrar no recinto e bater de frente com aquela visão do inferno, você vai relembrar de morbidez ainda pior: a síndrome da falta de sexo matrimonial. E a tal da folha em branco vai parecer brincadeira de criança de tão simples. Irá voltar ao escritório e, se brincar, escrever até um livro inteiro até amanhecer o dia.

Há inúmeras outras táticas, mas o espaço acabou. E diferentemente dos grandes escritores e consagrados cronistas, você não vai dar o mapa da mina, assim, de mão beijada. Agora, a única coisa a fazer é passar mais uma hora revisando o texto, trocando palavras e gerúndios, enquanto reza para que a baranga no quarto ao lado tenha enfim adormecido.

Logo você, pedindo favor aos céus. Tudo porque as contas estão atrasadas e você não teve dinheiro para comprar sequer um colchonete e colocar no escritório. Em momentos assim, de repente poderia escrever sobre a sensação de dormir no ambiente de trabalho, em meio a jornais velhos, revistas rasgadas, CDs, fios, farelos de biscoito e eventualmente umas baratas mortas.