Paulo Rebêlo | outubro 2022
Apenas dois anos dividem as campanhas eleitorais de 2020 e 2022. E apesar do pouco tempo, o impacto foi significativo.
Quando a gente entra nas comunidades menos favorecidas – eufemismo para os lugares abandonados historicamente pelo Estado – eu sempre observo, procuro, pergunto; mas não consigo encontrar mais nada que me cause impacto, surpresa ou alivie minha frustração em loop infinito.
Ao passo que continuamos o teatro da panfletagem eleitoral, entre abraços, acenos, promessas, apertos de mão e beijos nas crianças, mantenho-me invisível por trás das câmeras e só apareço quando encontro um fiteiro.
Sempre fui fã de fiteiros.
E acho que me tornei cliente preferencial desde a época em que eu perambulava insone pela madrugada nas ruas do Recife, na primeira metade dos anos 2000, em companhia dos vira-latinhas sem dono da Conde da Boa Vista. E de um maço de cigarros no bolso. Que, aliás, eu nunca fumava, mas amanhecia o dia vazio.
Fiteiro de subúrbio é outra categoria de alegria. Muito superior. E são nas campanhas eleitorais quando encontro todos os melhores fiteiros, nos rincões das cidades onde as eleições me levam a cada dois anos.
No fiteiro de subúrbio, eu coloco dois reais no balcão e recebo zilhões de confeitos. De todas as cores e sabores. No centro da cidade, se eu entregar dois reais, provavelmente levo um tabefe na cara e uma voadora no bucho.
Mas ali, graças ao fiteiro de subúrbio, o teatro eleitoral daquela noite termina e eu não consigo terminar os confeitos. Sobram vários no bolso da calça, no bolso da camisa, na bolsa da câmera.
Quando o fiteiro é maiorzinho, eu esbanjo e faço pose de rico. Coloco mais dois reais e recebo um quartinho de cana, um cigarro solto e um monte de pirulitos. Aliás, outra frustração recorrente é ter levado tanto tempo para perceber o quanto as pessoas gostam de pirulito.
Acontece que meus dois reais já não compram mais tanto pirulito.
Não gosto de confeito, nem de pirulito, e também sei que dois reais não servem para aquecer a economia de lugar nenhum. Mas os confeitos aquecem a receptividade da dona do fiteiro. E os pirulitos aquecem o coração de quem participa dessas caminhadas carregando um peso nas costas: a bandeira do candidato ou a frustração do eleitor.
Meu pirulito também serve para multiplicar conhecimento. Porque quando os fiteiros abrem a grade para falar comigo, eles também abrem a janela da fofoca comunitária.
Nesse exato instante, se eu acender e der uma baforada no cigarro, geralmente ainda ganho meio copo americano com café de graça e, por tabela, ganho a ficha corrida de toda a vizinhança – incluindo em quem eles votaram e o que acham (de verdade) do candidato x, y, z.
Engraçado que eles costumam achar a mesma coisa que eu acho. Nem isso causa mais surpresa.
Talvez os donos de fiteiro compartilhem tudo isso comigo porque não me levam a sério: por causa da câmera ou por causa da minha cara de desenho animado.
Ou talvez eles falem demais porque pensam que sou retardado. Afinal, estão olhando para um tiozinho careca e barbudo comprando um monte de pirulito para distribuir.
Considerando que o café é tão doce que parece mel de abelha, e os confeitos eu termino comendo boa parte para ter desculpa de comprar mais na próxima caminhada, é quase um milagre sair de uma campanha eleitoral sem ser diagnosticado com diabetes.
Chegamos ao fim de mais um período eleitoral e constato que meu pirulito já não rende mais como antigamente. Com dois reais, o fiteiro me entrega apenas meia dúzia de pirulitos e uns quatro confeitos. Sem o cigarro. Sem o café requentado.
Essa inflação toda me obrigou a ser mais seletivo com meu pirulito.
Antes eu entregava vários confeitos e distribuía os pirulitos para todo mundo da equipe, e ainda sobrava xaxá e 7-belo para as 200 mil crianças que caem do céu nessas caminhadas e se multiplicam mais rápido que os gremlins. Agora não dá mais, acabou a farra do boi.
Nas próximas eleições, farei jus à máxima filosófica de “quanto mais velho, mais safado a gente fica“: vou entregar pirulito apenas para as moças mais bonitas que seguram as bandeiras e os cartazes dos candidatos. As bandeiras são muito pesadas. Elas precisam de glicose para repor as energias.
E no meio de tanto descaso e canalhice – ou da minha velhice – vou me divertir vendo as moças com um sorriso no rosto e um pirulito na boca.
Mesmo não sendo o meu.
FOTO EM DESTAQUE
Mercadinho de bairro em Paulista (PE).
Região Metropolitana do Recife. Setembro 2022.
Canon 6D | f/3.5 | 1/125s | ISO 3200 | 60mm