Fãs de todos os estados do Nordeste estão vindo em caravana para conferir a única apresentação da banda no Recife, na terça-feira, no Jockey Club
Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco
29.março.2009
Eles só não vendem a mãe, mas há quem desconfie. De resto, vale tudo para assistir à primeira e única apresentação do Iron Maiden no Recife, nesta terça-feira (31), no Jockey Club. Ingressos comprados desde o início das vendas pela internet, os fãs estão vindo em caravanas de todos os estados do Nordeste.
Não importa que seja no meio da semana, sempre haverá uma boa desculpa (ou atestado médico) para apresentar no trabalho ou na faculdade. E apesar das dificuldades logísticas, nenhum deles reclama da “ginástica” para conseguir assistir ao show e, muito menos, do valor dos ingressos e dos ônibus fretados.
A apresentação do Iron Maiden reúne fãs das mais variadas cidades e idades. E é responsável por transformar jovens e adolescentes em veteranos do heavy metal, como a paraibana Denise Eduardo de Oliveira. Com apenas 20 anos, a estudante de Relações Internacionais organiza praticamente sozinha uma das muitas caravanas de João Pessoa para o Recife. Afaixa etária no ônibus organizado por Denise fica entre 16 e 26 anos, mas todos os dias tem gente telefonando em busca de uma vaga.
Além de Denise, a capital da Paraíba envia pelo menos meia dúzia de ônibus lotados com fãs da banda. Metaleiros do Ceará, Alagoas, Rio Grande do Norte, Bahia, Piauí e Maranhão são esperados a partir desta segunda-feira. Boa parte promete passar o dia de terça-feira inteiro na fila do Jockey Club. Outra parcela promete chegar ao Recife mais cedo e ir recepcionar o Iron Maiden no desembarque do aeroporto. Haja fôlego.
Idolatria pura
Para os fãs nordestinos, o Iron Maiden é a maior banda de heavy metal do mundo e por ela vale pagar promessa, trocar plantão e se endividar.
Sefleijane Carvalho vem de Simplício Mendes, no Piauí. Agente de saúde e estudante de pedagogia, Sefleijane já vendeu o computador, está com as contas atrasadas e quatro carnês pendentes das Lojas Paraíba.
Para o jovem piauiense de 22 anos, contudo, dinheiro é o último dos problemas. “Não tive grana para ver o Iron Maiden em São Paulo, anos atrás. Desde então, fiz uma promessa que se conseguisse ir a um show deles, iria cortar meu cabelo… que há seis anos deixo crescer”, explica, quase lamentando.
De Simplício Mendes, o fã pega um ônibus até Teresina e de lá segue de caravana até o Recife. Na volta, após o show, garante que irá parar no primeiro cabeleireiro da capital piauiense e cumprir a promessa. “Vale tudo para ver a maior banda de heavy metal do mundo aqui no Nordeste, perto de casa. Acho que vou é vender meu cabelo, ao menos consigo pagar algumas prestações atrasadas”, garante.
No quesito fã-clube, inusitado é apenas um detalhe para o paraibano Bismarck Dickinson. Antes de qualquer explicação, ele mesmo se antecipa e diz: “não é apelido, meu nome é este mesmo, em cartório e certidão de nascimento, com muito orgulho”, referindo-se ao mesmo sobrenome de Bruce Dickinson, vocalista do Iron Maiden.
Aos 20 anos, Bismarck vem em caravana para o Recife, enquanto seu pai, Sérgio Alfredo Lacerda, 41, vem por conta própria com amigos. “Meu pai me batizou assim por causa da banda, claro. E batizou meu irmão também, o nome dele é Danny Dickinson (16)”, antecipa-se novamente. Bismarck vai perder um dia de trabalho, mas negociou com o chefe para compensar as horas-extras depois. Também pudera, com um nome desses, quem duvidaria da idolatria ao Iron Maiden?
Da Bahia, Cícero Tavares ajuda a organizar a caravana The Troopers saindo de Feira de Santana, passando por Salvador e enfim chegando ao Recife na terça-feira pela manhã. Ainda não formado e fazendo estágio, Cícero não sabia como arcar com as despesas para tantos shows de heavy metal programados para o primeiro semestre, como o Kiss no Rio de Janeiro e o Motorhead aqui no Recife, programado para o Abril Pro Rock. “Vendi meu carro, coloquei o equipamento de som automotivo (com DVD!) à venda, cancelei minha festa de formatura, vendi vários dos meus CDs e quase enlouqueço porque minha casa está em obras e a maior parte da grana do carro já foi embora. Mas nenhum fã de verdade perde um show desses”, resume.
Influência – Com apenas 20 anos, a estudante Denise Eduardo de Oliveira organiza uma das principais caravanas de João Pessoa e não esconde a empolgação. “Comecei frequentando caravanas de heavy metal porque a cena metaleira aqui na cidade é muito pequena… com o tempo, vi que levava jeito e hoje organizo praticamente sozinha, já estou com um ônibus inteiro lotado. Vamos logo cedo pela manhã e iremos passar o dia inteiro no Jockey à espera do show”, explica Denise, que começou a ouvir heavy metal aos 12 anos por influência indireta do pai. “Ele escuta muito Raul Seixas, Beatles, essas coisas… e às vezes colocava Iron Maiden e Metallica”, relembra.
Junto aos amigos em João Pessoa, como André Farias e Bruno Trindade, Denise se diverte com as histórias que o pessoal vai inventar, na quarta-feira, quando voltarem ao trabalho ou faculdade. “Muita gente ainda acha que heavy metal é coisa de drogado. É um pouco underground, é verdade, mais pela carência de estrutura [para shows] da cidade, nada mais”, explica.
Reclamação similar tem o escritor Sidney Nicéas, do Recife. Ele leva três gerações da família para o Jockey Club. “É preciso acabar com essa história de que rock’n roll é coisa de menino. Sou relações públicas de formação, casado, pai de um filho e de duas enteadas, tenho 33 anos e, sei, vou gostar desse estilo até morrer. Meu pai tem 66 anos, é promotor de Justiça aposentado e também vai conosco assistir ao Iron Maiden. Vamos os três!”, orgulha-se Nicéas.
Casos assim já são comuns para o estudante de medicina Gregório Silva, de Barbalha, no interior do Ceará. Ele “trocou” o carnaval com os colegas do hospitalpara poder vir ao show do Iron Maiden. “Passei o carnaval inteiro trabalhando, vendi outras folgas, tudo para conseguir pagar essas despesas”, completa.
De Campina Grande (PB), Daniel Leite Costa vem ao Recife mesmo com recomendações médicas ao contrário. “Estou com crise de rinite e sinusite, eventualmente dá febre. Certamente vai chegar o dia do show e não estarei melhor, mas vou de qualquer jeito. Já deixei uma pessoa de sobreaviso em casa, caso algo de grave aconteça”, revela.