ELEIÇÕES // Sem regulamentação sobre novas tecnologias, uso da rede nas campanhas perde o rumo e Justiça decide avaliar caso a caso
Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco – 15.junho.2008
Após cumprir um mandato-tampão como governador do Estado da Califórnia (EUA) de 2003 a 2006, com 48.6% dos votos válidos, ele foi reeleito convencionalmente naquele mesmo ano com a vontade de 56.0% dos eleitores. Foi quando este republicano que atende pelo nome de Arnold Schwarzenegger – sim, ele mesmo – sugeriu que um dia gostaria de ser Presidente da República.
Quase de imediato, os democratas, ala de Barack Obama e Hillary Clinton, decretaram que o sonho do exterminador do futuro era infundado e ilegal. Pela constituição americana, somente cidadãos nascidos em solo norte-americano podem ser candidatos à presidência. Apesar de possuir a cidadania desde 1983, Schwarzenegger nasceu na Áustria em 1947.
Graças ao intensivo uso da internet em sua campanha política à presidência, cuja eleição geral será em novembro deste ano, por bem pouco Barack Obama não provou do mesmo veneno adotado pelo seu partido contra os republicanos. Durante a última semana, o democrata foi alvo de suspeitas de que não teria nascido nos Estados Unidos e, por conseguinte, não poderia concorrer.
Natural de Honolulu, capital do Havaí, Obama viu o boato se espalhar pelos quatro cantos do globo. Diferentemente do que muita gente imagina, o Havaí é uma unidade federativa dos EUA, não um país. Pela internet, a equipe de Obama disponibilizou a cópia da certidão de nascimento na página www.fightthesmears.com. Os assessores de Obama tentam desmentir os crescentes boatos contra o candidato negro e de origem árabe.
Se Barack Obama fosse brasileiro, certamente seria enquadrado pela Justiça Eleitoral e poderia ter a candidatura impugnada. Afinal, bem diferente do que ocorre com a política norte-americana, o uso de novas tecnologias nas campanhas nacionais, como redes de relacionamento social, mensagens por celular, blogs e sites, ainda passam ao largo da maioria dos candidatos. Não somente pela falta de interesse dos políticos e do pouco acesso à rede dos eleitores, mas, sobretudo, à falta de regulamentação para a área.
Dificuldade – A mais recente resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a regulamentação do uso da internet, em vez de esclarecer os pontos de dúvida, dificultou ainda mais a compreensão dos assessores de campanhas e dos pré-candidatos.
Para não perderem o prazo estipulado pela lei, os ministros do TSE não entraram em acordo sobre a estipulação de regras para o uso de blogs, Orkut e Youtube pelos candidatos. Decidiram que cada questão será analisada caso a caso, pelos juízes.
Em outras palavras, cabe à interpretação de cada juiz o que pode se configurar como campanha ilegal na internet ou que irá configurar uso desvirtuado das novas. Além de não regularem o uso da rede, o TSE não alterou o artigo 18 da resolução 22.718, publicada em março deste ano. O artigo é explícito: restringe a campanha online exclusivamente pelo site oficial do candidato.
Insegurança jurídica
Em mais de uma oportunidade, o ministro Ari Pargendler, relator da consulta no TSE, mostrou preocupação de que a internet não sirva para escândalos, fofocas e boatos. Ocorre que a falta de regulamentação pode levar a problemas bem maiores, como a insegurança jurídica e a possibilidade de múltiplas interpretações por juízes e tribunais regionais pelo Brasil.
Em Pernambuco, o presidente do TRE, Jovaldo Nunes, garante que não haverá regras divergentes às esclarecidas pela instância superior. Recentemente, o TRE se posicionou contra uma resolução do TSE sobre a candidatura de políticos com ficha suja. A Justiça Eleitoral do estado irá recomendar que as candidaturas não sejam aceitas pelos partidos de quem responde por processos judiciais, diferentemente do que entende o TSE.
Sobre as campanhas na internet, contudo, não haverá divergência. “Trata-se de uma matéria administrativa, não judicial. Podemos divergir em questões judiciais, porque o TSE não pode nos dizer como julgar, visto que nesta função os tribunaislocais são independentes. Mas internet é matéria administrativa e não vamos deixar de seguir a instância superior”, disse Jovaldo.
Mais perguntas que respostas
Sites ou portais de notícias podem ter propaganda política? Os candidatos podem fazer vídeos e mandar para o Youtube? Blogs podem ser criados pelos assessores? E as comunidades no Orkut, continuam abertas? São dúvidas que seguirão sem respostas, diante do desfecho pouco esclarecedor do TSE. Resta saber se os membros do Judiciário estão preparados e bem assessorados tecnicamente para julgar as denúncias que podem e irão surgir daqui para frente.
Nem os próprios ministros do TSE se entendem sobre o caso. Após o julgamento da questão, o presidente Carlos Ayres Britto disse que o “Direito não tem como dar conta desse espaço, não nos cabe ocupar, deixemos os internatos em paz”. Apenas dois ministros contestaram. Marcelo Ribeiro acredita que a rede se transformará em uma “terra de ninguém”. Ari Pargendler ponderou que “uma pessoa não pode ficar sujeita a mexericos e ofensas pela internet e não obter resposta”, acrescentando que propaganda no Orkut, Second Life e Youtube deveria ser proibida nas eleições do Brasil.
A resolução do TSE, sobre o uso da internet nas campanhas, nasceu de uma consulta do deputado federal José Fernando Aparecido de Oliveira (PV-MG), que também é presidente do partido em Minas Gerais. No entanto, de acordo com a presidente da Comissão de Direito e Tecnologia do Instituto dos Advogados Brasileiros, Ana Amélia Ferreira, várias consultas sobre regras eleitorais para internet foram feitas ao tribunal em 2006 e nunca foram apreciadas.
De acordo com a advogada, as consultas anteriores chegaram fora do prazo regimental para apreciação dos ministros. “Mas agora é diferente, nossa consulta foi protocolada em outubro de 2007. Em março saiu a resolução 22718, cujo artigo 18 fala em propaganda exclusiva na página do candidato. Então esse mundo inteiro de novas tecnologias se resume a um único site?”, questiona Amélia, que também é assessora parlamentar do deputado José Fernando.
Ao fazer um contraponto com as campanhas eleitorais nos EUA, a advogada lembra que o uso é regulamentado, como é o caso do teto de US$ 2.300 para doações dos contribuintes. Para o professor de relações internacionais da Faculdade Rio Branco em São Paulo, Gunther Rudzit, não há dúvidas sobre o desconhecimento dos candidatos em relação ao uso de novas mídias. “Por outro lado, quem está conectado no Brasil? Nos EUA, mais de 50% das residências acessam a internet, bem diferente daqui”, indaga.
Rudzit, que é doutor em ciência política e especialista em segurança internacional, vê uma ponta de acomodação no Brasil sobre o tema. “Nos EUA, todo mundo cobra diretamente do político pelas suas promessas de campanha, usam o e-mail, os blogs, tudo. Funciona como um termômetro”, acredita.
Entrevista [ José Fernando Aparecido ]
Qual sua avaliação do julgamento da consulta eleitoral ao TSE?
O TSE decidiu não conhecer a consulta sobre propaganda eleitoral na internet por entender que se trata de um espaço de regulação interditada ao campo eleitoral. Considero importante a decisão, pois desconsiderou o parecer técnico da assessoria especial do Tribunal que havia se manifestado pela proibição de todos os recursos de propaganda eleitoral indagados na consulta.
Como serão decididas eventuais dúvidas sobre a regularidade de propagandas realizadas na internet?
As questões demonstravam diversas possibilidades de se realizar propaganda e foi em decorrência disso que o TSE foi obrigado a reconhecer a impossibilidade de regular. Os ministros acordaram que a Justiça Eleitoral passará a se posicionar sobre casos concretos.