Terrorismo fonográfico importado

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
fevereiro.2006

Não chega a ser novidade que, nos Estados Unidos, a indústria fonográfica processa usuários comuns. A partir de dados coletados com os provedores de acesso, a RIAA (Recording Industry Association of America) já entrou com ações judiciais contra, pasmem-se, crianças de 12 anos a senhoras de 72 anos. Em boa parte dos casos, em geral os mais extremos, a pessoa acionada sequer fazia download consciente de uma música ilegal ou, em termos mais concretos, não tinha noção de que aquela MP3 que alguém enviou pela web era um crime passível à prisão. Foi o caso de várias crianças que constaram na lista de processos judiciais da RIAA, por exemplo.

O modelo de coerção da RIAA seria trágico, se não fosse ridículo. Embora não surpreenda, em um país onde tomar café muito quente no restaurante pode render um milhão de dólares em danos morais – como foi o caso da célebre velhinha que se queimou no McDonald’s e virou notícia internacional, anos atrás. Fato é que, mais de um ano se passou desde que os primeiros usuários começaram a ser processados. Até agora, não há a menor luz no fim do túnel de que os executivos da indústria fonográfica vão aprender a fazer jus ao salário que recebem e aprender a ter visão de mercado.

Escrever sobre um punhado de lunáticos norte-americanos até faz bem à dose diária de humor do cidadão. O problema é quando esse grupo de doidivanas começa a fazer escola e a globalizar a sandice. Problema maior ainda quando, por um motivo que nem Alá deve entender, um país pobre e periférico resolve dar ouvidos e seguir a cartilha da loucura norte-americana. Ah, meu Brasil, brasileiro…

A RAPADURA É DOCE, MAS NÃO É MOLE, NÃO

Pode estar em curso – de novo – um conluio muito bem orquestrado pelas associações e representantes da indústria fonográfica brasileira para – de novo – ganhar os holofotes da imprensa com o terrorismo frente a quem baixa MP3 na internet. Dizemos “de novo” porque, em 2003, foi a mesmíssima coisa. Pegaram um bode expiatório pouco representativo na cidade de Curitiba, prenderam e algemaram o cara na frente das duas filhas e, obviamente, ganharam as manchetes dos jornais e dos sites especializados em tecnologia. O recado foi claro: você pode ser o próximo.

Aqui mesmo, na Backstage, publicamos na coluna um longo apurado sobre o ocorrido na época, com detalhes investigados a frio e depoimentos do Ministério Público e dos advogados do acusado que vendia MP3 de músicas na internet – algo reconhecidamente ilegal, crime. O recado da indústria, porém, é que quem estivesse fazendo o download poderia ser o próximo da lista. Recado, inclusive, reconfirmado em entrevista de um representante da indústria a este pobre (que não tem dinheiro para R$ 30 num CD) escrevinhador.

Com um mês, prenderam outra pessoa – um jornalista de quase 60 anos – por causa de MP3 também, mas a acusação foi amenizada. Depois, o tempo passou e caiu no esquecimento dos usuários e da imprensa. Nos Estados Unidos, os processos continuaram ocorrendo, como acontece até hoje.

Pois, não é que agora, um desses ilustres-iluminados que se intitulam representantes dos artistas, chega para uma publicação de renome e, sem querer, deixa escapar que a tal entidade já está com um plano formulado para dar início à série de processos judiciais contra usuários domésticos, aqui no Brasil? Mais ainda, que o tal “plano” requer apenas alguns poucos ajustes para, ainda este semestre, entrar em ação.

Respeitosamente questionada por este pobre (que não tem dinheiro para bancar advogado) colunista, por vias oficiais, lícitas e legalizadas, a entidade em questão preferiu se omitir, revelando que o que havia sido dito pelo representante não deveria ter sido revelado. Que foi um passo em falso, apressado. Em momento algum, contudo, negou-se a hipótese de seguir os passos do punhado de lunáticos do hemisfério norte: de tentar colocar atrás das grades as pessoas que baixam MP3 pela internet, consciente ou inconscientemente se a faixa possui direito autoral ou não.

Enquanto isso, na vida real, e como sempre, e para variar, e como é de praxe, os peixes graúdos nadam mar adentro, felizes da vida. E ainda existe músico conivente em botar atrás das grades o próprio público que lhe rende o pão. Mas, o pior não é isso. É ainda existir gente para comprar o CD original desse povo.