O futuro de ontem

Paulo Rebêlo
JC/NE10 – 17.junho.2014
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Lembro de madrugadas insones quando pensava: o que eu faria se ela batesse à porta agora, às três horas da manhã?

Pura retórica. O que consome a gente não é saber o que vamos fazer na hora, pois isso a gente sabe melhor do que ninguém. É saber o que vamos fazer depois.

Até porque o dia amanhece e a campainha nunca toca.

A carta também nunca chega, os amigos nada sabem. Ou nada dizem.

É como se a sua vida de ontem tivesse se transformado neste limbo assombrado antes de dormir. Mesmo quando não temos mais esperança, continuamos pensando no que vamos falar quando a criatura aparecer do nada.

Acho que só deixamos alguém, de verdade, quando paramos de esperar.

Pela campainha que vai tocar, pelo celular que vai apitar, pelo sinal de fumaça para atravessar a rua, atravessar a cidade, atravessar o Atlântico.

Ali, no cantinho de casa, a gente sabe que nossa mala de seis quilos fica pronta em cinco minutos. Se na vaidade da juventude a gente não precisava de mais do que isso, por que agora precisaríamos?

A espera acaba com tudo. Mata primeiro a esperança por falta de ar, depois sufoca a expectativa de futuro com o travesseiro que ela deixou e, aos poucos, engole até os sentimentos bons em relação a si mesmo. A espera acaba com a gente, vê que não tem mais nada para levar e mesmo assim não vai embora.

Talvez por isso a gente só deixe alguém, de verdade, quando deixamos de esperar.

Espero que esse dia chegue logo.

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