Paulo Rebêlo
Não é a primeira vez que Hollywood resolve brincar com o nome de várias celebridades reunidas para conquistar o público e garantir a bilheteria antecipada. E essa é a surpresa maior na vitória de “Crash” ao Oscar, não a derrota de “Brokeback Mountain”. Apesar das diferenças de opiniões, Crash é um bom filme, mas longe de ser um marco cinematográfico digno de Oscar. Mas, afinal, será o Oscar digno de tanta credibilidade?
Crash não choca, não revela surpresas, não expõe feridas e não abre cicatrizes. Contudo, não teria Brokeback Mountain a mesma concepção de não julgar, apenas mostrar? É uma tênue semelhança.
Afinal, o diferencial da obra de Ang Lee sobre os caubóis – o romance homossexual e as agruras do amor reprimido – pode até chocar os puritanos, só que não impressiona mais ninguém na sociedade de hoje. Brokeback não choca como as pessoas que vão ao filme esperam, não abre cicatrizes sobre a homofobia. Não foi à toa que o diretor decidiu manter o filme em 1963, seguindo o conto do qual foi adaptado.
Do ponto de vista das reflexões e questionamentos, Brokeback é uma brincadeira de criança se comparado a, por exemplo, Má Educação (La Mala Educación, 2004) de Pedro Almodóvar. O qual, aliás, foi indicado a vários prêmios internacionais, mas passou despercebido no Oscar daquele ano.
Sobre Crash, vale realçar que a xenofobia da sociedade norte-americana é uma peculiaridade já conhecida, não somente nos Estados Unidos, mas em boa parte do chamado mundo desenvolvido. Visões políticas à parte, Crash não joga luz sob a marca sombria do preconceito. Apenas mostra, na tela, em câmera lenta, os resultados e os pequenos desastres de atos preconceituosos. É um filme denso, interessante, mas talvez óbvio demais. Embora, como entretenimento, valha cada centavo do ingresso.
CELEBRIDADES – A fusão de nomes conhecidos de Hollywood é um chamariz antigo. E Crash segue o modelo, adotado pelo razoável “Onze Homens e Um Segredo” (Oceans Eleven, 2001) e seguido pelo fiasco da continuação em 2004. A celebridade em Crash é uma faca de dois gumes, pois são os atores menos conhecidos do grande público que seguram a trama.
Ao mostrar como tantas histórias podem estar interligadas por pequenas atitudes, o diretor Paul Haggis consegue, de fato, prender sua atenção do primeiro ao último minuto. E no final, a questão permanece: como uma sociedade segregacionista ao extremo é admirada pelo resto do mundo? Há muito a se pensar, mas Crash não põe fogo no debate.
As histórias entrelaçadas lembram muito Robert Altman e seu clássico “Cenas da Vida” (Short Cuts, 1993). A diferença é o elenco, visto que Crash destaca os atores do tipo blockbuster. Na época de “Cenas da Vida”, quase todos eram desconhecidos. Em Crash, até Don Cheadle, que tinha um perfil mais sóbrio, virou popstar após o excelente Hotel Ruanda (Hotel Rwanda, 2004) e aplica a fama para o Oscar.
Simplesmente, não há explicação para Sandra Bullock – que mal aparece no filme, mas está em destaque nos créditos – e a presença pouco convincente de Brendan Fraser, no papel de um importante Procurador que quer se tornar político. Esqueceram que Fraser não consegue perder aquele jeito de garotão recém-saído do colegial ou da escolinha de futebol americano.
Por tantas falhas no elenco e pouca reflexão, surpreende o Oscar. Mas muito longe dos clichês da crítica sobre a derrota de Brokeback, ao estampar que o resultado é “homofóbico”, “conservador” e tantos outros adjetivos batidos que ninguém agüenta mais.