Uma noite no supermercado

A primeira vez que entrei em um supermercado, sem precisar dar satisfação a ninguém, foi quase como ver aberta as portas do paraíso. Naquele instante, nem o céu islâmico com 76 virgens me pareceu tão interessante quanto aquele carrinho de compras e meu talão de cheques novinho, zero bala.

Se naquela época achar uma virgem já era impossível, imagine 76 delas de uma vez só. Alá seja louvado, mas ficou para próxima.

Quando criança, supermercado costumava ser um dos meus passeios preferidos. Eu via aquela enorme variedade de guloseimas e tinha vontade de colocar tudo para dentro do carrinho —  em casa poderia experimentar novidade por novidade e depois fazer anotações.

Como criança não manda(va) em nada, a única coisa que eu podia fazer era pedir vários iogurtes Chambourcy e doces diferentes, torcendo para que me comprassem ao menos um Chokito – o qual geralmente eu comia ali mesmo na fila do caixa. Nunca entendia como o paraíso acabava tão rápido.

A cada visita ao supermercado, impressionava o número de novidades não vistas na visita anterior. Mas a maior parte do passeio, e eu nunca entendia a razão, era naqueles corredores onde tudo é sempre igual. As frutas são as mesmas, as verduras também. A carne tinha umas diferenças, mas não adiantava porque a gente terminava levando só aquelas de promoção.

Eu perdia o sono sem entender porque a gente sempre tinha de comprar arroz, feijão e coxa de galinha se o supermercado oferecia milhares de outras coisas tão melhores, principalmente quando lançaram o tal do Lollo e meu reinado do Chokito ficou para trás. Meu sonho era ter uma caixa de Lollo só para mim. Vinha com cinco chocolates. E ainda dava para guardar aquela caixa azul com a vaquinha, servia para guardar bagulhos ou até mesmo chocolates de outras marcas.

Maravilhas assim eu não encontrava em nenhum outro lugar. Era exclusividade dali, quase como uma oferenda dos deuses da alta gastronomia naquele templo sagrado chamado supermercado.

Certo dia, fiz a proposta. Ao menos uma única vez a gente não compraria feijão. Trocaríamos por biscoitos e Chandelle. Fui voto vencido, mesmo calculando os preços para que a alternativa não saísse mais cara do que o habitual feijão com arroz. Foi quando comecei a desistir da matemática na minha vida. Na minha cabeça, se você vai fazer compras no supermercado que oferece 500 produtos diferentes, é matematicamente desumano você comprar apenas os mesmos cinco produtos toda vez.

O ASSALTO –

Já adolescente e de posse da lista de compras de casa, meu problema foi ver todas aquelas garrafas de vodca, de uísque e todas as diferentes marcas de cerveja sem poder colocar no carrinho. Qual seria a desculpa minimamente plausível para “esquecer” de comprar o bife cheio de nervo e a penca de banana, substituíndo-os por uma linda e lustrosa garrafa de rum?

Foi quando comecei a ver que nunca seria um cara inteligente, porque mesmo depois de visitar o supermercado tantas vezes, pensar em centenas de alternativas, vi que nunca conseguiria convencer ninguém em casa de que cerveja alimenta, tem nutrientes, é praticamente um pão de centeio em forma líquida. Poderia nos alimentar decentemente durante uma semana inteira e a gente ainda iria dormir muito mais feliz.

Passou pela minha cabeça inventar um assalto, o meliante teria tomado da minha mão a sacola com o feijão e o bife nervento, mas sem querer ele deixara cair outra sacola (que teria roubado de outra pessoa) e dentro dela estaria uma garrafa de Montilla.

Então, para não voltar de mãos abanando, eu teria pego ao menos esta sacola com as duas garrafas, afinal, melhor do que nada. Esse plano nunca deu certo, é verdade. Quer dizer, nunca teria dado certo porque ao chegar em casa certamente me obrigariam a devolver às garrafas ao verdadeiro dono e iriam descobrir minha trama etílico-maquiavélica.

Hoje eu entro no supermercado e vejo as crianças fazendo compras praticamente sozinhas, as mães só empurram o carrinho. Mãe, quero isso, quero aquilo, compra este aqui. As mães fazem sinal com a cabeça. Colocam refrigerantes, chocolates, pizza, iogurte de chocolate, sorvete.

Não existe mais cigarros de chocolate ao leite que eu adorava, eu me sentia homem de verdade fingindo que tava fumando perto do caixa do supermercado, deixava para mastigar o chocolate apenas quando a gente saía dali.  Mas há centenas de novidades que antes não existiam, talvez até melhores. E a gurizada come tudo loucamente.

Quando os vejo empurrando tudo para dentro do carrinho, cada vez mais obesos, doentes e principalmente barulhentos, fico sem saber se devo agradecer à senhora minha mãe por nunca ter deixado isso acontecer ou se devo mandar a fatura antecipada de uns dez anos de terapia.

Na minha primeira noite no supermercado, sem dever nada a ninguém e sem precisar prestar contas da quantidade de bebida e da ausência de comida, devo ter comprado tudo que me chamou a atenção e que eu nunca havia experimentado antes.

Vinte caixas de pizza, dez litros de sorvete, inúmeros chocolates, pão doce (daqueles cheios de guloseimas por cima), croquetes, kibes, leite de chocolate e tudo mais que coube no carrinho. Tinha coisa que eu não fazia idéia que existia ou como iria preparar, mas se na embalagem havia as instruções, eu poderia aprender depois.

Comprei tudo, menos feijão, arroz e coxa de galinha.

Quando passei pelo caixa, fiquei com vergonha da atendente bonitinha que olhava para as compras achando tudo meio anormal, um espanto o qual respondi ser para a festa de natal dos meus dezoito primos e treze sobrinhos que estavam vindo do Sertão. E as garrafas eram para os pais das crianças, porque você sabe, sertanejo gosta de um aperitivo antes das refeições…

Ao menos ganhei um sorriso com aquela pequena mentira e, mais aliviado, continuei a esvaziar o carrinho.

Três horas depois de entrar no paraíso, minha primeira noite naquele templo da alta gastronomia tinha tudo para ser melhor do que 76 virgens lindas e loiras no céu estrelado, ao menos se eu não tivesse esquecido o talão de cheques antes de comprar o supermercado inteiro.

Voltei para casa com um Chandelle e uma latinha de Antarctica. Feliz da vida.