Fable é um bom game…

… mas a Microsoft abusa de nossa paciência.

Paulo Rebêlo
Webinsider, 13.dez.2005

Historicamente, a Microsoft nunca teve nos games uma fonte primária de lucro. E ainda não tem, mas começou a investir pesado anos atrás e o resultado era previsível: muito sucesso. No entanto, ao mesmo tempo em que consegue se firmar, as mesmas práticas pouco convencionais persistem. Entre elas, a falta de opções ao usuário, sob o argumento de facilitar a nossa vida.

Com o passar dos anos, o termo “opção” ou “personalizar” sumiu no dicionário dos súditos de Bill Gates. Evidentemente, boa parte de nós, usuários desses produtos, somos súditos não por opção, mas por necessidade ou por questões burocráticas e profissionais. É fato – e não me venham com cruzadas religiosas.

A personalização dos produtos foi diminuindo durante os últimos anos. Exemplo? Instale todas as versões do Windows, desde o 95 até o XP, para perceber como tornou-se impossível manusear a instalação. O usuário é obrigado a ter instalado coisas que nunca irá usar.

Não estamos falando apenas de discussões judiciais, como o Windows Media Player embutido; ou religiosas, como a inclusão quase carnal do Internet Explorer ao sistema; mas de coisas pequenas e irritantes, entre joguinhos sem graça e tulhas de acessórios inúteis que não temos como tirar. Custava poder tirá-los?

Com a próxima versão do Windows, o Vista, essa diretriz será levada ao extremo. A Microsoft diz que é para facilitar a vida do usuário – que não quer ficar marcando e desmarcando opções, nem ficar preenchendo dados durante a instalação. De fato, as pessoas querem simplicidade, mas uma simplicidade inteligente. A resposta da Microsoft sobre a crescente falta de personalização é uma afronta à inteligência de qualquer um. Ou à ignorância, depende do seu ponto de vista.

Quem complica, se trumbica

Não custa lembrar que a própria empresa manteve – com sucesso – as simples quatro alternativas de instalação: típica, compacta, completa e personalizada. Nesta última, podíamos escolher apenas o que iríamos usar. Na compacta, o mínimo para o software se tornar operacional. Na típica, a instalação recomendada para a maioria dos usuários domésticos.

Mais simples, impossível.

É impressionante como os produtos da Microsoft foram se tornando mais burros (ok, complicados) para instalar, principalmente os carros-chefes Windows e Office. Resultado: técnicos e administradores irritados, disco rígido mais cheio e megabytes de memória RAM desperdiçados por nada.

O Windows Vista (veja texto ao lado) é extremamente burro (digo, complicado) desde a concepção inicial. Não há arquivos de instalação, mas apenas um único e gigantesco arquivo de 600 a 700 Mb contendo o sistema operacional inteiro. No Office 2006 (veja ao lado), muitas das opções de personalização que temos hoje na versão 2003 foram para o espaço. O argumento da Microsoft é o mesmo: “estamos facilitando a sua vida”. Só falta acrescentarem o “débil mental” depois de uma vírgula.

A fábula da facilidade

Pior do que a atitude dos gênios da facilitação da Microsoft é o fato de, quase sempre, ficarmos de braços atados sem a menor alternativa para uma contra-atitude.

Falamos de games lá em cima e agora voltamos a eles. Exemplo de hoje é o Fable, um jogo para PC lançado recentemente, após um sucesso estrondoso no Xbox. A versão para console já tem um ano de idade, mas a edição portada para computadores é turbinada com melhores gráficos e novas missões, fazendo jus ao atraso.

O jogo é ótimo, mas só funciona no Windows XP e isso é péssimo.

Parece besteira? Besteira é para a mentalidade dos gênios da facilitação. Fable exige um mínimo de 256 Mb de RAM para rodar, mas recomenda 512 Mb. Se eu tenho 256 Mb de RAM, eu consigo usar o Windows 2000 com ótima performance. Tente usar o XP com 256 Mb para você ver. Fica uma mula. Assim, com 256 Mb, eu não posso jogar Fable no Windows 2000.

Qual é a opção? Só uma: comprar mais 256 Mb de RAM. Sim, porque para instalar o Windows XP e não jogar o monitor pela janela (de raiva), minha humilde sugestão é que você tenha 512 Mb.

Há uma infinidade de jogos, desta nova safra de lançamentos, que realmente só funcionam em plataforma Windows 2000/XP, como Quake 4 e Fear. Acontece também com softwares, como é o caso do Acrobat 7. A discussão é calorosa, reconhecemos. Entretanto, quando a própria fabricante do sistema operacional exclui uma das melhores versões (ou a melhor, na visão de muita gente) do Windows para um simples “joguinho”, é porque chegamos a um ponto difícil de engolir.

O Windows 2000 (atualizado com Service Pack 4) trabalha perfeitamente bem com DirectX 9, roda todos os jogos que funcionam bem no XP. Inclusive, com 512 Mb de RAM, muitos rodam melhor no 2000. Nem é preciso dizer que a arquitetura do Windows XP foi desenvolvida em cima do código do Windows 2000, mas a gente diz novamente. Foi.

E o argumento da Microsoft, a posição oficial? É que o Windows XP é o sistema que proporciona a maior segurança ao usuário. Como assim? XP, segurança? Novamente, reforço a opinião bem particular, mas com a certeza de ser compreendido por milhões de súditos de Bill Gates mundo afora, de que são argumentos para abusar da nossa ignorância.

O pior dos piores? É que o danado do Fable é bom pacas. E pode terminar fazendo você instalar o XP no lugar do 2000 só para poder jogar até o fim. Foi o que eu fiz. Quer dizer, no final das contas, a estratégia de mercado da Microsoft deu certo, pelo menos para mim. E para as duas orelhas de burro que carrego, ao menos até chegar ao fim do jogo e poder voltar ao Windows 2000.

O mais incrível é perceber a capacidade de sair por cima da Microsoft. A empresa complica e não se trumbica. Méritos dela? Talvez, apenas talvez. Leia o excelente artigo de Ricardo Banffy (ao lado) e veja que a grande culpada pode ser a própria concorrência, a mesma que tanto critica o império de Redmond. [Webinsider]