O dinheiro não compra a revolução

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
maio 2005

Ninguém agüenta mais ouvir falar de Napster. No entanto, o guri que desenvolveu aquele programa, Shawn Fenning, é um dos ícones dessa revolução internética sobre direitos autorais, MP3 e propriedade intelectual. Ao mesmo tempo, também é um belo modelo do que Mark Twain dizia, no século XIX: o liberal de hoje é o conservador de amanhã.

Em uma época onde tudo acontece tão rápido, a gente nem percebe o quanto de mudança pode ocorrer em um intervalo de cinco anos. Se antes a máxima de Mark Twain levava cinqüenta anos para se tornar realidade, hoje leva cinco. Um guri de 19 anos que planta sua pequena revolução, conquista milhões de seguidores em todo o planeta, para aos 24 ou 25 anos vestir um terno, uma gravata e carregar uma pasta Samsonite, evangelizando que os programadores e entusiastas da revolução deixem de lado tudo aquilo por qual lutaram tanto.

Fenning irritou-se quando “hackearam” a nova versão do Napster, que agora trabalha em conjunto com as gravadoras, para vender músicas pela Internet sem diferencial algum. Aliás, apenas um: ao assinar um determinado plano mensal, você faz quantos downloads quiser, mas apenas do acervo que as gravadoras envolvidas liberam.

Aqui na coluna, já falamos sobre o acordo milionário entre o criador do Napster e a Bertelsmann, gigante da indústria fonográfica. Falam em cifras de até US$ 50 milhões, pagas na época. Acontece que o “novo” Napster nunca havia saído do papel até então. Mas saiu. Quase ninguém sabe ou conhece, por um motivo bem simples: a abordagem é completamente diferente daquela semente de revolução plantada no final dos anos 90, quando o programa surgiu pela primeira vez.

No início deste ano, apareceu na Internet um “jeitinho” de burlar o sistema de segurança do novo Napster, de modo a permitir o download irrestrito de músicas. Igualzinho ao Napster de antigamente. A ironia era óbvia e irritou o revolucionário-de-araque, que depois saiu reclamando publicamente e proclamando que “as pessoas não deveriam fazer isso”.

Ninguém questiona (quer dizer, ao menos eu não questiono) ou julga as opções profissionais de Fenning. Apesar de imaginarmos que ele não seria o tipo de pessoa a ficar desempregada e sem teto, também sabemos que emprego está difícil para todo mundo, até nos Estados Unidos também, dizem. Então deixem o cidadão trabalhar onde quer e fazer o que bem entende. Há certos momentos, contudo, em que é melhor ficar calado. Como diz o ditado popular, se não tem o que falar, não fale.

O tempo passa e as pessoas criam novos valores, agregam novas experiências e mudam suas visões de mundo. Respeitar a história de uma vida, porém, é para poucos. Talvez os governantes atuais no Brasil devessem pensar um pouco sobre o assunto, mas aí é outra história – ou melhor, outra coluna.

O difícil é quando “uma vida” é nada mais do que um intervalo de cinco anos. Efêmero demais, fútil demais. A semente da revolução, que expõe as manchas negras de setores de uma indústria de entretenimento que adora se fazer de vítima em cima da ignorância das massas, já foi plantada. Pelas mesmas pessoas que mostram como o sistema é falho, como o discurso puramente mercadológico é falacioso.

O “hacker” do novo Napster não fez absolutamente nada. Ironicamente, o jeito de burlar o programa partia de um recurso legítimo contido no Winamp, um popular tocador multimídia que também surgiu naquela mesma época. Não houve quebra de código algum, nada de violação de direitos autorais. Foi apenas uma coisa incrivelmente simples, para mostrar algo ainda mais simples: a fragilidade do discurso da indústria que, entre outros assuntos, adora falar das soluções de segurança embutida nos arquivos de música, para que os usuários paguem pela faixa e não copiem, não gravem em outras mídias.

Os caras investem milhares de dólares em campanhas promocionais, propaganda, marketing, coquetéis e anúncios na mídia, divulgando as maravilhas dos esquemas de segurança. Para, no outro dia, uma simples função de um programa qualquer mostrar ao mundo que tudo não passa de uma balela.

Mas o pior veio depois. O recurso embutido no Winamp, legítimo – e o download é gratuito – foi retirado. Porque os direitos do Winamp hoje são da America Online (AOL) que também tem todo o interesse que o esquema fechado do Napster dê certo. Assim que souberam da falha, trocaram as versões para download do servidor deles e, hoje, quem for atrás do programa não vai encontrar mais a “falha de segurança”, como eles batizaram.

A propaganda é, de fato, um grande negócio. Não sei porque ainda tem gente no mundo que insiste em jornalismo…