Terrorismo: mistério paira sob o Canadá

Uma semana após a prisão de dois supostos terroristas, pouco se sabe sobre ligação com a rede Al-Qaeda

Paulo Rebêlo
Jornal do Commercio
28.abril.2013

MONTREAL – Seis dias após a prisão de dois suspeitos de terrorismo no Canadá, o país continua dividido entre a aparente tranquilidade e os mistérios crescentes sobre os dois homens detidos pela polícia: Chiheb Esseghaier, 30 anos, natural da Tunísia e residente de Montreal, na francofônica província de Quebec, e Raed Jaser, 35, natural dos Emirados Árabes Unidos, preso em Toronto (Ontario), centro econômico do país. Ambos foram detidos na última segunda-feira, acusados de planejar um atentado contra um trem de passageiros que faz o percurso Toronto-Nova Iorque, após
investigação bilateral entre Canadá e Estados Unidos. Os dois países alegam vínculos dos dois com a rede terrorista Al-Qaeda.

Enquanto parte dos canadenses critica a conhecida flexibilidade das leis de imigração, especialistas em segurança questionam a imputabilidade do governo sobre as informações públicas e o banco de dados de imigrantes. Residentes de todas as nacionalidades se preocupam sobre um eventual surto de xenofobia, principalmente com imigrantes de países árabes. Não à toa, o primeiro-ministro do Canadá, Stephen Harper, durante a semana fez questão de agradecer em rede nacional à comunidade muçulmana no país pela ajuda no desenrolar das investigações. Harper agradeceu especialmente a um Iman (líder religioso islâmico) de Toronto, que ajudou a polícia a descobrir as alegadas intenções terroristas dos dois acusados.

O receio do primeiro-ministro e da comunidade islâmica não é para menos. Chiheb Esseghaier poderia
ser qualquer um dos milhares de imigrantes que chegam ao Canadá para estudar ou trabalhar, em boa
parte com atraentes incentivos e bolsas custeadas pelo governo federal ou pelas províncias. Em vias de completar seu PhD (doutorado) no departamento de nanotecnologia da Universidade de Quebec, uma das mais conceituadas do país, ele trabalhava em uma das unidades do popular Instituto Nacional de Pesquisa Social (INRS) em Montreal.

Os mistérios começam justamente quando se olha mais de perto a vida social e profissional de Chiheb. Embora estivesse vinculado a dois ícones acadêmicos, os documentos oficiais entregues pela polícia à Justiça revelam que Chiheb não tinha endereço fixo no Canadá. Segundo analistas de segurança, situações ainda mais estranhas são difíceis de explicar e recaem sobre o governo. A Universidade de Quebec não conseguiu encontrar nenhuma informação adicional sobre o endereço de Chiheb, que estava há três anos no programa de doutorado.

Da capital Ottawa, a embaixada da Tunísia despachou uma nota oficial classificando Chiheb Esseghaier como um “estudante brilhante de doutorado” que teria chegado ao Canadá para estudar, em agosto de 2008. A polícia investiga ainda uma série de outras “curiosidades” envolvendo o estudante e seu orientador da tese de doutorado, além de um blog que foi tirado do ar às pressas após a prisão de Chiheb na segunda-feira, dentro de uma lanchonete McDonald s localizada na Estação Central de Montreal.

O outro acusado, Raed Jaser, chegou a ser ameaçado de deportação em 2004 por falta de documentação oficial e outras questões envolvendo fraudes e ameaças de morte em anos anteriores. Curiosamente, o Canadá concedeu status de residente permanente para ele, que está no país desde 1993.

RECRUTADORES

Em virtude das críticas e questionamentos de especialistas em segurança e terrorismo, as autoridades canadenses divulgaram mais notas oficias explicando que os dois acusados estavam sob investigação há quase um ano e que a prisão foi, justamente, o ponto alto de uma operação ainda em curso e que deve prender ou interrogar outros supostos envolvidos pelos próximos dias.

Uma das teorias ainda não confirmadas é que os dois acusados poderiam ser recrutadores de extremistas, usando as oportunidades profissionais para viajar a outros países e fazer contatos com grupos terroristas. A informação, no entanto, não é confirmada oficialmente – assim como várias outras questões levantadas até agora.

Wesley Wark, especialista em segurança nacional e terrorismo, vinculado à Universidade de Toronto, não acredita em participação direta da Al-Qaeda nesse episódio. Em entrevistas ao longo da semana passada, ele acentuou que se trata mais de uma questão de narrativa. “Indivíduos mais radicais usam o legado e a inspiração de Osama bin Laden como combustível para (tentar) cometer esses atos terroristas”, explica, lembrando do Toronto 18, um grupo de 18 pessoas que em 2006 tentou criar uma célula independente da Al-Qaeda em Toronto. Todos os integrantes foram presos. Há outros casos pontuais, mas a recorrência é sempre doméstica.

Christie Blatchford, colunista do Gazette, único jornal anglofônico em Montreal, compara a reação das autoridades canadenses com a observada nos atentados a bomba na Maratona de Boston, uma semana
antes. Chamando para si o papel de porta-voz da mídia local, ela também reclama do posicionamento
oficial do país, considerado oposto ao americano: com o governo aparentando estar mais interessado em se esconder do que em abrir os dados dos quais dispõe sobre a situação.

A falta de informação ainda é tão latente que, até o fechamento desta matéria, na última sexta-feira, os sites de todos os principais jornais e canais de televisão do Canadá apresentavam mais notícias e análises sobre os atentados em Boston (EUA) do que sobre o plano terrorista envolvendo cidades e instituições ícones canadenses.

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