Paulo Rebêlo // dezembro.2006
Depois dos ataques terroristas do 11 de setembro, o terrorismo mudou de lado. Em vez dos loucos ensandecidos que entram em processo auto-explosivo em nome de um pseudo-deus qualquer, agora a gente precisa ter medo – e enfrentar – os terroristas que usam o crachá do aeroporto. Com leis de segurança ridículas que não funcionam, qualquer pessoa pode ser um terrorista em potencial. Eles fazem você tirar os sapatos, abrir a mala, confiscam seus pertences pessoais e mandam abrir o cinturão da calça na frente de todo mundo. E quando você está sem banho, sem fazer a barba, com a roupa amassada, cabelo despenteado e olheiras, a cena fica a um palmo de ir parar na delegacia mais próxima.
O problema é que esses gaiatos nunca pedem para as galegas boazudas fazerem o mesmo, como se apenas homens pudessem ter bombas amarradas na cintura. Quem me garante que a galega logo ali na frente não carrega explosivos amarrados nos peitos? Aliás, aqueles peitos enormes podem muito bem não ser peitos de verdade, mas explosivos. Explosivos de silicone, que sejam, mas explosivos. Só que os terroristas de crachá nunca nos dão a oportunidade de presenciar uma vistoria assim.
É incompreensível as pessoas insistirem nessa migração em massa para os céus sempre na véspera de Natal e logo depois das festas, em vez de todo mundo ficar em casa enchendo a cara de pinga, espetando a galinha de capoeira e cantando jingo-bell-acabou-o-papel. Não, a galera tem que pegar um danado de um avião, congestionar o trânsito inteiro – terrestre e aéreo – e ir sempre para os mesmos lugares romantiquinhos e luminosos. E depois da ceia de Natal em que familiares que se odeiam trocam abraços e apertos de mãos, todos voltam no mesmo avião agradecendo aos céus por aquilo ter acabado.
Este ano, meu Natal haveria de ser longe daquela criatura gorda e barbuda (não sou eu, falo do papai noel) e, por isso, resolvi imitar tirador de côco e entrei com os dois pés. Fui passar o Natal no deserto africano, nas portas do Saara, com camelos, dromedários, pseudo-árabes que falam inglês e, quem sabe, uma muçulmana não-ortodoxa, não-terrorista e preferencialmente não-exigente em matéria de homem.
Epopéia natalina –
O único porém é que para chegar nas portas do Saara é preciso viajar de avião e aterrisar em algum dos países do norte africano. E fazer conexões em aeroportos. E lidar com os terroristas aéreos. E com os outros passageiros. E enfrentar filas. Aturar atrasos nas decolagens. Pagar uma fortuna por um dedo de café. Ir ao banheiro com todas as malas e tropeçar em tudo na hora de usar o papel higiênico.
O terrorismo aéreo começa logo cedo. Ciente de que os aeroportos se transformam em manicômios durante feriados, chego com duas horas e meia de antecedência e um litro de cerveja preta no bucho para aguentar a provável fila do check-in. Quando olho, não vejo ninguém. Uma única alma viva não estava na fila da companhia aérea. Tá certo que ninguém quer ir para o deserto no Natal, mas assim também já é demais. Faço o check-in em cinco minutos e sobram duas horas para me dedicar ao provável esporte nacional do deserto na Tunísia: coçar o saco e assoviar.
Quando finalmente entro na minúscula fila para o raio-x das malas, eis que ele aparece: o terrorista de crachá. Eu não vi ninguém abrindo a mala, mas é claro que o gordo barbudo (agora sou eu, não o papai noel) tinha que ganhar na loteria e abrir a mala. As leis de segurança internacionais fizeram o terrorista de crachá confiscar, sem dó e sem piedade, meu desodorante novinho, meu creme de barbear novinho, meu xampú novinho e minha pasta de dentes novinha com efeito branco-refrescante. Tudo eu acabara de comprar na lojinha do aeroporto, pagando um valor superfaturado em pelo menos 500% porque havia esquecido em casa esses penduricalhos.
Desde agosto de 2006, é proibido levar líquidos por causa da celeuma do explosivo líquido. Mas, creme de barbear? Desodorante? Pasta de dente? E a catinga que vai ficar dentro do avião daqui a umas oito horas, depois das conexões, viradas de noite etc.? Não conta? Aparentemente, não conta. Enquanto isso, a mesma mala de mão tinha uma gilete de barbear, um isqueiro e uma tesourinha. Que não foram confiscados. Camelos me mordam!
Fiquei eu, sem pasta de dentes, sem poder fazer a barba, sem desodorante e sem xampú para os poucos cabelos que ainda me restam. Como ainda há uma semana pela frente, o jeito é pedir a Alá que a muçulmana não-ortodoxa, não-terrorista e não-exigente também tenha um não-olfato quando eu chegar no deserto com minha garrafinha de coca-cola e minha caricatura de Maomé.