Cenário alternativo e independente na Web do Brasil

Paulo Rebêlo
Revista Backstage
agosto 2004

Talvez tenha se tornado clichê falar sobre a maravilha proporcionada pela internet para as bandas independentes e menos conhecidas, mas é fato. A grande dificuldade ainda é fazer com que algumas dessas bandas, tanto no Brasil como no exterior, realmente adotem a internet como uma ferramenta de distribuição, marketing e interatividade com o consumidor.

Não é exagero traçar uma analogia entre o comportamento de bandas e o de jornalistas. É comum reclamaram conosco, com bastante razão, de que jornalistas escrevem cada vez menos para o leitor; que jornalista escreve para jornalista ler; que os interesses do leitor nunca são prioridade, mas sim os interesses que o jornalista acha que são prioritários; e assim por diante.

Faz parte do senso comum a percepção de que, quanto mais famoso se torna um artista ou uma banda, menos contato direto com o público se tem. O mesmo não vale para as bandas independentes. Quantas vezes você não escutou um som super legal, em um bar qualquer, em que a banda tocava a poucos metros de distância e, no final, ainda veio cumprimentar os clientes do bar? Às vezes, essas bandas já possuem anos de estrada, vários CDs vendidos.

Existem várias iniciativas na internet por parte de bandas independentes, artistas e entusiastas. É uma mudança de paradigmas bem interessante, não obstante ainda encontrarmos, de vez em quando, algumas bandas independentes radicalmente contra o MP3 e a distribuição pela internet. O cenário está mudando e, toda vez que uma ‘celebridade’ anuncia publicamente ser contra a posição da indústria fonográfica, esses novos paradigmas ganham força, adesões, simpatia e novos entusiastas.

RE:COMBO – Sem medo de escorregar em ufanismos, o projeto Re:combo [www.recombo.art.br] é um dos exemplos mais notórios, ao menos conceitualmente, do que pode ser feito com boas idéias, bom senso e empenho social na internet. Trata-se de um coletivo formado por artistas, engenheiros de software, professores, DJs, jornalistas e nerds de informática, que durante um belo dia de 2001 resolveram revisar os conceitos impostos pela indústria fonográfica e pelas ladainhas da propriedade intelectual.

O grupo recebe samples pela internet de várias partes do mundo. Recombinam as músicas, fazem apresentações ao vivo e estão sempre engajados em projetos culturais e colaborativos. Com o passar dos anos, a adesão aos ideais do grupo cresceu tanto que, hoje, o Re:combo é um dos modelos citados pela Creative Commons como um dos mais relevantes trabalhos na criação de licenças de uso livre para produtos culturais — filmes, grafitagens, fotografias, software e até livros em esquema de livre uso.

Ao perceberem a necessidade da abertura das fontes de trabalhos para uso livre por terceiros, fez-se necessária a criação de uma Licença de Uso para assegurar que os conteúdos continuassem livres nos processos subseqüentes de produção, originadas a partir das obras do coletivo. Foi assim surgiu a Licença de Uso Completo Re:combo (LUCR), agora com o respaldo da Creative Commons – www.creativecommons.org

De acordo com essa licença, “trabalho” é definido como “qualquer criação do intelecto humano com o propósito de materializar, em qualquer suporte tangível ou intangível, existente ou que venha a existir no futuro (…)”. São considerados trabalhos “as obras artísticas, literárias ou científicas, audiovisuais, fonogramas, software de código aberto ou não, programações, bases de dados ou qualquer trabalho derivado baseado em um trabalho originário criado pelo detentor dos direitos de autor sobre este”.

PROJETO NEMO – Outra iniciativa interessante é a do pessoal do Projeto Nemo [www.nemo.com.br], liderado pelo Guilherme Darisbo. É um coletivo independente de música, com faixas MP3 para download, notícias da cena alternativa e independente, além de muita agitação cultural, principalmente para quem está em São Paulo. Darisbo lançou recentemente Plug (foto), um CD reunindo “músicas inacabadas”, na seqüência de lançamentos denominada pelo Nemo como Cine Victória.

Na visão do autor, “todo disco só começa a existir de fato no momento em que é escutado, com a música sendo percebida e interpretada. Com a assimilação, o áudio gravado se torna produto acabado, comunicado, se torna obra. Neste CD a interpretação vai mais longe. Mesmo que possa ser ouvido como qualquer outro CD, estas faixas não são músicas acabadas e não se completam com uma simples audição. A coisa é mais. O ouvinte deve ser mais que simples espectador, deve se tornar parceiro. Editem estas faixas, todas estão inacabadas. Ripem, recortem, colem. Terminem. Transformem estas faixas em algo que eu não tenha imaginado. Transformem em músicas de verdade. Divirtam-se.”

Vale a pena conhecer o trabalho de rapaz. O primeiro disco do Cine Victória foi Não Meu Amor (foto) e mais informações sobre o coletivo e os discos podem ser obtidas, claro, na internet – www.nemo.com.br/cinevictoria

NETMUSIC – Eles se intitulam como a sua TV de música na internet. Fato é que com menos de um ano de funcionamento, a emissora virtual já conquistou bastante respeito junto ao público, artistas e mídia. De acordo com os diretores da Netmusic (Marcelo Correa, Fernando Svevo e Silvio Alvarez), atualmente o site conta com mais de 800 mil pageviews por mês. A idéia dos fundadores é de promover a música, sem distinção de estilos, divulgando também os artistas da cena independente em shows, entrevistas, videoclipes, bastidores e programas especiais. O internauta conta com a grade de programação, de colunas, arquivos e informações sobre eventos do meio musical. Quem tiver banda e quiser participar, é só preencher um formulário e entrar em contato com a Netmusic.

Nas próximas colunas, tentaremos falar um pouco mais sobre o movimento independente no Brasil que tem como base a internet. Mandem suas sugestões e comentários por e-mail, para que juntos possamos tornar esses projetos cada vez mais conhecidos.

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