Recife // Pesquisadores consideram importante o embate na televisão, mas as experiências revelam baixo impacto no resultado final da eleição
Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco
02.outubro.2008
Concentração total para o debate de hoje à noite, na Rede Globo, entre os principais candidatos à Prefeitura do Recife. No entanto, poucos questionam até onde o confronto televisivo pode modificar o comportamento do eleitorado na reta final das eleições. Sem exceção, os adversários de João da Costa (PT) – líder nas pesquisas – apostam as últimas fichas em uma eventual reviravolta nas urnas.
Desde o advento da massificação da TV, acadêmicos e cientistas políticos se debruçam sobre a questão, nem sempre com resultados esperados. Em termos concretos, até hoje não se conseguiu provar que, em níveis locais e regionais, os debates televisivos modifiquem de forma significativa o pensamento do eleitor.
De acordo com a cientista política Luciana Santana, da equipe do DiarioData Associados, o debate na TV exerce influência maior somente nas eleições nacionais, enquanto que nas esferas locais o poder de mudança seria bastante reduzido. “O aspecto principaldo debate de hoje é captar votos dos eleitores ainda indecisos ou que se encontram confusos em relação a alguma proposta de governo”, acredita.
A pesquisadora explica que, nos EUA e em alguns países da América Latina, muitos estudos estão em desenvolvimento e realçam principalmente o cenário para as eleições nacionais apenas. Mesmo assim, com pouca influência na decisão final do eleitor.
O petista João da Costa será o alvo certo das críticas e questionamentos de Mendonça Filho (DEM), Raul Henry (PMDB), Edilson Silva (Psol) e Cadoca (PSC). Não à toa, a equipe de Costa admite que a preparação do candidato já ocorre há vários dias, incluindo uma tarde inteira para descansar, hoje, antes do debate. Os concorrentes adotaram a mesma linha, com grandes eventos e caminhadas realizados ontem, deixando a quinta como dia de concentração para o encontro.
Massificação – A aposta para o debate de hoje, embora cercada de esperança pouco comprovável empiricamente, não é descabida por completo. Enquanto de um lado não há pesquisas e nem provas científicas de que eleições possam ser alteradas por conta dos debates na televisão, de outro, há inúmeros estudos, novos e antigos, sobre o impacto do fator “imagem” no inconsciente coletivo.
Em experimento conduzido por James Druckman e publicado no The Journal of Politics em 2003 (Vol. 65, No. 2), ao comparar os debates entre rádio e televisão, o pesquisador conclui o que o senso comum já supõe: postura, desenvoltura e “imagem” do candidato, à frente da TV, podem se tornar fundamentais entre eleitores indecisos. Sobretudo por ser possível verificar essas três variáveis de modo mais transparente e direto na televisão.
Ocorre que o experimento de Druckman, da Universidade de Minnesota, teve como base o debate presidencial entre Richard Nixon e John Kennedy nos EUA. Fator que, de certa forma, ajuda a ratificar a tese da cientista política Luciana Santana sobre a importância em nível nacional dos debates, ao contrário da esfera local.
A televisão como fator decisivo
O fatídico debate exibido entrecortado pelo Jornal Nacional, entre Fernando Collor de Melo e Luiz Inácio Lula da Silva, durante as eleições de 1989, até hoje é considerado um marco quando se fala da importância do confronto televisivo nas vésperas do confronto nas urnas. A versão editada, diferente da exibida durante a manhã na emissora, é considerada como parte essencial da vitória de Collor naquele ano.
Para a cientista política Luciana Santana, do instituto DiarioData Associados, o trunfo para o debate de hoje na Globo será convencer os eleitores através da divulgação de propostas de governo ou por meio de campanhas negativas contra os candidatos que lideram as pesquisas eleitorais. Como exemplo, ela também cita um estudo conduzido por Irving Villafaña em 2006, na Universidade Internacional da Andaluzia (Espanha), que resume bem a generalização sobre os fatores que influenciam uma vitória eleitoral. Para Villafaña, a arte de chegar ao poder ultrapassaria os três ingredientes básicos conhecidos naturalmente: dinheiro, televisão e as chamadas “campanhas negativas” contra os adversários.
Passados quase vinte anos do debate de 1989, a realidade é diferente a ponto de o próprio poder de convencimento da imprensa, seja ela televisiva ou escrita, ser colocado em xeque. Na edição 74 (janeiro-março de 2008) do periódico Telos, o pesquisador Victor Sampedro Blanco tenta provar como a televisão e os jornais de referência perderam, ao longo dos anos, o reconhecido poder de persuasão e protagonismo, por exemplo.
Em “Novas configurações das eleições em um Brasil contemporâneo”, Antonio Canelas Rubim reforça a tese de que não se pode mais pensar em cenários eleitorais sem levar em consideração o poder das novas mídias e de como a sociedade se estrutura a partir delas. Não à toa, o pesquisador da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais, no México, usa as eleições de 1989, 1994 e 1998 como base do estudo.
Luciana acredita que, apesar da importância do debate na Globo, o alcance nem sempre é significativo porque a parcela dos eleitores que o acompanham é pequena. Além disso, “os eleitores decididos dificilmente mudam suas preferências em curto espaço de tempo até as eleições.”
Entrevista // Luciana Santana
Qual é a real importância deste debate de hoje para os candidatos?
O aspecto principal será principalmente captar votos dos eleitores ainda indecisos ou que se encontram confusos em relação a alguma proposta de governo. A melhor estratégia a ser seguida pelos candidatos é aproveitar o tempo disponível para persuadir o eleitor que sua proposta é a melhor. Espera-se um debate agressivo e tenso, motivado pelo pedido de cassação de João da Costa.
Existe algum estudo ou pesquisa que comprove a tese de que os debates não mudam a opinião do eleitorado?
A avaliação sobre influências dos debates sobre os resultados são temas novos nas ciências políticas e vêm cada vez mais despertando atenção. Nos EUA e em alguns países da América Latina, muitos estudos estão em desenvolvimento e realçam principalmente o cenário para as eleições em âmbito nacional, resultando em pouca influência na decisão final do eleitor. A justificativa é que o debate é apenas um dos indicadores da avaliação que o eleitor faz sobre os candidatos,não é o decisivo. Os debates, isoladamente, não mudam votos; mas podem captar votos de eleitores “atentos” e ainda indecisos. No caso de eleições municipais, a tarefa parece mais árdua e o alcance tende a ser menor do que nas eleições nacionais ou estaduais. A tendência é de que nos próximos anos tenhamos mais condições de quantificar e analisar mais detalhadamente tais casos, tendo em vistas novas regras para as campanhas eleitorais no Brasil.
Muita gente aposta em uma reviravolta nas pesquisas após o debate. Esse pensamento procede?
Apesar da importância do debate enquanto instrumento legítimo e democrático, o alcance nem sempre é significativo porque a parcela dos eleitores que o acompanham é pequena. Além disso, os eleitores decididos dificilmente mudam suas preferências em curto espaço de tempo até as eleições. O debate teria que se estender por mais tempo para provocar mudanças. Pensando o quadro atual, não acredito em “reviravolta”, conforme podemos verificar nas pesquisas divulgadas. Pequenas alterações devem ser consideradas normais em qualquer processo eleitoral mas nada que mude radicalmente o atual cenário.
Por que o último debate na televisão é sempre o mais aguardado, mesmo depois de meses em campanha?
Apesar de a campanha eleitoral ter começado há mais tempo, o fato de as eleições estarem muito mais próximas faz com que os candidatos utilizem este espaço para atrair principalmente os votos de eleitores ainda indecisos. Isto pode ocorrer de duas maneiras: convencer os eleitores através da divulgação de suas propostas de governo ou através de uma campanha negativa contra os líderes nas pesquisas.