Paulo Rebêlo // março.2002
Quando foi a última vez que você convidou alguém do sexo oposto para ir ao cinema? Não vale namorada/noiva/esposa, amizades coloridas ou parente. Até porque, sabemos todos, parente é serpente. Nunca anunciei nada em classificados de jornal; mas se um dia eu houvesse de pagar por um anúncio, seria mais ou menos assim: “Procura-se: companhia para ir ao cinema, sem compromissos, mas…”
Mas, na eventualidade de tal companhia ser atraente e, de quebra, puder ser simpática e inteligente, fica difícil não pensar em um after hours. Nada que uma seqüência de pensamentos insanos não resolvam: a Marlene Mattos nua ou a Hebe só de calcinha, por exemplo. Explica-se: não há duvidas de que existam pessoas do sexo oposto que conseguem se convidar para o cinema sem pintar um certo clima de te(n)são. Também é fato que existem pessoas que gostam de ir ao cinema sozinhas.
Todavia, não vamos discutir exceções. Muito menos as raridades. Quiçá, as lendas. Podem dizer que companhias para o cinema estão em extinção, ao menos na visão da sociedade contemporânea. Principalmente em uma sexta ou sábado à noite, quando as salas dos multicomplexes estão infestadas por casais enamorados que parecem não conhecer outro lugar na cidade para tirar uma casquinha.
A falta das boas companhias para o cinema pode ser, talvez, culpa exclusivamente nossa, dos convencionalismos sociais de que não existe amizade entre homem e mulher quando há qualquer indício de atração física de pelo menos um lado. Tá certo, é verdade, mas não custa disfarçar.
Tá certo também que até hoje ainda não conseguiram desmentir essa teoria semi-científica, mas isso não vem ao caso agora.
Se você for homem, você não vai convidar aquele seu amigo do futebol para ir ver um filme com você no cinema, certo?
Confesse, você não vai convidar macho algum para ir ao cinema, nem para filmes de porrada. No caso das mulheres a situação é um pouco diferente (elas realmente se convidam, acredite…) mas vocês entenderam o xis da questão. Você também não tende a sentir-se muito confortável em chamar um(a) amigo(a) (amiga mesmo, nada de amizade colorida) para ir ao cinema.
Hoje em dia, as salas de cinema se tornaram um lugar tão propício às enroscadas que convidar alguém para ver filme pode significar ter mil e uma intenções.
Talvez seja um mal de cinéfilos ou entusiastas da sétima arte, mas há quem consiga ir ao cinema com um mulherão (ou um homenzão) ao lado e prestar atenção só ao filme. Não conheço ninguém assim, mas agradeço indicações para uma crônica sobre lendas urbanas.
Você passa a semana inteira ralando, pulando refeições por conta do trabalho, ganhando uma mixaria que mal paga o Bacardi Limon do final de semana, plantando bananeira em corda bamba para pagar as contas do fim de mês, e quando finalmente chega a sexta-feira, tudo o que você quer é relaxar por duas horas em um ambiente escuro, confortável, com ar-condicionado e que faça você respirar fundo no final. Não, não é motel; só uma sala de cinema.
Contudo, não é tão fácil quanto parece achar boas companhias para cinema. Se você quer juntar os amigos e fazer um cinema grupal, é bem melhor alugar um vídeo, comprar uma garrafa de Orloff, um litro de Tampico, levar todos para seu apartamento e fazer uma suruba gastronômica – sem duplo sentido. Assim você poupa as outras pessoas do cinema que, realmente, querem assistir ao filme sem o barulho e sem as brincadeiras típicas de grupinhos.
E há ainda aquela facção que tem prazer em dizer que vai ao cinema sozinho. Banho tomado, cartão do passe fácil no bolso e muita força de vontade (eu invejo…) para ir ao cinema sozinho, sem lenço mas com documento. Angustiante é quando essas pessoinhas passam na sua cara que adoram ir ao cinema por conta própria e, pasmem-se, gostam e repetem, e repetem, e repetem.
Então você chega à brilhante conclusão de que ir ao cinema sozinho pode ser o atestado com registro em cartório de sua incompetência social. Ou de sua competência anti-social, como preferir. Então você, de repente, resolve superar sua depressão cinematográfica, escolhe um filme no jornal e resolve ir ao cinema… sozinho.
Você entra na fila para comprar os ingressos e para onde olha só enxerga casais; vai comprar um saco de pipocas e só há casais; a sala está lotada de casais e tudo o que você consegue escutar são as beiçadas barulhentas.
Se for a sessão corujão, aquela de meia-noite, às vezes é possível até escutar uns gemidos peculiares. Nesse ponto, que não é o G, você começa a se perguntar o que diachos está fazendo ali, um estranho no ninho, mas sem o ninho para se enroscar.
Talvez quem vá ao cinema sozinho nutra uma esperança inconsciente de esbarrar, sem querer, com o príncipe ou a princesa encantada no caminho. E olha, só se for no caminho mesmo, porque dentro da sala vai ser difícil — até porque todo mundo estará acompanhado, em uma espécie de ósculo grupal.
Como nem tudo está perdido, na sexta-feira à noite você tem a opção de ficar vendo florestas e bichos escrotos no Globo Repórter, pela zilionésima vez na sua vida.
Os fiéis seguidores da filosofia do sábio Branchú podem começar a criar aquelas pseudo-teses inócuas sobre um pragmático monopólio cinematográfico. Entendeu? Nem eu. Tratar-se-ia do monopólio dos casais de namorados que, em um contexto meigo-social da situação, representam a elite dominante da sociedade contemporânea.
Em decorrência dessa elite, as salas de cinema se tornam ambientes socialmente excludentes. Gera-se uma divisão social. A elite supracitada passa a inibir o proletariado que, no contexto meigo-social aqui discutido, é representado pelo cidadão sem companhia para o cinema.
Destarte, a elite está impedindo o direito à livre força da expressão trabalhadora: aqueles que trabalham, trabalham, e não conseguem pegar um cineminha nas noites de sexta-feira sem tomar um lexotan antes.
Junte-se a nós. Coloque o seu boné vermelho e participe do lóbi para que sejam criadas salas de cinema exclusiva para solteiros e solteiras. Ou então que ensinem aos casais que existem outros lugares para se enroscar e gemer. Questão de igualdade social.