Uma mesa de pôquer

Paulo Rebêlo // março.2007

Por um motivo alheio à razão de quem joga, pôquer é um jogo que encanta os homens rapidamente e, na mesma proporção, não exerce a mesma influência nas mulheres. Tem gente que tenta procurar a relação do pôquer com futebol ou automóvel, até agora sem sucesso, para explicar o fenômeno. O irônico é que, das poucas mulheres que conheço adeptas de pôquer, todas jogam bem.


É uma pena que pôquer não tenha sequer metade do romantismo do cinema. Enquanto a gente joga, não há belas mulheres com as pernas de fora que ficam encostadas em nosso ombro. Não existe aquele cidadão que leva a filha/neta/sobrinha de microssaia e decote até o umbigo para atrapalhar a atenção dos outros jogadores e, assim, levar toda a bolada de dinheiro. Em uma mesa de pôquer, ninguém nunca tira o Royal Street Flush (o melhor jogo) na última rodada, como sempre acontece no cinema.

O jogo nunca é interrompido com alguém que arromba a porta e entra atirando. A gente não joga de paletó e gravata, no máximo uma camisa social quando vem do trabalho. O dinheiro que você perde sempre é quase a mesma quantia que você vai ganhar no próximo jogo. Depois de seis meses, você vai na sua planilha do Excel e percebe que perdeu tanto quanto ganhou, mas que aprendeu um bom bocado nas histórias que se conta na mesa. Pois, sim, também diferente do cinema, uma mesa de pôquer não é silenciosa. Geralmente é quando a gente encontra aquele pessoal que não tem tempo para jogar conversa fora no bar e, durante o jogo, todo mundo coloca o assunto em dia. É barulhenta. E desorganizada.

Não existe ninguém que anuncia as jogadas, nem ninguém com a única função de recolher e distribuir as fichas como acontece nos cassinos e, claro, no cinema. Quem joga é quem precisa contar as próprias fichas, prestar atenção se a conta de todo mundo está certa e, no final do jogo, organizar por cores, guardar na caixa e voltar para casa com aquele trambolho cheio de fichas coloridas nas costas.

E o mais difícil do pôquer – além de encontrar pessoas em número suficiente para jogar – é achar um lugar minimamente adequado para jogar. Ou seja, uma mesa de tamanho médio onde ninguém fique olhando para as cartas do outro e, preferencialmente, uma geladeira com congelador para fazer gelo. As mesas redondas são as melhores, pois ninguém fica exatamente lado a lado. E gelo de água de côco é sempre bem-vindo, para acompanhar com o uísque barato que o mais pão-duro da mesa sempre acha “ótimo”.

Encontrar um lugar – geralmente, na casa de um dos participantes – é uma equação complicada. Porque como a maioria do povo é casado, há sempre o risco de a esposa/marido ficar em casa durante a jogatina. Quando isso acontece, ou a criatura vira papagaio de pirata (enxeridamente irritante) ou vai querer regular a hora de terminar o jogo, o barulho na casa por causa dos vizinhos, a bebida em excesso, o horário porque amanhã é dia de trabalho e já passou da meia-noite e assim por diante…

No caso dos solteiros, o problema é o inverso: a dificuldade é convencer as esposas/maridos a liberar o pobre cidadão de ir passar quatro horas temporariamente desligado ou fora da área de cobertura… jogando pôquer com outros quatro marmanjos barrigudos na casa de um cara solteiro. Elas sempre desconfiam, juram que será igualzinho ao cinema, com belas e magras mulheres sentadas no colo dos barrigudinhos e perguntando se a carta é de espadas ou de… paus.

LÁ e LÔ –

O fascínio do pôquer não reside na quantia que você ganha ou perde, quiçá na sorte durante a distribuição das cartas, mas, sim, no que você pode aprender sobre si mesmo. Para quem gosta de ler pessoas e observar comportamentos, é um prato cheio. De fichas.

Os cobras dizem que a diferença entre um bom jogador de pôquer e um jogador medíocre é a habilidade de blefar. E a diferença entre um bom jogador e um jogador melhor ainda é a habilidade de blefar apenas na hora certa. E o que leva um jogador realmente bom a um nível superior é a capacidade de ler as pessoas. Quando se aprende a ler o que as pessoas vão fazer em determinadas situações comuns, nada mais surpreende. No pôquer e na vida real.

E assim é a relação entre as pessoas. Blefes certos, blefes errados, mas sempre um resultado. Até o dia em que uma atitude ridiculamente surpreendente não surpreende. E a cada nova ficha na mesa, você se pergunta se teria apostado menos ou apostado mais se pudesse voltar ao início de uma rodada. Ou se teria investido mais ou investido menos se pudesse voltar no tempo em um determinado período da sua vida, nem que seja poucos anos atrás.

Depois de vários anos a tentar ler e antecipar o que as pessoas vão fazer, você pode finalmente parar de se surpreender. E quando as décadas de experiência enfim chegam, geralmente a gente não tem mais tempo de corrigir nada. Ou de mudar coisa alguma. Sobre isso, apenas na próxima crônica.

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