Esmola demais, santo desconfia

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
– ed. julho 2007

Ao incentivar a venda de música digital sem DRM, a Apple parece ter enfiado os pés pelas mãos. Diversos consumidores, com um pouco mais de experiência em tecnologia, perceberam que as músicas livres de amarras não eram, afinal, tão livres assim. Um pequeno código embutido no arquivo permitia que a Apple fizesse a coleta de quem estava comprando as faixas, incluindo nome, e-mail e localidade.

Parece besteira, mas ninguém foi avisado. Com esses dados, não há garantias que a Apple não repasse as planilhas para as gravadoras e, consequentemente, comece um rastreamento para conferir se as mesmas músicas são disponibilizadas em softwares de troca, como a rede Bitorrent ou eMule. O mais interessante, como já vimos mês retrasado ao tratarmos do assunto, é que as músicas em DRM custam mais caro. Ou seja, supostamente seria um preço a mais pela privacidade e pela liberdade de escolha ao comprar as faixas sem amarras.

Para quem chega agora, vamos revisar um pouco o tema, abordado nos últimos meses. DRM é a sigla de Digital Rights Management, uma série de tecnologias para conteúdo multimídia, sobretudo áudio e vídeo, pela qual a indústria/lojas podem restringir ações com o arquivo que contém a música. Restrições como, por exemplo, tocar por apenas um número xis de vezes, tocar apenas em players portáteis e assim por diante.

O movimento anti-DRM tomou proporções gigantescas hoje em dia e, recentemente, o diretor-presidente da Apple, Steve Jobs, escreveu uma carta aberta sugerindo que as gravadoras permitissem abolir o DRM. Interessante notar, porém, que a Apple sempre foi – e continua sendo – uma das principais incentivadoras de DRM e tecnologias afins em seus produtos. As músicas sem DRM da Apple começaram a ser vendidas há apenas um mês e a confusão já está armada. Os downloads custam US$ 1,29 contra os US$ 0,99 das músicas com DRM.

Zero chance, mas uma iniciativa –

No Brasil, tivemos uma jogada interessante recentemente com o novo álbum de Vanessa da Mata (“Sim”), que foi lançado em duas versões. A tradicional e uma tal de “Zero”, que tem apenas cinco músicas das treze que o disco normal tem. O tal do Zero, além de menos músicas, tem embalagem mais simples, não tem encarte e custa R$ 9,99. Só não consegui descobrir se tem patrocínio da Coca-Cola também… agora que tudo “zero” virou moda.

Vale acompanhar o interessante debate e colaborações no site Outrolado (www.outrolado.com.br) sobre o assunto, onde vários leitores discutem e explicam sobre a ação de propaganda criada pela Agência3 para promover o Zero da Vanessa da Mata. Aliás, foi de lá que a coluna descobriu o lançamento e começou a refletir sobre o assunto.

Por um lado, é uma iniciativa louvável da indústria fonográfica no Brasil, que finalmente parece começar a entender que não custa nada (só dá lucro, aliás) oferecer opções ao consumidor. Por outro, a gente precisa ser sincero e cair na real com o preço, porque R$ 9,99 continua sendo caro para ouvir cinco músicas. Afinal, logo ali ao lado vai ter uma barraquinha de camelô vendendo por R$ 5,00 o disco completo com as trezes faixas.

É evidente que o preço de um produto original nunca será igual ao do produto pirata, apesar de muita gente dizer “há controvérsias” sobre isso também. Embora seja difícil nivelar a diferença de qualidade entre produtos originais e piratas, com música a história é completamente diferente. A única diferença são os fatores extra-música, ou seja, encarte, álbum bonitinho, capa etc. Porque o conteúdo propriamente dito, a música, vai ser igualzinho no CD pirata, a não ser que seja um camelô muito sem noção de vender os discos com músicas cheias de ruídos ou de péssima qualidade.

Então, por que não lançar a versão zero pelo preço dos piratas? Afinal, se a edição reduzida também tem embalagem simples e não tem encarte, qual é a diferença para o pirata? A grife, com certeza. E resta ao consumidor optar por levar a sério a questão da grife e da legalidade ou não. O que é válido, evidentemente, mas até onde é válido não levar a sério o bolso? Os céticos poderiam apenas dizer: se é problema financeiro, então não compra CD e não escuta música boa. Então tá, é uma visão bem maniqueísta, não é à toa que os piratas estão sustentando a família inteira (e até a dos outros) vendendo CD a cinco reais no meio da rua.