Paulo Rebêlo // junho.2000
O nhém-nhém-nhém começa em maio. Algumas agências de publicidade se arriscam a anunciar o dia dos namorados um mês antes, com os clichês que ninguém conhece: “você não vai deixar de comprar o presente da sua namorada na última hora, vai?”. Ainda em maio, os motéis começam a anunciar as promoções para o mês de junho: “em junho, mês dos namorados, suítes luxo pelo preço das simples” e por aí vai.
Tudo muito belo, tudo muito bonito. Chega o mês de junho, e logo nos primeiros dias o bombardeio de publicidade começa. No trânsito, parece que todos os outdoors falam o mesmo idioma: promoções para o dia dos namorados, belos casais se abraçando — com a logomarca de determinadas empresas ao lado — e mensagens românticas estampadas no letreiro. É interessante notar como, nas propagandas, todos os namorados são iguais. Belos, brancos, felizes e com dinheiro para gastar.
Saio às ruas, dessa vez não de carro, mas a pé. Ingenuamente, imagino que andando a pé não prestarei tanta atenção aos outdoors. Realmente, não presto … sem duplo sentido. Por outro lado, agora preciso me contentar com a publicidade vinculada nos ônibus ou, se preferir, os outbus impestantes. Dia dos namorados para cá, dia dos namorados para lá, dia dos namorados para acolá, e estamos na primeira semana de junho.
O dia 12 se aproxima, as propagandas estão na televisão, no rádio, no jornal, na Internet… e na cabeça das pessoas. Os que não têm namorado(a) parecem esquecer desse singelo e pequeno detalhe, e começam a divulgar o dia e a propagar mensagens pela Internet como se tivessem vinte namorado(a)s. Pior, me acrescentam nas listinhas de e-mail e começam a mandar figurinhas, coraçõezinhos, bichinhos e um monte de lero-lero e blá-blá-blá.
Fico pensando como fica o pessoal que terminou de sair de um namoro, vai passar o dia dos namorados mofando e roendo, e ainda é obrigado a aturar isso tudo. Meus pêsames, vocês estão todos ferrados. O pessoal que não está com a cabeça muito boa termina entrando em parafuso e caindo na fossa sentimental que a gente nem conhece…
E tem o dia das mães, dia dos pais, dia do sobrinho, dia do primo, dia do papagaio, do cachorro… contudo, são “dias” sem toda a parafernália de publicidade vista no dia dos namorados, possivelmente porque no dia das mães (ou dos pais, ou do papagaio) não dá para fazer campanha publicitária envolvendo motel, decote, minissaia e outros piripaques. Quer dizer, o dia dos namorados tem um leque de vantagens sobre os outros “dias”. Melhor (ou pior) ainda, o dia dos namorados é que nem um computador rodando Windows: é multitarefa, pois também vai servir ao pai que quer comprar presente para esposa e vice-versa.
Tudo é amor, tudo é motivo para a lavagem cérebro-comercial. Outro dia uma concessionária saiu com a série de anúncios sobre seus modelos de carros como sendo os mais propícios ao namoro, por serem espaçosos, confortáveis, ar-condicionado, bancos reclináveis… só faltou dizer que tinha como opcional um porta-camisinhas e um espelho (retrátil) no teto. A impressão é que fulano vai comprar o carro no dia 11 para namorar dentro dele no dia 12.
Abro um determinado jornal e começo a ler. Vou contando e chego a 11 anúncios de empresas vinculando seus produtos ao dia dos namorados, algumas com um nada-a-ver impressionante mas, vá lá, nessas horas todo mundo é romântico. Quem sabe, lá no fundo (também sem duplo sentido) o dia dos namorados tenha algo relacionado com a venda de carros usados? Uma propaganda poderia dizer algo do tipo: “Carro usado é que nem a sua ex-namorada: depois de você, começa a dar para todo mundo. Mas aqui na revenda Xinaniana é diferente, carro usado é que nem a namorada dos outros: novinha, bonita, cheirosa e com tudo em cima.”
Pois é, ponto para os motéis. Chego aos 11 anúncios e decido fechar o jornal, seria coincidência demais contabilizar 12 anúncios. Desisto, no dia 13 eu volto a ler o mesmo jornal.
Se você também integra a facção dos que não agüentam mais olhar para os lados e ser entupido de propagandas com casais ricos, bonitos, altos, malhados e felizes, não entre em desespero, pois no dia 13 a ladainha recomeça: “O dia dos namorados foi desgastante? Venha relaxar no Dá-Ou-Desce”, ou então: “Aqui no Motel Dobradinha o dia dos namorados ainda não acabou, você paga por uma e dá duas!”. As lojas (re)começam: “Esqueceu de comprar o presente dela? Corra, ainda há tempo para reconciliação”. E assim sucessivamente. É muita criatividade, não?
Fiquei enjoado dos outdoors e das propagandas em jornais e revistas. Vou navegar na Internet, agendar algo para fazer (sozinho) no dia 12 que não me faça passar de carro na frente de algum motel, pois, pelo contrário, terei que enfrentar um trânsito infernal nas proximidades dos motéis e, se brincar, ainda dar de cara com alguma ex-namorada ao lado de alguém doze vezes mais feio, doze vezes mais gordo e doze vezes menos ranzinza do que eu. O bom é que nessas horas todo mundo se conhece e lá na fila da entrada todo mundo se saúda: “Oi, tudo bem? Você por aqui, que surpresa…”.
Já na Internet, abro a página de um grande portal, para ler as notícias e revistas. Para minha felicidade, os anúncios das versões impressas não estão nas versões on-line dos veículos de comunicação. Assim que entro, vejo estampado em letras gritantes: “O dia dos namorados está chegando, você só tem mais 24 horas. Entre no Almas Penadas e arrume logo o seu par, não perca tempo!”.
Parece uma bomba prestes a explodir, com contagem regressiva. Tenho apenas 24 horas para arrumar um “par” e o tempo está passando… e ainda botam a culpa para cima de mim. E eis que uma página sobre as Almas Penadas se dispõe a arrumar namorada para todo mundo. Ah, tempos modernos… tem até dicas de como se portar no primeiro encontro, o que fazer e o que não fazer… é, muito interessante, vou imprimir e entregar para meu sobrinho de 4 anos que, dia desses, disse que estava de “namoro sério” e que tinha até conhecido os pais dela.
O curioso que vos fala resolve listar os depoimentos do tipo “mickey mouse” (rato) das almas penadas e fica impressionado. “Só faltam dois dias para o dia dos namorados, alguém me ajude !!!” apela uma fulana (feia que dói), desesperada. Fiquei pensando que tipo de ajuda ela queria e só me veio à cabeça alguém que se dispusesse a fazer-lhe companhia durante todo o dia 12 e no dia 13 cada um iria para seu lado. Vai ver ela está precisando só de uma “manutenção”.
É quase meia-noite, o sono está batendo e amanhã, dia dos namorados, minha agenda está lotada. Tenho 3 filmes para assistir, três artigos para entregar, um livro para terminar de ler e uma loira estupidamente gelada me esperando no barzinho da esquina — não, aqui ninguém falou em afogar as mágoas, isso aí foi dedução exclusivamente sua.
Chega a hora de desligar o computador, mas não antes de dar uma olhada naquele depoimento no Almas Penadas de uma moça aqui da minha cidade… provavelmente, mais uma desesperada. Hilário seria se eu a conhecesse, não a perdoaria por tanta futilidade. Não a conheço, e também não li depoimento algum, pois não havia. Por outro lado, a foto está disponível … mas quanto desespero.
Até a foto, para todas as almas penadas olharem! Trata-se de uma moça até bonitinha… o que alguém como ela estaria fazendo sozinha no dia dos namorados? Impossível, deve ser um gaiato querendo brincar.
Passo um e-mail parabenizando-o pela brincadeira e perguntando se ele recebeu muitas mensagens desesperadas de homens atrás de namoradas em “caráter de urgência”. Minutos depois, “ele” me responde sendo “ela” dizendo que não era brincadeira e que não agüenta mais ouvir falar em dia dos namorados, que já está entrando em parafuso, etc e tal. Pois é, temos algo em comum.
O sono continua, mas tudo bem, a gente resolve abrir uma sala de bate-papo para meter o pau (sem duplo sentido, obviamente) na futilidade das pessoas, na falta de criatividade das agências de publicidade (ou das empresas que as contratam), e principalmente na falta de senso crítico de todo mundo que se deixa levar por coisas assim. O papo rendeu, o sol começa a aparecer na ponta da janela… mas dormir faz bem e eu gosto.
Amanhã, dia dos namorados, vamos terminar a séria discussão almoçando em um restaurante do Shopping, que por coincidência fica em frente às salas do cinema. Evidentemente, o tema central de nosso debate continuará fixo na futilidade e falta de senso crítico das pessoas.
Mas acho que levar um presentinho não vai fazer mal a ninguém…