Quem vai combater a violência?

MUDANÇA // Novo prefeito tem como principal meta investir na segurança do Recife, a capital mais violenta do país

Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 27.julho.2008

Depois de fazer a revisão de uma prova, às 19h30 saí da faculdade em direção à residência de um amigo, em Afogados. No cruzamento próximo à loja Tupã, fui abordado por alguém que saiu por trás de uma árvore e agia nas imediações há bastante tempo. Eu olhava para a direita quando ouvi o grito de “pare” e, em seguida, ele atirou a cerca de 30cm do meu rosto. A bala partiu o queixo pelo lado esquerdo. Um segundo tiro entrou no painel do carro. Foram sete horas na sala de cirurgia, dias na UTI e uma traqueostomia. Durante a recuperação, fui à delegacia do Bongi e registrei queixa. Os policiais não fizeram nada para investigar o caso. Dois anos depois, tive um carro arrombado na minha garagem, prestei queixa na delegacia do Cordeiro. Sabe o que os policiais fizeram? Nada.

O relato acima poderia partir de qualquer um dos 1.533.580 habitantes do Recife, cujo índice de violência é, de novo, um recorde em nível nacional. A única diferença é que a situação ocorreu em 2004 com o candidato à prefeito Roberto Numeriano (PCB). De todos os concorrentes à prefeitura nesta eleição municipal, o comunista ostenta a situação mais traumática.
Raul Henry (PMDB) teve seu veículo roubado, em 1994, após um jogo do Brasil na Copa. “O assaltante chegou a bater em minha costela com o revólver”, recorda. Kátia Telles (PSTU) foi assaltada junto a um grupo de amigos, em 2000, mas não lembra direito. Edilson Silva (Psol) teve o relógio furtado, no ônibus, há dez anos. Todos os demais – João da Costa (PT), Cadoca (PSC) e Mendonça Filho (DEM) – não foram vítimas da violência no Recife, segundo relataram ao Diario.

É inócuo desfilar números e estatísticas. A insegurança do Recife, reflexo direto da realidade caótica de Pernambuco, é percebida em todos os bairros, horários e classes sociais. Diferentemente das doenças por falta de saneamento básico, ausência de moradia ou filas no Hospital da Restauração, a violência atinge as classes média e alta da cidade. Chega à Avenida Boa Viagem e aos restaurantes chiques, sempre tão competentes em omitir os ocorridos. Não à toa, hoje nenhum candidato permite que o tema passe em branco em suas promessas e discursos.

O argumento de gestores públicos no Brasil sempre foi o apelo constitucional, ou seja, segurança pública é de responsabilidade dos governos federal e estadual. O alto índice de homicídios e crimes violentos nas capitais, contudo, esvaece o discurso. Estudos acadêmicos e pesquisas científicas comprovam uma realidade há muito conhecida: somente com atuação ampla e integrada, pela prefeitura, se consegue reduzir índices de violência nas cidades mais afetadas pelo crime.

Crimes precisam de estatísticas

Qual será o maior desafio do próximo prefeito? Complementar o aparato policial ou planejar espaços públicos e boa convivência social? Não há resposta objetiva, mas há indicadores. De modo geral, as propostas dos candidatos são convergentes. Com destaque para a revisão da atuação da guarda municipal e para a reurbanização de bairros carentes e escolas públicas.

O argumento é simples. A ausência de opções para lazer urbano, espaços públicos e geração de renda cria um ciclo vicioso o qual, comumente, desboca no crime: ócio, desemprego, ignorância, falta de expectativas, desinformação. Para o cientista político e pesquisador da área, José Maria Nóbrega (UFPE), não basta apenas investir em qualidade de vida, é preciso elaborar dados informacionais concretos, para estudos e aplicação de políticas públicas de segurança. “Hoje isso não existe aqui. Há delegacias que não possuem sequer computador, não há banco de dados, não há como mapear as ocorrências, tudo ainda é muito incipiente”, diz.

A urbanista Clarissa Duartetambém defende os processos de reurbanização para combater a violência. “Estimular a dinâmica urbana e o comércio de bairro, a iluminação e a arborização viárias são iniciativas fundamentais para estimular o aumento do uso dos espaços públicos. E este uso intenso pela população gera a necessária e gratuita vigilância social”, define, reforçando o papel da sociedade.

Trata-se de posicionamento um pouco diferente do ex-secretário Nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da PM de São Paulo, José Vicente da Silva Filho. “Ninguém se pergunta por que vocês têm o maior índice de homicídios do Brasil, parece que apenas engolem os números e lançam novos projetos sociais que nunca dão certo”, condenou, em entrevista ao Diario no início do ano.

Mais luz para garantir a segurança

PREVENÇÃO // Recife ainda sofre com ruas mal iluminadas, o que, segundo os especialistas, favorece o aumento da violência urbana

“Marginal é igual a barata, sempre irá existir onde houver sujeira e escuridão”. Nesta afirmação, sempre polêmica, o ex-Secretário Nacional de Segurança Pública e coronel da reserva da PM de São Paulo, José Vicente da Silva Filho, costuma rebater os argumentos dos gestores públicos. Considerado um dos maiores especialistas do setor, ele acredita que a boa iluminação é fator óbvio e crucial para se iniciar o combate à violência, embora não seja o único. “Diga qual é a cidade que reduziu a violência com projetos sociais? Não adianta levar reggae e hip-hop às favelas e esperar a solução”, alfineta.

Para a urbanista e pesquisadora Ladjane Carvalho (UFPE), “a gestão do espaço público é bem mais complexa do que frases de efeito. Importa são os fatos e os dados livres de manipulações tendenciosas, algo difícil de ser realizado por políticos. Há vários estudos que comprovam o cruzamento positivo entre segurança pública e planejamento urbano”, explica. Com base em sua pesquisa de mestrado, “o impacto da iluminação pública sobre a cidade e seus usuários”, ela questiona: a violência urbana mata, mas o que dizer dos atropelamentos e acidentes agravados na condição noturna das cidades, com iluminação precária ou inexistente?

A iluminação pública é um dos papéis específicos das prefeituras. Prometido para março deste ano, o novo sistema de iluminação do Recife – batizado de Reluz – está longe de ser concluído e apresenta resultados pífios para a população até agora. O projeto se arrasta na burocracia desde 2003 e, quase a cada ano, ganha um novo discurso e um novo “lançamento”. O mais recente ocorreu agora em julho, quando o prefeito João Paulo anunciou o “início do projeto Reluz” e um paliativo intermediário, o “projeto Farol”. Enquanto o primeiro prevê investimentos de R$ 36 milhões, com recursos do governo federal, o segundo faz parte de “iniciativa própria da prefeitura para áreas carentes”, com R$ 3 milhões anunciados.

O vínculo entre iluminação e segurança não é novidade no Recife. Entre 2001 e 2002, no auge do apagão elétrico, a Comissão Estadual de Acompanhamento do Racionamento definiu que os bairros da região metropolitana com os maiores índices de violência seriam poupados do racionamento pelo qual todos os outros bairros passaram. Para o cientista político Adriano Oliveira, do Núcleo de Estudos de Instituições Coercitivas e da Criminalidade (NICC), “a realidade atual apenas revela que não se trata de um assunto de prioridade para as prefeituras”, arrisca. Para José Maria Nóbrega, do mesmo núcleo, “o discurso de a prefeitura não ter papel ativo ou indireto já está desgastado”.

Planejamento urbano

A cada semana, 1,2 milhão de pessoas se mudam do campo para a cidade no mundo. Se as administrações municipais não mergulharem na questão do planejamento urbano, o caos irá reinar em todo lugar. O alerta é de George Martine, consultor das Nações Unidas (ONU) durante um simpósio na 60ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), agora em julho, na cidade de Campinas.

Para José Maria Nóbrega, do NICC-UFPE, é bastante compreensível que as capitais tenham um maior índice de homicídios e violência por causa da maior população. Por outro lado, uma série de fatores considerados determinantes, pela sociologia, aos poucos começam a ruir frente às evidências empíricas. “Pobreza e desigualdade social são dois fatores, mas as pesquisas atuais mostram que pode até se diminuir os crimes e assaltos, não os homicídios”, explica, debruçado sobre sua pesquisa de doutorado. “Sem construir centros de pesquisa, debates, bancos de dados sofisticados para que possamos mapear as ocorrências e aplicar políticas públicas direcionadas, não há direção”, pondera.

De acordo com o Mapa da Violência, elaborado em 2007 pelo Ministério da Justiça em parceria com outras entidades, o índice no Recife é de 90,5 homicídios por 100 mil habitantes entre 2002 e 2006. Pelos dados da Secretaria de Defesa Social (SDS), em 2006 o mesmo índice seria de 72 por 100 mil e em 2007 de 68/100 mil. Se é muito ou pouco, basta contextualizar. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a partir de 10 homicídios por 100 mil habitantes, a situação é de epidemia. No Chile, a taxa é de 1,8.

Nóbrega lembra, ainda, que embora o Recife seja a capital com pior índice nacional, é a nona cidade mais violenta do país. Ou seja, aqui pertinho, nas vizinhas Paulista, Cabo de Santo Agostinho e Vitória de Santo Antão, a realidade é pior. No Mapa da Violência foram analisadas 5.564 cidades.

E se você acha que o quadro é ruim, é porque ainda não conhece as taxas de homicídios ao refinar a pesquisa e filtrar por idade. Ao considerar a faixa etária de 15 a24 anos, o risco pode quadruplicar e chegar próximo a um massacre. Os índices: Recife (255,7 homicídios por 100 mil habitantes), Vitória-ES (201), Porto Velho (125,8), Rio de Janeiro (141,1), São Paulo (122,3) e Cuiabá (135,4), segundo um estudo realizado pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP).

Propostas

Roberto Numeriano (PCB)
Já foi vítima da violência? SIM
– Aumentar efetivo da guarda municipal, para atuar como força auxiliar da PM
– construir núcleos da cidadania em áreas com altos índices de violência
– começar a Reforma Urbana (prevista pelo Plano Diretor) nas comunidades degradadas, priorizando as ações nas áreas de saúde, educação e transporte

Raul Henry (PMDB)
Já foi vítima da violência? SIM
– programas de complementação de renda, capacitação profissional, microcrédito e empreendedorismo
– acompanhamento psicológico de famílias e jovens em situação de risco
– ampliar, equipar e capacitar a guarda municipal como força-auxiliar à PM
– troca de iluminação em toda a cidade

Mendonça Filho (DEM)
Já foi vítima da violência? NÃO
– criar secretaria de segurança comunitária e espaço formal de participação da sociedade pelo conselho municipal de segurança
– redefinir o papel e atribuições da guarda municipal
– elaborar mapa do crime, com informações georeferenciadas

Kátia Telles (PSTU)
Já foi vítima da violência? SIM
– criar escolas profissionalizantes municipais
– isenção de tarifas públicas para desempregados
– fundar casas de abrigo com assistência médica, psicológica e jurídica para mulheres
– desmilitarização da PM

João da Costa (PT)
Já foi vítima de violência? NÃO
– continuidade aos programas da gestão do prefeito João Paulo
– Focar a repressão e a prevenção
– reforçar iluminação em áreas carentes da cidade
– aprofundamento do Pacto pela Vida e na valorização da educação

Edilson Silva (Psol)
Já foi vítima de violência? SIM
– transferir os contratos de prestação de serviços para populações da periferia
– reformar as escolas públicas, com turnos integrais e centros de esportes
– melhoria na iluminação pública
– promover a regularização fundiária e urbanização de comunidades populares

Cadoca (PSC)
Já foi vítima da violência? NÃO
– mil câmeras de seguranças em locais estratégicos com visão noturna
– central de monitoramento em sintonia com as Polícias Civil e Militar
– urbanização e requalificação de áreas urbanas e investimento em iluminação