Nanotecnologia recebe reforço de R$ 71 milhões

O Governo Federal acaba de anunciar o Programa Nacional de Desenvolvimento da Nanociência e Nanotecnologia, com investimento de R$ 71 milhões para o biênio 2005/2006. Em parceria com o Ministério da Ciência Tecnologia (MCT), os recursos serão distribuídos em todo o Brasil, para universidades e laboratórios, incluindo projetos de novos pesquisadores e trabalhos já consolidados na área.

Mas, afinal, o que é nanotecnologia? Para onde vai o Brasil nesse campo tão cobiçado do meio científico e aparentemente tão distante das pessoas comuns? Confira, na reportagem a seguir, o que podemos esperar das pesquisas em nanociências e os produtos já disponíveis no mercado, a começar pelo destaque internacional de Pernambuco no setor.

Paulo Rebêlo
Folha de Pernambuco, 24.agosto.2005

Em resumo, nanotecnologia pode ser definida como a ciência do pequeno. No caso, do extremamente pequeno, visto o termo que a define – nano – ser a bilionésima parte do micrômetro, que é, justamente, a medida adotada na microeletrônica que está por trás dos minúsculos chips de computador e de todo material eletrônico. Se hoje a microeletrônica é a base de quase todas as ferramentas de trabalho ao nosso redor, as ciências do nanômetro (nanociências) nos revelam o que está por vir.

Na última sexta-feira, em Campinas, o presidente Lula bateu o martelo, junto ao ministro Sérgio Rezende, do MCT, para liberar os R$ 71 milhões relacionados ao Programa Nacional de Desenvolvimento da Nanociência e Nanotecnologia.

De acordo com o ministério, ainda não está definido o volume de recursos para cada universidade, pois haverá processos de licitação e os recursos serão divididos entre este ano e o próximo. Dados do governo mostram que, entre 2001 e 2002, foram investidos R$ 3 milhões em nanotecnologia, valor que aumentou para R$ 11,7 milhões em 2003 e R$ 14,6 milhões no ano seguinte.

A nanotecnologia está presente nos laboratórios e institutos de pesquisa brasileiros há vários anos, mas só recentemente é que os investimentos começaram a aparecer em peso, assim como as primeiras aplicações práticas para uso cotidiano.

PE está em rede mundial de pesquisas

Pernambuco se destaca com a Rede de Nanotecnologia Molecular e de Interfaces (Renami), cuja sede se encontra na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). São dezenas de instituições nacionais e seis do exterior, todas interligadas pela Renami, que estuda e desenvolve nanoestruturas. Parece complicado, mas o resultado prático é fácil de entender.

O coordenador de inovação da Renami, Petrus Santa Cruz, explica que a nanotecnologia está em todas as áreas do conhecimento: Medicina, Meio-Ambiente,Energia, Agricultura, Informática e assim por diante. “Vários produtos já estão no mercado hoje, desde medicamentos como o DaunoXome, até vidros que se limpam sozinhos, sensores, protetores solares especiais, monitor de computador flexível e ultra-fino utilizando eletrônica molecular, roupas com tecidos especiais que não sujam, produtos anti-chamas, anti-radiação, superfícies que não riscam, baterias de longa duração a base de hidrogênio ou metanol e que não poluem”, completa Santa Cruz, que também é sub-chefe do Departamento de Química Fundamental da UFPE.

Entre as criações propostas pela nanotecnologia, em breve as pessoas poderão comprar medicamentos de precisão nunca antes imaginada, cápsulas contendo nanorobôs que, uma vez ingeridas, soltam os bichinhos para filmar seu organismo e até mesmo resolver problemas de saúde, como desobstruir artérias ou fazer micro-operações no seu corpo. Além de carros bem mais leves e computadores ainda menores e mais rápidos. No quesito informática, os segmentos que mais prometem são o de materiais semicondutores e o de armazenamento de dados. São as nanomáquinas, dispositivos em escala molecular, milhões de vezes menores do que um fio de cabelo para integrar placas e chips.

Parece ficção científica, mas é real

Quando os cientistas e pesquisadores falam em nanotecnologia, parece filme. Os investimentos bilionários dos países desenvolvidos em pesquisa, contudo, provam que as aplicações nanocientíficas não apenas estão cada vez mais próximas do cidadão comum como, também, podem representar uma revolução no jeito de se trabalhar. “O Brasil errou no passado e perdeu a oportunidade de se tornar um país-referência em eletrônica e setores afins, mas com a nanotecnologia é diferente. Nós também somos pioneiros e, hoje, quando se fala em nanotecnologia no País, o Nordeste é um referencial”, comemora Petrus Santa Cruz, da UFPE.

Ele explica ainda que toda essa mudança está assustando os países que acumularam conhecimento e destaque no cenário mundial, pois as nanociências mudam a forma como se lida com átomos e estruturas. “É uma grande chance para países como o Brasil, cuja comunidade científica se destaca em nanotecnologia. Há um interesse sem precedentes do setor industrial e empresarial, porque todos estão percebendo que a mudança será radical e quem não investir na área ficará para trás”, profetiza Santa Cruz, que conta com o respaldo de inúmeros cientistas e pesquisadores mundo afora, que classificam a nanotecnologia como a nova revolução industrial.

A notoriedade da UFPE é reconhecida internacionalmente no setor. A universidade detém a patente de seis dispositivos nanotecnológicos, como um desenvolvido para diminuir os índices de infecção e rejeição de implantes dentários, por exemplo. Também é a primeira universidade brasileira a incluir uma disciplina eletiva de nanotecnologia voltada ao ensino.

Nanoeletrônica também se destaca no Estado

Mesmo com o conhecido atraso brasileiro na microeletrônica, uma série de pesquisadores investem em estudos avançados na chamada nanoeletrônica para desenvolver dispositivos de escala nanométrica – e controlá-los a partir de softwares de computador. No Departamento de Eletrônica da UFPE, a equipe liderada pelo Prof. Edval Santos no Laboratório de Dispositivos e Nanoestruturas (LDN) é um bom exemplo.

No LDN, eles já desenvolveram até uma placa de computador feita exclusivamente dos estudos da equipe. “Nosso foco maior são as técnicas como a nanolitografia eletrônica (processo de gravura em plano) e programas de modelagem para nanodispositivos”, explica Santos, que também pesquisa e desenvolve, junto com a equipe, uma série de nanosensores. E o que são nanosensores? Nada mais do que sensores com apuração e precisão nanométrica.

Em aeroportos e agências de Correios, por exemplo, os nanosensores poderiam varrer toda a região para encontrar armas químicas e biológicas, como o gás sarin e o antraz. Além de deslanchar novas memórias de computador, compostas de nanopartículas para armazenar uma biblioteca inteira em um dispositivo do tamanho de um chaveiro.

Exemplos práticos no nosso dia-a-dia

Dá para imaginar um vidro que não precise de limpeza? Com a nanotecnologia, já é realidade. Nanopartículas de dióxido de titânio são aplicadas nesses vidros e, a partir daí, reações fotoquímicas são feitas, modificando a superfície do vidro de modo que as partículas de sujeira se decomponham e desapareçam. É um processo similar ao que ocorre com roupas que usam nanotecnologia na fabricação, a partir de tecidos que também não sujam.

Outro exemplo tem como base as nanopartículas fluorescentes, que servem para ajudar em diagnósticos clínicos e tratamentos de doenças mais complexas. Com as nanopartículas, os médicos podem “enxergar” o medicamento dentro do organismo humano. Agora em 2005, o órgão regulador americano de alimentos e remédios, o Food and Drug Administration (FDA), liberou a comercialização do Abraxane, um medicamento à base de proteína em nanoescala para o tratamento de metástase de câncer nos seios.

Em informática, hoje, a IBM já dispõe de uma tecnologia que armazena 25 milhões de páginas em um dispositivo do tamanho de um selo postal. Batizado de milipede, o sistema registra os dados em filmes de plástico com furos de dimensões nanométricas. Em termos comparativos, os furos que a tecnologia de gravar CDs usa, armazenando 700 Mb em um disco ou 4.7 Gb em um DVD, podem ser considerados buracos enormes quando comparados às dimensões do milipede. Os entusiastas apostam que, antes do que possamos imaginar, essa tecnologia estará nas prateleiras.

Estudos iniciaram há quase um século

Com toda a celeuma sobre nanotecnologia, vale realçar que uma parte dos processos já são usados pela ciência há um certo tempo. Há pelo menos um século que partículas de carvão, do tamanho de alguns nanômetros, são usadas como aditivo reforçado em pneus automotivos. Os próprios conceitos da nanotecnologia são antigos: foram expostos pelo físico Richard Feynman em 1959, durante palestra na American Physical Society. Na época, a platéia – todos cientistas – caíram na gargalhada, achando que as idéias de Feynman fossem piadas para descontrair o ambiente. Ele ganhou o Nobel da Física em 1965.

Outro caso atual reside nas proteínas nanométricas usadas em vacinas comuns. Os “fios nanométricos” também existem há um bom tempo e servem para integrar nanocircuitos eletrônicos – o único problema é que até agora ninguém ainda conseguiu criar um dispositivo que faça uso do recurso, a não ser em experimentos de laboratório. Do laboratório a um produto comercial, cientistas acreditam que saia algo nos próximos dois a três anos.

O tamanho cada vez menor dos circuitos é o trunfo para a informática. Cientistas da IBM e da HP apostam que o silício, peça-chave na fabricação dos chips (processadores) de hoje, esteja aposentado nos próximos quinze anos. O substituto seria um dispositivo nanotecnológico. Os mesmos nanodispositivos poderiam ser aplicados em naves e ônibus espaciais para reduzir tamanho e peso e em processos industriais ecologicamente corretos. E claro, também em armas biológicas ultra-compactas e eficientes, além de aparatos militares peso-pena. Não à toa, os Estados Unidos são os líderes no investimento financeiro em nanotecnologia.

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