Pensei ter parado de escrever, mas na verdade apenas parei de escrever para mim.
São 25 anos batendo texto e conteúdo para jornal, revista, sites na internet e, mais recentemente, para empresas. Então me parece natural achar que meus caracteres são melhor aproveitados quando carregam as experiências dos outros, não as minhas.
Nestes anos recentes, talvez sob a égide do ódio dilacerante multiplicado pelas redes sociais, acho que inconscientemente reprimi meus próprios rabiscos sob o temor das interpretações internéticas e dos entendimentos enviesados.
Ao mesmo tempo, alhures contabilizo centenas de posts em blogs e redes sociais, milhares de páginas em textos alheios, artigos assinados pelo nome dos outros, discursos, memorandos, argumentos, contratos, e-mails, pautas e até bilhetes de amor.
Lamento não terem sido meus os bilhetes.
Bilhetes que garçons e desconhecidos pediram para escrever por eles. Nas tantas noites insones vagando pelas ruas – de tantas cidades, tantos países e tantos amores – em busca de um fiteiro, de um bar ainda aberto ou de um filé parmegiana.
Troquei muito bilhete por uma cerveja.
Mas queria escrever meus próprios bilhetes.
Bilhetes de carinho por amigos e familiares que ainda estão vivos, antes que eles partam. É um débito infinito, e que nunca conseguirei pagar, por terem moldado a criatura que me tornei.
E também meus próprios bilhetes de amor.
Bilhetes de amor sem compromissos, de amor sem diálogo e amor sem palavras. De amor sem explicações e às vezes até de amor sem amor. De amor por quem nos ama e não conseguimos amar de volta. De amor por quem ainda amamos e talvez de amor por quem não nos ama mais.
Quero escrever para meus pais, para que outros pais entendam o quanto o amor infinito e a abdicação da própria vida, em benefício dos filhos, às vezes fazem a gente nunca querer ser pai na vida.
Quero escrever sobre o quanto não gosto de crianças, sem medo de parecer uma pessoa péssima – embora continue sendo uma pessoa péssima, mas por outras razões.
Bilhetes para mim mesmo, sobre a sorte que tive na vida sem nunca merecer e, pior ainda, sem fazer por onde. Sobre a frustração de não conseguir dividir ou compartilhar a mesma sorte com quem teve azar.
Sobre a loteria genética da natureza e a enorme injustiça da biologia (e da gastronomia) em permitir que eu tenha chegado até aqui sem doenças, sem pressão alta, sem taxas desreguladas, sem diabetes, sem cirurgias, sem restrições alimentares e sem precisar tomar remédios diários.
Também quero escrever bilhetes para o além, sobre as tantas vezes que vi a Morte de perto e o quanto a respeito – sem admiração alguma, mas também nenhum medo, apenas como uma reflexão recorrente da ingrata inevitabilidade do fim.
Pensando bem, desconfio agora se com tantos bilhetes para os outros eu vou conseguir escrever para mim.
Foto em destaque:
Um quase autorretrato.
Pelas ruas da Cracóvia, Polônia. Abril de 2007.
Sony-DSLR A100 | 40mm | 1/6 | f/5.6 | ISO 100