O que esperar do futuro prefeito?

RECIFE // Campanha eleitoral tem início oficialmente neste domingo e, com ela, começa o período de discussão sobre os problemas da cidade
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Paulo Rebêlo
Diario de Pernambuco
06.julho.2008

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Ser prefeito de uma cidade como o Recife requer várias qualidades. E ter boa memória deveria ser uma das principais virtudes exigidas pelo eleitor, cujas recordações políticas são, historicamente, poucas. Memória para lembrar, depois de eleito, todas as promessas da campanha eleitoral que se inicia oficialmente neste domingo. Memória para recordar os problemas crônicos, atemporais, imemoriais do Recife. Memória para ter humildade, buscando soluções pragmáticas para o grande desafio de gerenciar uma cidade que é ícone de tantos índices sociais negativos.


Não importa o discurso, visivelmente as soluções tardam a aparecer, independentes de gestão, partido político ou ideologia. Entra prefeito e sai prefeito, os gargalos que impedem o desenvolvimento da cidade continuam presentes, imunes. Onde estão? Quais os principais desafios que o futuro prefeito do Recife tem pela frente? A partir deste domingo, o Diario abre a pauta de debates sobre os pontos críticos da cidade, convidandoespecialistas, pesquisadores, professores, cidadãos. Criticar os problemas é fácil. Apontar soluções, contudo, será o principal desafio a partir de agora.

Todos os profissionais ouvidos pelo Diario apresentaram críticas semelhantes. Os principais desafios aferidos por eles são: educação, planejamento urbano, transporte, pobreza, saúde e segurança. Cada desafio engloba uma série de problemas relacionados, mas ao visualizar os gargalos como uma peça única, em conjunto, a conclusão é óbvia: todos estão interligados.

Sem educação, não há cidadania, não há como refletir sobre o meio ambiente, como obter qualificação profissional e um melhor emprego. Sem cidadania, não há voto consciente. Sem emprego, cria-se insegurança, violência, fome. Com a pobreza, o quadro da saúde é ainda mais afetado. E sem saúde, a pobreza aumenta. Sem transporte público, não há como pensar em engenharia de trânsito. A lista segue.

Integração – Para economistas e especialistas em gestão pública, os desafios do próximo prefeito do Recifevão muito além dos problemas básicos e conhecidos. Com a série de investimentos que Pernambuco passou a receber nos últimos anos, aliada à atual conjuntura econômica da Região Metropolitana com as obras no Porto de Suape, é preciso planejar um futuro bem mais abrangente para não perder o bonde do desenvolvimento. Situação, aliás, que o Recife conhece muito bem, ao deixar de ser um modelo de desenvolvimento nacional desde os anos 1980 até hoje.

Para o economista Aldemir do Vale Souza, sócio da consultoria Ceplan, “quem não souber conduzir um projeto de integração metropolitana vai ficar para trás. É uma questão que vai além da esfera municipal”. Ele reconhece, contudo, a dificuldade de se elaborar uma proposta concreta, diante de tantas diferenças políticas. “Até hoje não temos algo nesse sentido. Veja o caso de Suape, com tantos investimentos e apostas, mas ainda estão discutindo a criação de um Plano Diretor, algo essencial e que engloba sete municípios”, pontua.

Uma das coordenadoras de estudos ambientais da Fundação Joaquim Nabuco, Alexandrina Sobreira, lembra que em pouco tempo Ipojuca será um dos espaços mais requisitados, recolhendo o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) mais alto de Pernambuco. “Há recursos e gente qualificada na prefeitura do Recife em todas as gestões, talvez falte prioridades e planejamento futuro nas ações”, destaca.

OS CAMINHOS BLOQUEADOS

O sociólogo Hugo Cortez não cansa de repetir: muitas vezes, o Recife se perde em discussões pequenas, quando deveria ter uma visão “macro” dos problemas que enfrenta, criando um plano de desenvolvimento conjunto com outros municípios do entorno. Um dos criadores do Observatório Social do Nordeste, ele classifica o planejamento urbano e o transporte coletivo como os principais gargalos. “Buracos, calçadas com defeito, ruas sujas, é problema demais e o resultado é que afastamos o turismo, a cidadania. Daqui a pouco, ninguém mais vai poder andar na cidade, não temos pensado sobre um plano viário”, reclama. Cortez acredita em reflexos negativos para o desenvolvimento do Recife, a partir do atual crescimento desordenado de Ipojuca e do Cabo. “Não pensamos na integração, claro que irá refletir por aqui”, diz.

Antônio Balduino, coordenador do projeto Educação em Foco na Fundaj, é outro a criticar de frente a engenharia de trânsito da cidade, além dos problemas “visíveis, crassos” da educação municipal. “Dão pouca atenção ao esporte dentro da escola. Mais da metade das unidades municipais não possui sequer uma quadra poliesportiva, uma ação que poderia se transformar em alicerce para tirar a juventude da marginalidade”, cita, relembrando que o problema, como tantos outros, não é de agora e até hoje não foi encarado de frente pelas gestões municipais.

A educação básica também é o gargalo prioritário para o advogado e professor Carlos Eduardo de Vasconcelos, diretor-adjunto da Faculdade dos Guararapes. “Se o próximo prefeito não inovar nesta questão e procurar uma mudança de paradigmas, uma política de resolução de conflitos para os jovens estudantes, não adianta e não vamos nos desenvolver em nenhuma outra área”, pondera. “Não temos um ambiente escolar saudável nas escolas municipais, não preparamos nossos jovens para lidar com conflitos”, acrescenta Vasconcelos.

O endereço errado da pobreza e desigualdade
RECIFE // Com 33,4% do PIB de Pernambuco e R$ 1,8 bilhão em arrecadação anual de impostos, dois terços da população da cidade não têm saneamento, principalmente esgoto, e vivem nos morros e na periferia

A história do Recife revela que todo prefeito pretende combater a pobreza e a desigualdade social. Discursos à parte, números das mais variadas fontes comprovam o insucesso. Seja na pobreza bruta com o precário acesso aos serviços básicos; seja na pobreza aparente e as milhares de crianças pedindo dinheiro nos semáforos; de todas as capitais brasileiras, é no Recife onde encontramos o maior díspar sobre a distribuição de renda. E de acordo com o levantamento das Nações Unidas, o recifense também possui a menor expectativa de vida ao nascer.

Os números e estudos estão em toda parte: Nações Unidas, IBGE, PNAD, IPEA, IETS e tantos outros institutos e órgãos governamentais. E as soluções, onde estão? Os bairros recifenses e suas respectivas rendas médias por mês são conhecidos por todo o poder público há bastante tempo. Em 2005, o Atlas de Desenvolvimento Humano do Recife, criado pela prefeitura com apoio das Nações Unidas, revelou uma realidade ainda pior do que os especialistas esperavam. Uma radiografia do quão desumana a urbe se transformou.

A economista Tânia Bacelar, uma das consultoras convidadas para analisar os resultados do Atlas, escreveu que “a forte desigualdade social e a grande dimensão da pobreza são as marcas principais da sociedade recifense”. E todos os índices sociais comprovam sua opinião. “O Recife não pode ser considerado desenvolvido sendo tão desigual. Ter uma pequena elite moderna – que experimenta excelente padrão de vida – não define uma sociedade como desenvolvida. A presença de uma maioria excluída, com precários índices de acesso a condições decentes, serve como elemento de questionamento à sustentabilidade do processo que se construiu”, pontuou.

O economista e sócio da Ceplan Aldemir do Vale Souza não vê “esta quantidade de pobres nas ruas em nenhuma outra cidade brasileira e todos nós sabemos o quão íntima é a ligação com a violência”. Ao mesmo tempo em que a desigualdade e a violência imperam nas ruas do Recife, a mesma cidade é o centro de uma cobiça política a qual também pode ser explicada em números: possui arrecadação anual de R$ 1,8 bilhão e participação de 33,4% no PIB de Pernambuco.

Ainda seguindo o disparate: entre seu 1,5 milhão de habitantes, quase 500 mil moram em morros e outros 500 mil em bairros periféricos. Quando chove, a rotina é a mesma. Jornais e televisões não precisam mover uma palha para encontrar um infinitude de desabrigados, desesperados, eventualmente soterrados. O bairro mais populoso – Boa Viagem – possui pouco mais de 100 mil habitantes de acordo com o último censo. E o bairro mais nobre, a Jaqueira, cuja renda média por domicílio é de R$ 5,1 mil por mês, é um dos menos populosos, com apenas 1.200 pessoas.

Na última semana, a três meses das eleições, a prefeitura anunciou um plano para combater a violência nos bairros, começando por iluminar as ruas nas regiões consideradas mais críticas. A escuridão, apenas um dos inúmeros fatores ligados à pobreza e violência, é um assunto discutido pelos especialistas há anos. O advogado Carlos Vasconcelos opina sobre a falta de prioridades: “Nossos políticos não saem do palanque, os projetos viram propaganda”.

De acordo com o IBGE, nos últimos 20 anos a pobreza absoluta caiu no Brasil. No entanto, houve concentração nas áreas urbanas, em especial nas grandes metrópoles. E como se previa, o índice de Gini (que mede a desigualdade social) cresceu mais no Recife do que em outras regiões metropolitanas.

RUMO AO DESCONHECIDO –

O Recife passou de 500 mil habitantes em 1950 para 1,1 milhão em 1970, enfim chegando aos atuais 1,5 milhão de residentes. E com tanto “crescimento”, não soube crescer. O engenheiro civil Oswaldo Lima Neto, um dos principais especialistas em desenvolvimento urbano, define bem a situação: “Não temos planejamento urbano, não temos uma proposta concreta de como a cidade deve crescer. O próprio Plano Diretor, tão problemático, no meu entendder apenas regula o que praticamente já está aí”.

Lima Neto, que também é secretário de transportes de Olinda, acha que a cidade só tem a perder sem um direcionamento. “Os empreendimentos não vão vir, ninguém quer morar em uma cidade onde não pode se mover. Nosso desafio não é saber para onde a cidade está indo, mas para onde ela deve ir”, sugere, criticando a falta de espaços públicos na maioria dos bairros. “Você sai de casa e não tem um parque, nem mesinhas para jogar dominó, conversar, não há espaço iluminado. Nos bairros pobres faltam áreas de convívio social. Outro dia cheguei em Curado IV, o pessoal não tem onde sentar, é incrível”, conclui.

A exemplo do advogado Carlos Vasconcelos, Lima Neto concorda que as principais causas dos problemas crônicos do Recife são de natureza política. “Trata-se de prioridades reais dos governantes, depois vem a questão de gestão”, acredita. O sociólogo Hugo Cortez acha que a cidade tem problemas demais e dinheiro de menos. “Dependemos além da conta do governo federal, não é exclusividade do Recife. Veja o caso de São Paulo, que depois de 30 anos de metrô, possui uma malha ferroviária urbana de apenas 70 km”, ilustra. Para Lima Neto, a problemática vem de cima: “As gestões municipais no Brasil são uma tragédia; não temos quadros permanentes, os salários são ruins, a cada nova administração mudam todos os cargos de confiança”, resume.

A TERRA DO SANEAMENTO PROMETIDO

Nas duas últimas eleições municipais, os candidatos e seus respectivos adversários políticos usaram a falta de saneamento básico, no Recife, como um dos principais motes de campanha. O índice é histórico e atual: pouco menos de 30% da cidade é devidamente saneada, outro dado alarmante quando comparado às capitais brasileiras. A promessa dos gestores públicos também era clara: a de duplicar o acesso da população ao saneamento básico.

Na segunda-feira (30), o deputado estadual e hoje candidato João da Costa (até junho era secretário de planejamento da cidade) apresentou um plano ambicioso na sede do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco). Ao falar sobre os avanços do governo João Paulo na área de saneamento, garantiu que nos próximos três anos a cidade dará um salto de qualidade, saindo dos 27% para 80% de área saneada. A informação foi divulgada no site oficial do deputado e confirmada por sua equipe. Resta o desafio: por que, em tantas gestões municipais, um dos temas mais importantes de saúde pública não foi prioridade?

Durante as mais recentes chuvas torrencais pela qual o Recife passou, o substituto de João da Costa na pasta de Planejamento Participativo, Amir Schvartz, garantiu que as ações desenvolvidas na cidade são exemplo para o Brasil. Salientou que, ao longo dos quase oito anos de gestão, a prefeitura conseguiu eliminar seis mil pontos considerados de alto risco em áreas de morro, por exemplo. “Tivemos sete mortes, contra 46 em 1996 e 11 em 2000”, classificou.

A prefeitura informou ter investido R$ 288,5 milhões em ações de urbanização nas áreas de risco, manutenção de escadarias e muros de arrimo, manutenção e retificação dos sistemas de micro e macro-drenagem e fiscalização das áreas de risco.

Dados sobre o Recife

– Única capital no rol das dez cidades com o maior número de homicídios do país

– Menor esperança de vida ao nascer entre todas as capitais (68,8 anos)

– Menor crescimento populacional entre 1991 e 2000: 0,92%/ano.

– Única capital onde a população cresceu menos (1,54%) do que o índice nacional (1,63%)

– Segunda do Nordeste com maior proporção de adolescentes de 15 a 17 anos com filhos. A primeira é Maceió

– Diferença entre a renda do chefe de domicílio do bairro mais pobre e o do bairro mais rico é de 33 vezes. Um chefe de domicílio da Jaqueira tem renda média de R$ 5.178,64 mensais, e o do Bairro do Recife, R$ 156,88.

*fonte: PCR/PNUD/IBGE/PNAD