Contra-ataque

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
setembro 2003

A campanha contra músicas “piratas” começa a enfrentar contra-ataques, embora concentrados no Estados Unidos, por enquanto. Em agosto, o juiz federal Joseph Tauro determinou que duas universidades não revelassem as identidades de estudantes que poderiam estar compartilhando ilegalmente arquivos online. O Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e o Boston College ganharam judicialmente o direito de não atender as solicitações da Recording Industry Association of America (RIAA).

Investir contra empresas, provedores e universidades, a fim de que revelem a identidade dos “trocadores”, é uma das grandes apostas da indústria fonográfica – não para conter a troca de arquivos de forma frontal, mas sobretudo para tentar impor um certo ar de temeridade em relação a usuários, domésticos ou corporativos. O assunto já foi detalhado em algumas de nossas colunas anteriores aqui na Backstage.

O interessante é que a discussão tende a sempre parar na mesa do Judiciário. Sim, porque é válido lembrar que, ao menos em relação aos provedores de acesso, o usuário é cliente com a crença de que terá sua privacidade protegida. A partir do momento em que o provedor seja obrigado, mediante uma liminar, a revelar a identidade dos usuários, cai por água uma série de normas e padrões corporativos, tão difundidos pelo próprio corporativismo americano. Categoria, aliás, a qual faz a indústria fonográfica faz parte.

No caso das universidades, a diretoria de ambas argumentou que as ações, registradas em Washington, não se aplicavam em Massachusetts. A decisão do juiz, que liberou as universidades de revelar as identidades do pessoal do troca-troca, abre um certo precedente contra a ofensiva da RIAA. Para termos uma idéia, até agosto de 2003 estavam registradas 2 mil ações do gênero na corte de Washington.

VOZ AMIGA – A Electronic Frontier Foundation (EFF) é uma das pertinentes vozes que, há tempos, tem saído em defesa dos usuários. Ela é contra a pirataria, mas é principalmente a favor do direito à privacidade, da livre escolha e contra atitudes predatórias da indústria fonográfica que, como todos do meio sabem, ocorrem no mundo inteiro. No Brasil, o assunto já foi abordado em pelo menos três de nossas colunas.

De acordo com representantes da EFF, a decisão favorável ao MIT e ao Boston College possui um grande significado pois, ao que tudo indica, agora a RIAA terá que registrar as ações judiciais em cortes espalhadas pelo país, resultando em processos ainda mais longos e complexos.

No caso dos provedores de acesso, representados hoje em dia pelo grupo NetCoalition, mais de cem já escreveram uma carta oficial para representantes da RIAA, em crítica à tática de processos individuais contra downloads ilegais de arquivos feitos por usuários – a RIAA processa judicialmente cerca de 75 pessoas por dia.

Os provedores estão preocupados com o uso das informações pessoais dos usuários, além, é claro, de uma série de outros fatores comerciais. Em entrevista recente ao jornal New York Times, um dos advogados da RIAA, Matt Oppenheim, garantiu acreditar que o protesto dos provedores é uma forma de proteger a receita (financeira) advindas dos usuários que trocam muitos arquivos pela internet, visto que eles representam mais de 50% do tráfego de banda larga (internet em alta velocidade) das redes de cabo.

PESQUISAS – Um estudo divulgado em agosto, pelo instituto de pesquisas Pew Internet & American Life, concluiu que 35 milhões de americanos adultos fazem download de músicas pela internet. Destes, 26 milhões compartilham os arquivos pela rede. A pesquisa indica que 2/3 dos internautas (67%) que fazem download e/ou compartilham, não dão a mínima para a lei de direitos autorais. Os 27% restantes se importam com os direitos e 6% não têm posição clara.

Aqui, não adianta chover no molhado. Algumas das potenciais falhas nas leis de direitos autorais, também no Brasil, já foram tema de colunas anteriores. Particularmente, creio que a pesquisa acima serve apenas como uma referência qualquer – quase inócua – visto que poucos sabem a metodologia adotada.

A Jupiter Research, em outra pesquisa divulgada recentemente, mostrou que as vendas online de CDs estão estagnadas nos EUA em 2003, quando vão atingir US$ 750 milhões, o que representa 7% da indústria total de música. Menos de US$ 75 milhões destas vendas serão de música adquiridas por meio de download. Parte do problema, diz a pesquisa, estaria nas restrições que as grandes gravadoras estão colocando nos contratos com os serviços online, tentando impedir a reprodução ilegal do material adquirido pela internet. A ladainha que a internet diminui a venda de CDs é outro tema previamente abordado aqui na Backstage.

SUBPOENAS – A palavra que tem sido mais usada em debates atualmente, no mundo da música online, é “subpoena”. Em inglês, subpoena é um comunicado oficial, por escrito, em que a pessoa mencionada no documento deve comparecer a uma corte judicial para pagar uma penalidade por “falha”. Trocando em miúdos, é o documento que a RIAA tem enviado à casa de centenas de americanos – por enquanto, só nos Estados Unidos – que foram confirmados como grandes trocadores de arquivos pela internet.

A confirmação dos dados pessoais desses usuários, como pode-se imaginar, partiu das ações judiciais contra provedores e universidades que, para cumprir a lei, tiveram que abrir os cofres da privacidade e liberar tudo. O grande porém é que a RIAA não divulgou quem são essas pessoas. Simplesmente, comunicou à imprensa o que ia fazer e passou a enviar os subpoenas.

O contra-ataque não demorou a chegar. Criada pela EFF, uma ferramenta disponível na internet (veja no site deles) permite a qualquer usuário verificar se seus endereços IP domésticos ou seus nomes de usuários (logins) nos serviços P2P estão na lista de nomes e endereços da RIAA, presentes em centenas de intimações judiciais enviadas aos provedores de acesso. O uso da ferramenta é simples. Basta preencher os campos com o nome de usuário que você usa nos programas P2P, como Kazaa, Emule etc, ou o endereço IP fixo. Quem tiver o nome listado, recebe um link para uma cópia da intimação na web.

Fred von Lohmann, advogado da EFF e personagem de nossa coluna anterior, especialista em propriedade intelectual, garante que a lista tem os nomes de possíveis envolvidos em futuros processos individuais, mas serve ainda para aliviar os ânimos de muita gente que imagina estar sendo perseguida. Evidente que há uma diferença entre o número oficial de processos e o revelado ao público pela lista da EFF, mas o intervalo de tempo para atualização é curto.

BAD – Uma última nota, interessante. O popstar Michael Jackson criticou, abertamente, a legislação que transforma o download de material com direitos autorais em crime federal passível de prisão. Ele comentou sobre o assunto quando foi indagado para comentar sobre o chamado “Authors, Consumer and Computer Owners Protection and Security Act of 2003” (ACCOPS), ato que está sob análise no Congresso americano. Caso seja aprovado, o ato considera o download de materiais com direitos autorais um crime passível de prisão.

Parece que a “estrela” está por dentro do assunto, diferentemente da maioria. Porque Michael Jackson mostrou-se enfático ao dizer ser “contra a idéia de prender os fãs de música por fazerem download. É ilegal, mas a resposta não deve ser a prisão”, declarou. Para o cantor – e só mais a torcida do Flamengo — a indústria de entretenimento e os consumidores deveriam encontrar uma solução conjunta. “Devemos criar novas oportunidades com estas adversidades, não leis punitivas. Devemos olhar para novas tecnologias, como o iTunes Music Store, da Apple.” (vide coluna anterior).

Michael Jackson concluiu sua oposição dizendo que os fãs são os responsáveis pelo sucesso das músicas. Falou e disse.

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