Eles (também) não pedem desculpas

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
janeiro 2004

Deixemos opiniões musicais de lado e vamos ao fatos. Caetano Veloso esteve recentemente no Recife, onde foi homenageado com o título de cidadão pernambucano na Assembléia Legislativa. Ele e Paula Lavigne parecem ter se divertido na praia de Boa Viagem, sobretudo quando encontraram um vendedor de CDs piratas que, ao ver o casal, correu para avisar que já tinha a trilha do filme Lisbela e o Prisioneiro. Para vender, é claro.

De acordo com os jornais locais, em seguida confirmado pelo casal, Paula Lavigne tratou de perguntar quanto era o disco e comentou com Caetano, que terminou encontrando entre os produtos do vendedor uma coletânea inédita sua, incluindo a canção “Você bem que podia perdoar, que ele nem conhecia (?). Os três conversaram, Caetano pagou os R$ 5 do CD pirata e, como quem não quer nada, perguntou ao ambulante quanto ele recebe por cada disco vendido. Prontamente, respondeu: R$ 2 para cada exemplar. Caetano recebe da gravadora cerca de R$ 1,30 por cada unidade de disco vendida.

O caso acima é emblemático por um motivo muito simples. Até pouco tempo atrás, apenas os artistas considerados “alternativos” ou “independentes” soltavam a voz para dizer quanto ganhavam da gravadora por cada CD e, eventualmente, reclamar que o repasse financeiro para eles beirava o ridículo.

Como conseqüência, passaram a ter uma produção própria e independente, mesmo que para isso tivessem que pessoalmente sair para vender CDs na rua e fazer parcerias com bancas de revistas.

Nada dura para sempre, inclusive o silêncio dos artistas mais conhecidos. Não duvido que, aos poucos, muitos desses famosos estejam fazendo coro contra as gravadoras. Enquanto isso, na Terra do Nunca, a imprensa não cansa de divulgar os releases (às vezes, na base do CTRL+C e CTRL+V) sobre as apreensões de CDs piratas e os prejuízos milionários (sic) das gravadoras.

GENETICAMENTE MODIFICADOS – Um dos temas abordados em nossas colunas anteriores é a proteção anti-cópia adotada por algumas gravadoras na hora de vender CDs. Sonham elas que, de tal modo, conseguem impedir que os álbuns sejam disponibilizados na internet e que os consumidores vão achar tudo o máximo. Desde o início dessa praga, a popularização das técnicas contra cópias apresentam sérios contratempos, além de um baita desconforto para quem pagou pelo CD na loja e sequer pode escutar no computador de casa.

E para não dizer que ficamos apenas restritos a Brasil e Estados Unidos, alguns casos recentes na França e na Austrália revelam algo meio óbvio: na hora de querer continuar embolsando as mesmas fortunas, mesmo que implique em prejudicar os consumidores, o idioma parece ser universal.

De acordo com a France2, emissora francesa de TV, a Justiça da cidade de Nanterre ordenou que a EMI reembolse uma consumidora que não conseguiu escutar o álbum J’veux do live, do francês Alain Souchon. A gravadora também pode trocar o disco por um convencional, sem a proteção – medida similar foi adotada no Brasil recentemente e noticiado por esta coluna. A decisão judicial francesa vale para qualquer consumidor afetado naquele país. A loja de departamentos Auchan também estava no processo, mas escapou.

A consumidora em questão não revelou seu nome e foi apoiada pelo UFC, órgão francês de defesa do consumidor (uma espécie de IDEC), que também está processando a Warner pela proteção em um CD de Phil Collins e a Universal pelo DVD do filme Cidade dos Sonhos.

O sistema de proteção empregado pela EMI – inclusive no Brasil – impede que a pessoa veja as faixas como arquivos no computador, o que teoricamente viabiliza a extração das músicas para o disco rígido e posterior cópia. Trata-se de um sistema tecnicamente falho (e super fácil de ser quebrado) e, além de tudo, é incompatível com sistemas operacionais Linux e alguns discman e CD players de automóveis. As gravadoras, simplesmente, não informam quais aparelhos não tocam os discos. Provavelmente, nem elas sabem.

Em Melbourne (Austrália), Russell Waters, técnico de uma empresa de energia local, reclamou à Australian Competition and Consumer Commission, órgão que vigia a relação entre mercado e consumidores), sobre a dificuldade de ouvir os CDs da EMI com a nefasta proteção. O órgão negou o pedido, afirmou que já havia emitido dois avisos públicos sobre a questão e que a gravadora ”faz o possível para informar os consumidores”. Ah, tá.

Se existe algo muito interessante sobre essas proteções, é a declaração oficial da Phillips sobre o assunto. Vale lembrar que a Phillips é a desenvolvedora original do padrão compact disc, vulgo CD. A empresa claramente desconsidera esses discos protegidos como CDs pois, tecnicamente, tratam-se de “produtos prateados e com dados de música, mas que apenas lembram um CD”. Então, o que são? CDs genéricos? CDs transgênicos? Não sabemos. Apenas estão longe de ser padronizados e, por conseqüência direta, ainda vão render muitas dores de cabeça – para quem os compra, é claro.

ROGAI POR NÓS – Era só o que faltava. Os engravatados da indústria cultural já haviam tucanado a questão da música na internet; agora tem igreja querendo beatificar as gravadoras e evangelizar o consumidor de música. A Christian Music Trade Association (CMTA), um grupo comercial da cidade de Nashville (EUA), passou a organizar uma força-tarefa para combater a pirataria de músicas. A associação chegou e disse que o download de músicas atenta contra a fé e a moral da Igreja.

Em reuniões semanais, o CMTA formula planos mirabolantes para alertar que o download ilegal de músicas é mais do que uma infração às leis. Também viola um dos dez mandamentos, aquele que se diz: “não roubarás”. O grupo analisa meios de conscientizar as pessoas do “pecado” (sic) que estão cometendo. Uma das alternativas elaboradas pelos bons samaritanos seria colocar uma espécie de marca d’água nas músicas dos CDs gospel. Quando alguém fizesse um download das faixas, o dispositivo alertaria o usuário que ele está fazendo o download de uma canção “impura” (sic).

Outra iniciativa é criar programas educacionais nas igrejas, para serem popularizados entre os fiéis. Se a moda pega, não vai demorar até que inventem a Assembléia do Santo Byte.

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