Palpitações cardio-cibernéticas

Paulo Rebêlo // março.2004

Antigamente era mais fácil se apaixonar. Por conseguinte, também era maior a facilidade de gerenciar as palpitações cardíacas. Até que resolveram inventar o computador, a internet, as mensagens instantâneas, a webcam e, pior de tudo, a maldita idéia de que todo mundo precisa estar plugado para não ficar fora da chamada sociedade da informação. Quanta pieguice. Resultado: hoje, tudo ficou bem mais difícil. Parece que vivemos todos na Matrix. E não aparece sequer uma Trinity para nos salvar.


Antes, o peito só apertava quando o telefone tocava — ou se deixava de tocar na hora marcada. Chegar em casa e “ninguém” ter deixado recado era o apocalipse. Suava-se frio quando ela se atrasava para um encontro na praça – a gente nunca sabe quando é atraso ou quando ela não vem mesmo. Ao menos isso ainda não mudou.

Batia a tristeza-padrão quando chegava a hora de ir embora. E aqueles planos de passar o fim de semana juntos na praia (ou em qualquer lugar longe da cidade), quando não davam certo, tinham efeitos parecidos a um ataque terrorista… mas com as bombas jogadas dentro dos ventrículos. Dos seus.

E as cartas? Mandar carta para a paixonite, mesmo estando na mesma cidade, exercia um poder imenso. Todo mundo adora receber carta pelos Correios. Entregar a carta pessoalmente, ou por intermédio de alguém, também era fascinante — o carteiro podia perder a carta mais importante de todas ou demorar a entregar, não é?

Com o passar dos anos, a gente aprende a lidar com essas palpitações cardíacas. E até fazemos deboche de como fomos tolos e pueris.

Hoje, é fácil segurar as pontas quando o telefone toca e não é ela. Pois mil e uma pessoas ligam para você hoje, que não ligavam ontem; mil e uma coisas podem ter acontecido que outrora não aconteceriam. Ah, e hoje existe bina. Hoje é muito fácil conhecer gente nova. É fácil sair. Muito fácil ter um caso extra-conjugal; mais fácil ainda manter este caso. Facílimo manter contato com sua paixonite, até todos os dias se você quiser — e olha que telefone está virando peça de museu.

Ninguém precisa mais planejar fugas mirabolantes para burlar o ultra-conservadorismo dos pais, tios ou avós. Hoje, dizem para os filhos que é até mais seguro voltar para casa de manhã cedo do que pela madrugada ou tarde da noite. Pois é, pelo menos para alguma coisa serviu a violência urbana!

Escolher o lugar para marcar um encontro deixou de ser aquela epopéia de antes. Preocupar-se com o quê as pessoas vão pensar, ao ver vocês dois se agarrando, deixou de ser preocupação. Dizer que namora alguém por um mês sem nunca ter dado uma furunfada (ou por uma semana? Estou desatualizado) é o mesmo que assinar um atestado de debilidade mental. O que de certa forma até é…

Se relacionar ficou bem mais fácil. Quando dá certo, é ótimo. Ninguém reclama do computador, é só elogios. Aquilo que vem para facilitar é bem-vindo. Difícil ficou gerenciar a quantidade de palpitações as quais nos tornamos passíveis quando a paixonite não dá certo.

EU TECLO, TU TECLAS, ELE LOGA –
Além de todos aqueles apertos retrógrados que a gente tinha, agora as pessoas têm que segurar as pontas quando abrem o Outlook e não vêem um e-mail da paixonite ambulante. Nem uma mensagem sequer. Os mais conservadores resolvem telefonar, isto é, usufruir daquele aparelho ultrapassado. Só que o telefone vai dar ocupado porque ela está na internet. Pois é, está conectada e não passou nem um e-mail…

Mensageiros instantâneos, tem ICQ, MSN, Yahoo, o escambau. Nossa sorte é que não somos o homem-aranha. Porque é de subir pelas paredes a sensação de estar tão perto e tão longe ao mesmo tempo. À distância de um clique, à distância de quilômetros.

O tal do ICQ é chato pacas. Você pode configurar para dar aviso sonoro diferente quando certa pessoa entra online. E tem aquele recurso de ficar invisível, que todo mundo usa quando está brigado – ou quando quer esquecer alguém que sempre inventa de aparecer justamente nas horas em que você está online… pegando e-mail.

E o MSN? Talvez o pior de todos, porque muitas vezes é preciso usá-lo por obrigação profissional. É uma agrura de vida ver o nome da pessoa online e não saber o que falar. Às vezes nem poder falar, para não complicar ainda mais a situação. Então esperamos que ela “desconecte”. E quando faz isso, é muito pior. A conexão pode ter caído, mas ela também pode ter saído, ido se divertir, enfim, fazer qualquer coisa… sem você.

Ela também pode estar invisível no programa, exatamente para evitar que você caia em tentação e clique em cima do nome e comece a falar que quer vê-la, que está com saudades. E cá para nós, essa história de resistir tentação também está ultrapassada.

O mais cômico-ridículo desses programinhas de computador é ver as pessoas trocando de apelido (nick). Tem gente com cento e vinte contatos na lista, mas troca o nick para chamar a atenção de uma única pessoa. Pessoa tal que, não dificilmente, sequer vai notar a diferença do nome. E se notar, vai fingir que não entendeu. E as outras cento e dezenove vão notar e perguntar a você o motivo da mudança.

E a gente jura que amadureceu.

VIVA A PRIVATIZAÇÃO –
Telefone celular antes era uma coisa razoável. Havia apenas a vontade de jogar o aparelho pela janela quando se ouvia “fora da área de cobertura ou temporariamente desligado”, ou seja, quase sempre.

Hoje, todo aparelho pode enviar e receber mensagens rápidas de texto. Até foto! Você pode estar no meio de um jogo de futebol, de um show de rock, e passar uma mensagem marcando a hora para se encontrar ou dizendo que está com saudades. É uma coisa tão fútil… mas funciona. As pessoas se derretem com essas mensagens de celular. Dá uma sensação de proximidade.

O pior não é a ansiedade de enviar uma mensagem dizendo que sente saudades. É a expectativa de receber a mensagem de volta sem reciprocidade. E quando não acontece, a vontade continua de jogar o aparelho pela janela, para logo em seguida se jogar também. Para os mais afoitos, claro.

O grande problema é o fato de ser bem mais fácil ser frio (ou objetivo) pelas teclinhas do celular ou do computador.

Curiosidade não mata; expectativa, sim. Tem hora que a gente vira escravo daquele envelopezinho que aparece no visor do aparelho, indicando recebimento de mensagem. Ficamos doentes esperando o apito. E o bicho apita, a gente aperta uns botões e começa a ler. Ledo engano. É mensagem de outra pessoa ou é propaganda da operadora oferecendo desconto em show.

Existe situação mais ignóbil do que ficar olhando para o celular, de cinco em cinco minutos, esperando aparecer aquele envelopezinho com mensagem? O aparelho apita, mas a gente sempre acha que pode ter chegado uma mensagem e não ter escutado o apito.

Apesar dos pesares, nosso saldo é positivo. Podemos sempre nos consolar dizendo que a geração nascida hoje vai ter bem mais dificuldade. Vão precisar gerenciar tudo isso aí e muito, muito mais. E enquanto existir a conta telefônica para controlar nosso acesso irrestrito à internet, estamos é no lucro.

Diacho é que inventaram a banda larga.

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