Carnaval dos Casados

Paulo Rebêlo // fevereiro.2006

Não é novidade que carnaval é tempo de libidinagem. É o júbilo das pessoas solteiras. O problema é que só funciona desse jeito, ou seja, para quem é solteiro. Outro dia, um colega sugeriu juntar a reca dos pobres-coitados e fazer um carnaval de casados, onde as pessoas poderiam brincar, beber e pular sem preocupações com a mão-boba alheia. Não funciona, perde a graça. Ficaria limpinho demais.

A maioria dos foliões tende a achar que carnaval só é bom quando se pode sair agarrando todo mundo sem culpa, sobretudo quando, a cada ano, parece que mais e mais pessoas vão somente para isso mesmo. Não é por isso. Quer dizer, não só por isso. A ruína dos homens casados é bem mais simples: não importa se você vai pular com ou sem a mulher, o resultado é que a brincadeira se transforma numa dor de cabeça.

Opção 1 – Caso você consiga um habeas-corpus para ir brincar carnaval com os amigos, a tendência é achar que será o paraíso. Afinal, ficará solto na buraqueira para fazer o que quer. Ledo e fatal engano. Pois, são nas ladeiras de Olinda e nas ruas esburacadas do Recife Antigo que você sempre vai encontrar, querendo ou não, meio mundo de gente conhecida. E sempre vai ter aquela colega da amiga que conhece a dita cuja.

O carnaval nem precisa acabar. No mesmo dia, a fulana já liga para Dona Encrenca para passar o relatório. Mesmo que você fique parado que nem um poste da Celpe, sem piscar e sem olhar para mulher alguma, no mínimo a fulaninha vai soltar no telefone um “achei ele bem soltinho…”. É o suficiente para a casa cair e a ruína ruir. Não existe tipo de mulher mais venenosa do que amiga solteira de fulana casada.

Acha pouco? Tem pior. Mesmo parado feito um poste, Dona Encrenca pode reivindicar por direitos iguais. É incrível como as mulheres sempre lembram da igualdade de direitos nessas horas, mas nunca quando a conta do motel chega. Resultado: você vai lembrar de todos os anos em que brincou carnaval solteiro e do que fazia. E conclui que, neste exato momento, tem um batalhão de urubus solteiros mirando a sua fofinha, que a esta altura do campeonato não vai lembrar de absolutamente nada, apenas de uma voz dizendo: “achei ele muito soltinho… achei ele muito soltinho… achei ele muito soltinho…”

Pronto, o carnaval já era.

Opção 2 – Ciente de suas impossibilidades e consciente de que não conseguiu o habeas-corpus, você resolve levar a patroa para brincar carnaval. Pois, então, ou você enche logo a lata de mé para ficar doidão e desencanar de vez, ou se prepara para conhecer o inferno. Porque sóbrio, a tendência é que você passe o dia inteiro tendo que fazer aquela velha “barreira com as mãos, uma de cada lado da patroa” para ninguém já chegar agarrando ou metendo a mão nos peito. Que nem você fazia, antigamente.

Ciente de suas impossibilidades e consciente de que não conseguiu o habeas-corpus, você resolve levar a patroa para brincar carnaval. Pois, então, ou você enche logo a lata de mé para ficar doidão e desencanar de vez, ou se prepara para conhecer o inferno. Porque sóbrio, a tendência é que você passe o dia inteiro tendo que fazer aquela velha “barreira com as mãos, uma de cada lado da patroa” para ninguém já chegar agarrando ou metendo a mão nos peito. Que nem você fazia, antigamente.

Como mulheres são inquietas por natureza, é evidente que ela não vai simpatizar com a idéia do poste da Celpe. Vai querer andar, subir ladeira, descer ladeira, depois subir novamente. Afinal, diferentemente de você, ela não bebe muito e ainda tem fôlego. Resultado, lá irá o panaca fazendo a barreirinha, como se adiantasse de alguma coisa. Se alguém meter a mão, você vai fazer o quê? Não há muita saída.

Se o problema todo fosse a incidência de mãos-bobas, até que não seria de tão mal. Ainda dava para soltar uma indireta do tipo “eu falei, não falei?”. A questão maior é a segurança, ou melhor, a falta dela. As secretarias de segurança pública no Brasil adoram nos chamar de mentirosos, mas digamos que, em geral, carnaval é tudo menos seguro.Então você precisa ficar antenado, ligadão, para ver se alguém vai lhe assaltar e pôr em risco a integridade física de ambos. Até porque, por mais baranga que ela esteja atualmente, o custo de um velório e enterro vai lhe levar todas as economias dos últimos cinco anos.

Além dos assaltos, tem a volta para casa, onde comumente os assaltos deixam de ser na base do bocão ou facão, para ser na base do três-oitão mesmo. Aí a desgraça se completa e tudo se trumbica. Resultado: além de não poder beber do jeito que gostaria, ainda tem que ser guarda-costas, guardião e enfermeiro – sim, porque o normal é a mulher se sentir super segura quando vai pular caranval com namorado/marido, motivo para entrar com os dois pés na cachaça, mesmo que passe o ano inteiro sem beber.Caso você também resolva entrar com os dois pés na birita, o inferno será domiciliar. Ao chegar em casa, vai começar o sermão: “você não estava nem aí para mim, quem quisesse podia fazer o que quer, você não me dá valor blá blá blá blá” e o restante da cartilha. Pronto, lá se foi o carnaval do mesmo jeito.

Solução –

Ficar em casa. Tá certo, radicalismo demais. Se não há saída mesmo, você tem algumas opções para escolher. Uma seria arrumar uma briga bem feia na véspera do carnaval e pedir quatro dias para “reflexão sobre o sentido e o futuro do nosso relacionamento”. O pior é que funciona, às vezes. Principalmente se você disser que vai viajar para bem longe… tipo pegar um Rio Doce/Piedade. É uma viagem.

Outra idéia é adoecer (de mentira, claro) e se internar na UTI de um hospital público. Como as instalações públicas de saúde são excelentes e de nível elevado, é óbvio que você ficará incomunicável porque nunca haverá terminais de telefone disponíveis.

Outras idéias: passar o carnaval jogando Doom no computador, assistir 15 filmes por dia ou comprar umas 20 grades de cerveja, entrar em coma alcóolico no primeiro dia de carnaval e só sair na quarta-feira de cinzas. Quando lhe perguntarem como foi seu carnaval, todos vão ficar com inveja quando você responder: “rapaz, bebi tanto, mas tanto, que fui bater no hospital e fiquei internado de tanto mé que tomei”.

Ou aprenda com os outros e não se case.