Paulo Rebêlo (email)
Observatório da Imprensa – 22.maio.2007 – link original
Não foram apenas políticos e empresários que tiveram a carne cortada pela Operação Navalha, da Polícia Federal. No Nordeste, a maioria dos jornalistas empregados em redação pouco ou nada pôde fazer para contornar a censura, declarada e explícita, dos donos de jornais. Como bem escreveu Ivan Moraes Filho neste Observatório [“O fato, a notícia e o pedigree”), jornais nordestinos publicaram pequenas matérias sem citar nomes dos políticos e empresários presos.
Há exemplos notórios, como ocorreu em Sergipe, onde jornais simplesmente não deram a notícia que foi manchete nacional por vários dias. Em Sergipe, salvou-se apenas quem tinha acesso à internet e procurou ler o noticiário online, com destaque para a Infonet, que publicou matéria/coluna contra os jornais sergipanos.
Em Pernambuco, onde a censura foi tão explícita que chegou mesmo a blogs jornalísticos considerados “de credibilidade”, houve casos ridículos de jornalistas tendo que apagar nomes, notícias e dezenas de comentários dos leitores, sem dar ao menos satisfação ou explicação.
Hoje, a opinião pública em Pernambuco e Sergipe execra o papel dos jornalistas que foram forçados a sucumbir à auto-censura. Em blogs de jornalistas, listas de discussão e comentários de leitores, tudo virou motivo de piada. O que apenas reforça a tese preconceituosa de que, não importa quantos prêmios e quanto mais alto é o salário de determinados jornais em comparação a outros, na hora da verdade o que continua valendo é o coronelismo contra os repórteres e o apadrinhamento dos amiguinhos.
Nome e sobrenome
São opiniões válidas e bonitas de ler, mas inócuas. Se aconteceu tudo isso em Pernambuco, onde os jornais são exponencialmente maiores e com melhor estrutura do que em Sergipe, por que lá seria diferente?
O papel se repete em quase todos os estados do Nordeste. Os jornais cujos donos são políticos ou empresários carnalmente ligados a ele, sempre esconderam e vão continuar a esconder notícias como as prisões da Operação Navalha. No caso de Sergipe, a navalha cortou mais carne do que em Pernambuco, bem mais carne. Tem ex-governador, filhos e netos. E vários dos amiguinhos dos donos da mídia.
O problema é que, nessas horas, a tal da classe média “esclarecida” sempre tem que achar alguém para apontar o dedo. E apontam para os jornalistas de modo geral, como se a culpa fosse daqueles que estão batendo o ponto e batendo perna o dia inteiro para ganhar um salário inferior a pedreiro, sem desmerecer os leitores-pedreiros.
Quem dita as regras e quem censura, seja no Nordeste ou em qualquer lugar do Brasil, tem nome e sobrenome. Quem faz terrorismo psicológico na redação (qual o pai de família que quer perder o emprego, em um mercado que demite gente boa e experiente para contratar estagiário que recebe R$ 500) também tem nome e sobrenome.
Confraternizações e coquetéis
Quem foi preso, os laços de parentesco e tudo mais, também tem nome e sobrenome. E, no caso, têm lojas, negócios, empreendimentos e usinas para boicotar ou pensar duas vezes antes de fazer uma compra.
Acontece que ninguém jamais questiona as negociatas dos magnatas, ninguém questiona os negócios e empreendimentos. Ninguém questiona as ONGs em nomes de políticos apadrinhados pelos jornais, de associações e aglomerados empresariais cujos donos são os mesmos empresários, usineiros, políticos etc.
Muito pelo contrário. A classe média “esclarecida”, que agora ironiza a imprensa nordestina e classifica todos os jornalistas como farinha do mesmo saco, é a mesma classe que vai (nunca deixa de ir) às confraternizações e coquetéis de lançamentos dos empreendimentos e shoppings. São as mesmas pessoas que penduram na porta da geladeira ou na parede da sala as fotos que saem na coluna social, orgulhosas, colunáveis, abraçadas com os donos da mídia e com empresários amiguinhos.
Em terra de cego…
É verdade que há muita laranja podre no laranjal dos jornalistas, todos sabemos. Contudo, os jornalistas que estão aqui juntando os tijolos e passando o cimento diário (e mesmo assim ganhando menos que pedreiro) sabem quem são – e com esse pessoal ninguém se mistura.
Porque a mistura das laranjas podres é diferente. É com o pessoal que não deposita FGTS, com o pessoal que não paga hora-extra como deve, com o pessoal que sonega impostos, que não assina carteira de trabalho, que censura e que demite os profissionais porque contrariou os interesses de político ou empresário tal. É o pessoal que você diz “oi” e “bom dia” e nada mais, porque ainda zela pela educação que aprendeu quando era criança.
Não é a primeira vez, nem a segunda. Basta fazer uma pesquisa sobre “Nordeste” nos arquivos deste Observatório da Imprensa para ler o tipo de material que se publica aqui. São as mesmas censuras, sempre quando os interesses dos empresários amiguinhos e políticos estão em jogo. Certamente, também não será a última.
Em terra de cego, quem tem olho é rei. Mas quem é amigo dos donos de jornais, é deus.