Um pesadelo chamado DRM

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
– ed. fevereiro 2007

Poucos conhecem, alguns entendem, quase todos usam. A cada dia, aumenta a adesão a um movimento global contra o DRM, sigla de Digital Rights Management. Traduzindo, seria algo como gerenciamento de direitos digitais. Nada mais é do que um conjunto de tecnologias implantadas em arquivos de música digital, que serve para restringir ou liberar uma série de ações que o consumidor pode fazer com o arquivo. O DRM é adotado por praticamente todas as lojas que vendem música online, como forma de coibir pirataria, cópias não-autorizadas e, em alguns casos, até mesmo a transferência da música para seu aparelho portátil ou para um segundo periférico qualquer.


Do ponto de vista da indústria, não há limitações para o DRM. A tecnologia permite cravar inúmeras restrições, simples e complexas, em arquivos individuais de áudio. Por exemplo, uma determinada música pode ficar “livre” por um número pré-determinado de dias ou horas, depois se torna protegida e não-copiável. Ou pode tocar com qualidade boa no seu computador, mas com qualidade inferior no seu aparelho portátil, se assim o vendedor quiser. As lojas e as empresas adotam o DRM do modo mais conveniente possível (para elas), geralmente esquecendo o lado mais importante da cadeia de consumo: o consumidor. Na última ponta – a do usuário/consumidor – o DRM muitas vezes se transforma em um problema, por conta de limitações nem sempre compreensíveis e, comumente, desconhecidas do consumidor até que o problema apareça.

A maioria das pessoas parte da premissa de que, ao comprar uma música online, o arquivo será de sua propriedade e será possível fazer qualquer coisa com o áudio, ouvir quando quiser e bem entender. O DRM existe para mostrar-lhe que não é bem assim que a banda toca, com o perdão do trocadilho. O DRM não é, necessariamente, um método de proteção contra cópias, já que permite as cópias, geralmente em número limitado de vezes – que também não cabe a você escolher.

O ponto-chave do DRM é o fator opção. No caso, a falta de. Para o consumidor, não sobram opções além de aceitar de forma compulsória as imposições via DRM das lojas e da indústria fonográfica, mesmo que você pague, e caro, por um álbum comprado na internet. Uma das questões cruciais é que, pragmaticamente falando, o mesmo álbum poderia ser comprado em uma loja qualquer na rua e, neste caso, você poderia “ripar” (transferir) as músicas do CD para seu computador, do jeito que bem entender. E agora, comprando online, você não apenas perde a flexibilidade com um produto adquirido, supostamente de sua propriedade, como também é forçado a ouvir as músicas apenas do jeito que a loja permite.

MP3 fica de fora –
Em duas de nossas colunas de anos anteriores na Backstage, analisamos o lado mais técnico do formato MP3 e comparamos com outros formatos, fechados e proprietários, como é o caso do Windows Media Audio (WMA) da Microsoft e do Attrac da Sony. Na ocasião, explicamos que um dos motivos que fazem as lojas fugirem do MP3 para vender de músicas online é a falta de possibilidade técnica do formato de trabalhar com DRM. Por ser um formato tecnologicamente estagnado há anos, os arquivos MP3 não conseguem carregar restrições, podendo ser livremente copiados e transferidos para qualquer lugar.

As músicas compradas no iTunes, no Napster, enfim, nas inúmeras lojas de música mundo afora, trabalham com o formato da Microsoft ou formatos proprietários. Com isso, é comum ver usuários reclamando sobre compatibilidade, mas o problema maior é, sem dúvida, as limitações impostas pelo DRM.

O argumento da indústria é que, sem o DRM, quem detém os direitos utorais (copyright) sobre a produção fica sem proteção técnica contra cópias e usos não-autorizados. O problema é que, como nem tudo são flores, hoje em dia o DRM é amplamente utilizado como forma de proteção do comércio próprio das lojas ou empresas, como é o caso do iTunes, cujas músicas não são compatíveis com uma série de tocadores portáteis que não o iPod.

Várias associações, com destaque para a Free Software Foundation e a Electronic Frontier Foundation, têm feito bastante barulho contra o DRM e, sobretudo, contra as práticas predatórias que várias empresas adotam por via do DRM. Aos poucos, é possível ir sentindo algum efeito por parte de grandes grupos, frente à crescenta insatisfação declarada de usuários que, claro, são consumidores em potencial.

Por enquanto, as iniciativas que liberam o DRM – e até adotam o formato MP3 nas lojas online – são isoladas, geralmente com singles de cantores e bandas famosas para promover um álbum novo. Alguns executivos, como é o caso de David Goldberg, vice-presidente do departamento de música do Yahoo, hoje já declaram em público que o DRM tem afetado mais do que ajudado a indústria. Mesmo assim, até agora o Yahoo não tem conseguido convencer as partes envolvidas a abrir mão do DRM nas músicas vendidas pelo portal. Vamos ver se, durante este ano, a dor de cabeça dos consumidores melhora um pouco.