IPTV é o futuro da televisão com banda larga

Paulo Rebêlo
UOL Tecnologia – link original
21.setembro.2007

As discussões sobre a escolha do padrão para TV digital no Brasil – entre americano, japonês, europeu ou desenvolver um próprio, nacional – vêm desde o final da década de 90. As primeiras transmissões públicas em caráter de teste, sempre adiadas, agora estão previstas para dezembro deste ano em São Paulo. Se você não agüenta mais ouvir falar em escolha de padrões e políticas públicas para a TV digital no Brasil, talvez seja hora de entender como funciona a televisão por redes IP (‘Internet Protocol’), também conhecida como IPTV.

Os primeiros testes estão sendo realizados no país por universidades, centros de pesquisa e operadoras de telefonia, desta vez sem dependência direta do governo.

Nesta quarta (19), a Universidade de São Paulo, em parceria com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) lançou o IPTV-USP que, por enquanto, se assemelha demais com WebTV, ou seja, com vídeos sob demanda pelo computador. A IPTV USP é inspirada no modelo criado pelas universidades americanas, mas ao contrário de suas colegas estrangeiras, ela também pode ser vista por quem não faz parte da comunidade acadêmica.

“O diferencial em relação ao sistema de IPTV que a USP está lançando é essa idéia de focar em um nicho, que seria a comunidade acadêmica, e pegar esse conhecimento que é produzido pela USP e estar levando ao usuário final”, conta Reinaldo Matushima, pesquisador do Laboratório de Arquitetura e Rede de Computadores da USP.

TV pela Internet, mas sem computador
Por causa do prefixo de “Internet Protocol”, é comum confundir IPTV com televisão pela Internet. Não é. Assistir vídeos pela rede não é novidade alguma, a chamada WebTV existe desde antes do fenômeno Youtube.

Na verdade, o grande trunfo da IPTV é justamente não depender de um computador, mas, ao contrário, receber na sua televisão de casa —qualquer uma— transmissão digital por uma rede de dados em banda larga. Ou seja, é como uma Internet fechada, em alta velocidade, específica para televisão.

Logo, esqueça a baixa qualidade de vídeos do YouTube e outros canais de streaming disponíveis na rede. A IPTV leva, via banda larga, muito do que se promete para a TV digital do governo: câmeras de vários ângulos, buscas pela Internet, interatividade em tempo real e alta qualidade de imagem e som.

A entrada da IPTV no leque de opções para o consumidor pode não apenas baixar um pouco a bola da televisão digital, como também oferecer uma nova realidade a quem procura conteúdo personalizado.

Confira a reportagem especial que o UOL Tecnologia preparou para você desvendar esta novidade.

Entenda como funciona a IPTV

Na prática, o funcionamento da IPTV é bem similar às atuais TVs por assinatura, que usam transmissões via cabo ou satélite, além de um aparelho decodificador (o “set-top box”) da empresa que oferece o serviço. Com o IPTV, a diferença é a transmissão usando a infra-estrutura de banda larga disponível na sua cidade e bairro.

“A IPTV é também uma televisão digital, só que ao invés de os sinais se propagarem pela atmosfera, via satélite, por exemplo, ela vai via rede de dados”, explica o professor Gil da Costa Marques, coordenador do Centro de Tecnologia de Informação da USP. “É a idéia de a gente se aproveitar de toda a tecnologia e da infra-estrutura da Internet para prover conteúdo digital, vídeos e transmissões para o usuário”, completa Reinaldo Matushima, pesquisador do Laboratório de Arquitetura e Rede de Computadores da USP.

Quem tem Speedy (Telefônica) ou Velox (Oi/Telemar), por exemplo, precisa de um modem externo para receber a transmissão da operadora, que chega pelo cabo DSL vindo da parede. O mesmo vale para Vírtua e outros serviços de banda larga das TVs por assinatura. Com a IPTV, é igualzinho. Um cabo sai para um novo modem, que ficará ligado ao set-top box —que por sua vez decodificará a transmissão para exibir as imagens em sua TV, mesmo que seja uma de 14 polegadas.

De acordo com José Luis Volpini, diretor de novos negócios da Oi/Telemar, o modem externo precisa ser mais avançado do que os atuais. “Hoje o usuário usa o modem com apenas uma saída, com IPTV vamos usar quatro saídas para que as pessoas possam ter banda larga na televisão, no computador e em outros dispositivos”, antecipa Volpini. Ele lembra, no entanto, que não há nenhuma dependência de Internet ou de computador. Apesar de o público-alvo inicial ser o atual cliente de banda larga, é possível ter apenas IPTV, sem outro acesso à Web e sem PC.

Quem já tem um roteador em casa (para redes domésticas ou redes sem fio, por exemplo) nem precisar trocar nada, porque os roteadores já possuem quatro entradas. Será preciso apenas conectar o set-top box no modem e escolher seus canais e filmes preferidos, enquanto governo e emissoras se engalfinham na decisão sobre a TV digital.

IPTV começa a chegar ao Brasil

Na Europa e nos Estados Unidos, o mercado de IPTV vai de vento em popa, com transmissões comerciais realizadas desde o final de 2005. Em geral, são serviços complementares à atual oferta de TV a cabo e Internet banda larga, com a possibilidade de ler e responder e-mail pela TV e ter um conteúdo personalizado, com direito a filmes e seriados na hora que você quiser, sem programação ou horário fixo.

No Brasil, assim como lá fora, quem lidera o movimento de IPTV são as operadoras de telefonia. Afinal, por causa das regulamentações (no Brasil, pela Anatel) as operadoras não podem atuar no mercado de televisão convencional ou a cabo. Como elas têm a infra-estrutura de banda larga pronta e em constante expansão, a única saída para oferecer televisão com qualidade digital —e cobrar por isso— é por meio da IPTV.

A direção da Oi/Telemar garante que a infra-estrutura para o IPTV no Rio de Janeiro está pronta, com a malha de fibra ótica devidamente instalada. Pelos próximos meses, haverá apenas ajustes finais na liberação de conteúdo, na plataforma (Siemens-Nokia) e nos contratos com estúdios de Hollywood. O diretor de novos negócios, José Luis Volpini, explica que até o final do ano serão 1.000 pessoas —entre colaboradores da empresa e usuários avançados de banda larga— testando o IPTV da empresa. A proposta é lançar o produto, comercialmente, a partir do primeiro trimestre de 2008.

Em São Paulo, a Telefônica não revela detalhes oficialmente, apenas garante o estágio “avançado dos estudos sobre IPTV de modo a oferecer serviços diferenciados de banda larga no Estado de São Paulo”. Na Espanha, a Telefônica oferece o serviço com uma carteira atual de 400 mil assinantes.

Universidades e centros de pesquisa também não perdem tempo. Em setembro, a Universidade de São Paulo, em parceria com a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP) lançou em caráter [muito] experimental o IPTV-USP (http://iptv.usp.br/portal/home.jsp). Por enquanto, o sistema se assemelha demais com WebTV, ou seja, vídeos sob demanda pelo computador. São filmagens de eventos e tutoriais da própria universidade, com finalidade de integrar mais o corpo docente, alunos e colaboradores. Segundo Gil da Costa Marques, coordenador do projeto, para uma segunda etapa a idéia é mesmo ter IPTV com programação fixa e transmissão de eventos ao vivo, com uso do set-top box ligado a uma televisão comum. Mas ainda sem previsão.

No Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R), uma equipe de engenheiros e analistas trabalha contra o tempo para aprimorar soluções de TV digital e IPTV. O respaldo do mercado é tão grande que, para se ter uma idéia, o centro é um dos envolvidos em pesquisa e desenvolvimento do “Ginga”, o middleware do sistema brasileiro de TV digital; middleware é a camada de software responsável pela execução de aplicações.

Por que IPTV não é TV pela Web?

Para entender melhor a diferença entre IPTV e WebTV, a engenheira de sistemas do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R), Paulyne Jucá, explica: “televisão pela Internet (WebTV) é transmissão de áudio+vídeo+aplicação sobre IP, mas não existe o mecanismo de garantir a qualidade de serviço, o famoso QoS (Quality of Service) que regula atraso, variação de atraso e nível de perda de pacotes, além da taxa de transmissão”.

Na vida real, significa que pela Internet de hoje não há um fluxo devidamente estabilizado dos pacote de dados. É por isso que na hora de assistir vídeos por streaming há uma espera para “carregar” o conteúdo e, geralmente, pausas durante a exibição. Afinal, sua conexão pode não ser boa o suficiente ou, quem sabe, estar em uma rede saturada por conta do horário ou excesso de conexões simultâneas. Não há garantias.

No IPTV, isso não pode (ou não deve…) acontecer. Porque a conexão é efetivamente banda larga até o set-top box ligado à televisão, garantindo o fluxo de pacotes de modo transparente para o usuário. Paulyne Jucá explica que, deste modo, IPTV é geralmente usado em redes fechadas, isto é, de modo exclusivo para uma única aplicação. Justamente o caso das ofertas no Brasil pelas operadoras de telefonia.

Cobertura da IPTV será restrita

Como toda tecnologia nova, a IPTV inicialmente não estará disponível para todos. A exemplo do que ocorreu durante anos no Brasil com a banda larga, e de certo modo ainda ocorre, a disponibilidade do serviço ficará restrita apenas a grandes áreas metropolitanas. De início, apenas os principais bairros de São Paulo e Rio de Janeiro (capitais) vão ter a malha necessária para IPTV. Com o tempo e a popularização do serviço, a expansão começa.

Nos bastidores, porém, sabe-se que a expansão da IPTV só ocorrerá com as revisões regulamentárias da Anatel, de modo a permitir às operadoras de telefonia ingressar no setor hoje explorado pelas TVs por assinatura. Elas oferecem canais abertos e fechados com sinal digital e imagem de qualidade superior, em vez de apenas vídeos sob demanda e programações alternativas.

As TVs por assinatura não concordam, como era de se esperar, mas as parcerias e aquisições têm sido feitas. A Telefônica está com a compra da TVA já assumida, aguardando apenas a aprovação do Cade. A Oi/Telemar também tenta adquirir a WayTV, que é via satélite, mas o processo ainda está parado por conta da negativa da Anatel, que vê limitações no contrato de concessão da operadora. Enquanto isso, a empresa tenta estabelecer uma parceria comercial com a Sky.

Pela atual Lei do Cabo, as operadoras não podem levar televisão por IP, ou seja, a base real do IPTV fica ameaçada se não houver uma revisão da regulamentação. Com o fim da fase de testes da Telefônica e Oi/Telemar e, conseqüentemente, início da fase comercial com vídeos por demanda, a expectativa do setor é que as mudanças aconteçam, a exemplo do que tem acontecido em outros países.

No quesito velocidade, José Luis Volpini, da Telemar, explica se tratar de um dado que não será revelado ao cliente, porque não precisa. “O que o consumidor quer é qualidade, sem demora no sinal, sem aquelas impedimentos da Internet, sem esperar o vídeo carregar. Quer o mais próximo de uma televisão e é isso que vamos oferecer”, esclarece.

No entanto, Volpini revela que “possivelmente” o sinal deverá ser transmitido a uma média de 3 Mbps até a casa do usuário, que é superior à maioria dos serviços de banda larga para Internet disponíveis hoje no Brasil. No entanto, ele esclarece que não se trata da mesma conexão, ou seja, o sinal da IPTV não é o mesmo sinal da Internet banda larga, mas seria melhor por causa da nova malha de fibra ótica sendo instalada, além de ser uma rede fechada.

Nos testes realizados até agora, a empresa tem trabalhado com taxas de “apenas” 1.8 Mbps e o resultado, segundo Volpini, foi convincente. Para ele, com essa velocidade a qualidade de imagem é igual à TV convencional, sem atrasos na entrega dos pacotes. Em outros países, porém, a realidade é bem diferente. Por já trabalharem com imagem de alta definição, as conexões de IPTV costumam ser de, no mínimo, 10 Mbps. Geralmente, chegam a 50 Mbps.

O que esperar do conteúdo da IPTV?

Com a IPTV é possível fazer download do episódio de um seriado ou um filme que você perdeu e assistir na hora, sem esperas, além de programar remotamente o aparelho por e-mail de qualquer lugar. Inicialmente, a oferta de conteúdo no Brasil será restrita às parcerias entre operadoras e estúdios, emissoras regionais, associações independentes, universidades e até mesmo com canais de TV por assinatura.

A Oi/Telemar pretende disponibilizar, de início, 250 a 300 títulos diferentes entre filmes e programação diversa. Executivos da empresa estão em conversas avançadas, também, com produtoras independentes e até mesmo com o YouTube. A idéia é reforçar o vídeo amador e os curtas-metragens, que hoje não encontram espaço nos canais abertos e muito menos na programação dos cinemas.

Em um primeiro momento, Oi/Telemar e Telefônica devem levar apenas vídeos sob demanda, em um esquema não muito diferente do atual sistema de Pay-per-view das TVs por assinatura. Mais adiante, contudo, a proposta é oferecer programação fixa, compra de ingressos, noticiários e produções locais.

Os custos ainda são mantidos em segredo. Segundo os executivos da Oi/Telemar, quem oferecer o serviço vai tomar como público-alvo inicial os atuais usuários de banda larga do Speedy e Velox e, por tabela, os preços devem ser nivelados. Será um custo mensal, a exemplo da Internet banda larga.

IPTV: como fica a TV Digital?

Diferentemente da IPTV, que transmite conteúdo por banda larga via redes IP, a televisão digital tem o sinal transmitido pelo ar, de modo a substituir as atuais transmissões de hoje das emissoras. Nos dois casos, a informação é decodificada na casa do usuário, por meio do “set-top box” das operadoras/empresas.

Para a maioria dos analistas, o caminho natural é que IPTV e TV digital se complementem no futuro, mas no Brasil ainda há um longo percurso pela frente, tanto em termos regulatórios, quanto em tecnologia. No caso da IPTV, os principais beneficiados serão os usuários cuja demanda seja mais específica, enquanto a TV digital pode englobar todo o resto, como as emissoras atuais e a criação de novos canais.

No quesito regulamentação, o imbróglio é grande. As operadoras não podem oferecer os canais abertos (Globo, SBT, Band…) por meio da IPTV por conta da Lei do Cabo, que regulamenta o setor. Nos bastidores, porém, há uma grande expectativa para que a Anatel revise a lei —considerada atrasada por muitos.

Para a Associação Brasileira de TVs por Assinatura (ABTA) a revisão da lei para flexibilizar a atuação das operadoras seria um retrocesso e um péssimo negócio para o consumidor. “Hoje temos no Brasil uma situação de monopólio privado na telefonia fixa e as mesmas empresas querem se expandir para um setor que é competitivo”, diz o diretor executivo da ABTA, Alexandre Annenberg.

Segundo Annenberg, a questão principal é que as operadoras só querem atuar na áreas de grande concentração urbana, onde já existe competição, em vez de procurar áreas onde não há concessão para as TVs por assinatura. Ou seja, em vez de levarem TV para áreas onde a TV por assinatura não chega, as operadoras querem apenas o “filé” do mercado.

Annenberg garante que o monopólio não interessa a ninguém, mas a questão passa diretamente pela Anatel. “No Estado de São Paulo só 10% da população tem TV por assinatura, mas a Anatel nunca abriu licitação para que a gente entre em outros municípios. Em casos assim, as operadoras de telefonia poderiam entrar e oferecer televisão por meio da banda larga, sem ferir a lei”, esclarece.

Se a revisão das leis e regulamentações levar o mesmo tempo que levou a escolha do padrão para TV digital, é bom o consumidor ter paciência e aproveitar a IPTV com apenas os vídeos sob demanda, isto é, filmes, seriados e programação alternativa em qualquer horário.

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